PREÇO PAGO PELA RLAM FOI ATÉ QUASE NOVE VEZES MENOR DO QUE SEU VALOR DE MERCADO, APONTA ESTUDO DE ECONOMISTA

Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br)

WhatsApp Image 2021-05-19 at 18.05.28A decisão da Petrobrás de vender a Refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, tem a cada dia novas repercussões por parte de determinados setores da indústria de óleo e gás. Além de muitas críticas por alienar um ativo estratégico para o abastecimento no país, muitos apontam que o negócio foi fechado por um preço aquém do esperado. Esse discurso ganhou ainda mais coro nesta semana, com o lançamento do estudo “Quanto vale uma refinaria de petróleo?”, escrito pelo economista aposentado pela Petrobrás e vice-diretor de comunicação da AEPET-Bahia, Marival Matos. A publicação traz cálculos que apontam que o verdadeiro valor de venda da planta estaria entre R$ 53 bilhões e R$ 76,3 bilhões. Ou seja, levando em conta o montante máximo estimado pelo especialista, a RLAM foi vendida por um preço (R$ 8,87 bilhões ou US$ 1,65 bilhão) quase nove vezes menor do que seu valor real de mercado. “Foi um ‘Negócio das Arábias’, melhor do que um negócio da China”, criticou Matos, em referência ao comprador da refinaria, o Fundo Mubadala. Em entrevista ao Petronotícias, o economista afirma que a venda é ilegal por infringir alguns pontos da nossa legislação. Além disso, ele prevê prejuízos para o brasileiro na hora de reabastecer seu carro. “O consumidor no Brasil será o mais prejudicado. Na medida em que você tira a refinaria do Estado e transfere a operação do ativo para o Fundo Mubadala, você criará um monopólio regional”, analisou. Olhando do ponto de vista de geração de caixa da Petrobrás, Matos também foi categórico ao criticar o desinvestimento da refinaria: “Essa política é um suicídio, além de ir à direção contrária do mundo inteiro. As grandes empresas de petróleo são verticalmente integralizadas. O estudo completo está disponível neste link.

Uma das principais conclusões do estudo é o valor de venda muito abaixo do que era esperado pela RLAM. Para contextualizar nosso leitor, poderia explicar como fez esse cálculo e como chegou a essa conclusão?

rlam_006O valor de um empreendimento é avaliado pelos métodos da engenharia econômica e pelo valor patrimonial do ponto de vista contábil. Nós chegamos a esse valor com base em uma amostragem e simulação, tendo em vista a rentabilidade de um barril de petróleo refinado.

Em uma primeira amostragem, levamos em consideração seis produtos (gasolina, diesel, óleo combustível, nafta, GLP e querosene de aviação) de um total de 31 que podem ser processados na RLAM. Vale destacar que a refinaria conta com capacidade de 377 mil barris por dia. Muitos afirmam que esse valor é menor, mas consultei a Agência Nacional do Petróleo (ANP), que confirmou que a RLAM está autorizada a processar até 377 mil barris por dia.

Ao fazer uma análise econômica, é preciso calcular o potencial de vendas e da lucratividade da refinaria por ano. Em termos de litros, a RLAM processa cerca de 21,9 bilhões de litros de derivados por ano. Um barril de petróleo rende, em média, 30%. Em uma primeira simulação, a preços da refinaria para o distribuidor,  sem os impostos, conclui-se que o preço de alienação da RLAM seria de, no mínimo, R$ 53 bilhões.

Em uma segunda simulação, levamos em conta apenas a três produtos (diesel, GLP e diesel), que correspondem a 68% da produção da RLAM. Diferente da primeira simulação, nesse caso estamos levando em conta os preços para o consumidor final, já com impostos. Nessa conta, o valor mínimo de alienação da RLAM seria de R$ 76,3 bilhões.

Essa é uma análise econômica para o valor auferível pelas 26 unidades da refinaria. De acordo com a norma ABNT 14653-5, o valor econômico é o valor presente é o valor presente da renda líquida auferível pelo módulo ou unidade industrial (ou complexo de unidades industriais), durante sua vida econômica, a uma taxa de desconto correspondente ao custo de oportunidade de igual risco. Esse é apenas o valor potencial da refinaria.

Eu também fiz uma simulação, considerando as vendas de outras refinarias do mercado internacional. Chegamos a conclusão, por esse parâmetro, que a RLAM foi vendida de quatro a cinco vezes abaixo do valor de mercado.

Falamos aqui de todos esses valores, mas o mais importante da RLAM é o seu valor simbólico muito relevante, que foi a luta, os conflitos de interesse e ideológicos que vivemos desde a criação do Conselho Nacional do Petróleo, em 1938, até a criação da Petrobrás, em 1953. Não há dinheiro ou cifrão que pague essa alienação da refinaria, que carrega todo esse espírito de luta para tornar o Brasil em um país soberano no contexto da indústria de petróleo.

Na conclusão do estudo, o senhor aponta que a venda foi ilegal e diz que o negócio não observa preceitos econômicos. Poderia explicar mais sobre essa avaliações?

rlam_005Além do preço bem inferior ao valor de mercado internacional, essa venda infringe preceitos legais, como o artigo 177 da Constituição Federal [que trata de atividades sob monopólio da União]. Ela infringe também outros preceitos legais, como o caso da lei 9.491/1997, que é a conhecida lei da privatização. Infringe não só o artigo 3º dessa lei, como também o artigo 23. 

Esse artigo 23 declara que a venda é anulável sempre que não obedeça aos mandamentos desta lei 9.491/1997. A transferência de ativos relacionados com a Bolsa de Valores sem obedecer aos preceitos constitucionais e legais da lei 9491/1997 deve ser anulada. A venda também infringe o artigo 1 da própria lei 9.478, que é a lei da concessão do petróleo. Então, eu acho que deveria ter um parlamentar, senador ou mesmo o governador da Bahia para pedir a anulação da venda, através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin).

Outra constatação do seu trabalho é que a privatização da RLAM trará prejuízos aos consumidores. Poderia explicar por quê? Que prejuízos seriam esses?

Por exemplo, como mencionei antes, com base no artigo 1º da lei 9.478/1997, aprovada por Fernando Henrique Cardoso, a venda seria ilegal por não preservar o interesse nacional. Seria ilegal também por não promover o desenvolvimento, não ampliar o mercado de trabalho e não valorizar os recursos energéticos. E também por não proteger os interesses do consumidor quanto ao preço, a qualidade e a oferta dos produtos.

O consumidor no Brasil será o mais prejudicado. O consumidor no Brasil será o mais prejudicado. Na medida em que você tira a refinaria do Estado e transfere a operação do ativo para o Fundo Mubadala, você criará um monopólio regional.

O Prêmio Nobel de Economia de 1986, James McGill Buchanan, disse que é preferível um monopólio do Estado, com uma função social, do que um monopólio privado. Um outro Prêmio Nobel, de 2016, o economista Oliver Hart, também se coloca contrário a essas privatizações feitas dessa forma. Ele defende que há sempre um desvio de finalidade das privatizações, o que acaba prejudicando os consumidores finais.

Além de prejuízos para consumidores, o senhor acredita que a venda da RLAM também pode afetar a geração de caixa da Petrobrás?

petrobrasOs impactos serão enormes. Esse é um ‘Negócios das Arábias’, melhor do que um negócio da China. Essa é uma propaganda enganosa da Petrobrás – de que precisa de geração de caixa para pagar dívida. Nós já vimos esse filme no governo de Fernando Henrique Cardoso e também nos governos anteriores. O Fernando Collor foi um dos primeiros a vender várias empresas coligadas e controladas das nossas subsidiárias da Petrobrás. À medida que você retira empresas do sistema Petrobrás, isso acaba afetando a sinergia da companhia.

Esse US$ 1,650 bilhão previsto com a venda para o Fundo Mubadala não vai dar para pagar sua dívida, que está hoje em torno de US$ 70 bilhões.

Essa política é um suicídio, além de ir à direção contrária do mundo inteiro. As grandes empresas de petróleo são verticalmente integralizadas. Ora, nós já estamos com um prejuízo na geração de caixa porque a Petrobrás vendeu a Liquigás e a TAG e a BR Distribuidora. Não há sinergia nesse cenário e a geração de caixa será muito pequena para a Petrobrás.

A estatal não precisaria vender suas refinarias. O impacto será o contrário. A refinaria gera, anualmente, muito mais do que o seu valor de venda R$ 8,7 bilhões para a Mubalada. Então, essa questão da geração de caixa para a Petrobrás vai, sim, piorar.

Ou seja, esse modelo de gestão que prioriza desinvestimentos irá impactar negativamente o futuro da empresa?

rlamEu questiono esse atual modelo de gestão da empresa, que é suicida. A Petrobrás está baseando-se na venda petróleo, desinvestimentos de refinarias e de outros ativos, concentrando-se no Sudeste do país, onde você tem cerca de 75% do mercado consumidor. Essa política é equivocada.

Esse modelo de saída do midstream para focar no upstream é um modelo suicida. Eu não tenho um adjetivo para qualificar isso. Isso para mim é desídia na administração do patrimônio público de uma empresa de petróleo. A Petrobrás é um patrimônio público nacional do povo brasileiro.

A Petrobrás sempre teve lucratividade durante seus mais de 67 anos de existência, praticando um delay no reajuste nos preços dos combustíveis. E depois do pré-sal para cá, a situação melhorou. Ela tinha um certa folga para acertar os preços dos combustíveis, ao invés de gerar toda essa polêmica que aconteceu em fevereiro [a troca no comando da estatal, com a saída de Castello Branco], o que acabou causando uma redução gigantesca de seu valor de mercado. Vejamos se com a entrada do general Joaquim Silva e Luna aconteça uma mudança radical nessa trajetória de desmonte da Petrobrás. Eu ainda tenho esperança quanto a isso.

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Pedro Tavares
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Pedro Tavares

Viajou na maionese! Hahaha

Custódio
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Custódio

Economista Marival Matos está de parabéns pela ótima síntese deste crime de lesa-pátria que vem sendo implementado pelos atuais governos brasileiros. Esse assunto tão polêmico e complexo deveria ser amplamente discutido com toda a sociedade brasileira.

Pedro Tavares
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Pedro Tavares

Deixa eu ofertar algo muito valioso: uma moeda de 50 cruzeiros! Um pouco gasta, mas como tem valor sentimental, estou vendendo por 10 milhões de reais. Se quiser pagar menos eu me revolto e chamo o TCU.

José
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José

Graças a Deus que esse baianos vão ter patrão

João Fernandes
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João Fernandes

Bom dia! Vamos se interessar, mude sua cultura, o mundo está cheio de pessoas iguais a você! Acorda, chega de críticas, você tem o que para somar? Preste atenção no discurso e aprenda a dialogar! Fica a dica.

Stefano Sacchi
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Stefano Sacchi

Qual é a diferença entre pagar X vezes o valor real como no caso da refinaria de Pasadena e vender a x vezes menos do valor real?
Onde se manifesta a maior competência desse governo?

Sfrilek
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Sfrilek

Palavras do Presidente da Petrobrás: “Hoje é um dia muito feliz para a Petrobras e o Brasil. É o começo do fim de um monopólio numa economia ainda com monopólios em várias atividades. O desinvestimento da RLAM contribui para a melhoria da alocação de capital, redução do ainda elevado endividamento e para iniciar um processo de redução de riscos de intervenções políticas na precificação de combustíveis, que tantos prejuízos causaram para a Petrobras e para a própria economia brasileira. A transação satisfaz sem dúvida os melhores interesses dos acionistas da Petrobras e do Brasil”, afirmou Roberto Castello Branco, presidente da… Read more »

Amaral
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Amaral

Quanto vale o Brasil?
Porque o Brasil está sendo vendido a preço de banana?

ANTONIO STALIN MARIN
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ANTONIO STALIN MARIN

A pilantragem tomou o Brasil de saque

Paulo
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Paulo

E quando o Brasil não tiver mais nenhuma refinaria os espertos pagaram peso de ouro na gasolina.

milton
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milton

o PT saqueou o pais de tal forma, que agora estão tendo que vender setores estratégicos a preço de banana, uma refinaria que da lucro tendo dividas na ordem dos 70bi, é isso que ninguem ve, o mal que uma governo comunista faz em 16 anos demora mais de 50 para recuperar