PRESIDENTE DA ELETRONUCLEAR DIZ QUE FASE MAIS DURA DO PLANO DE AUSTERIDADE JÁ PASSOU E AGORA MIRA EM REVISÃO TARIFÁRIA
A Eletronuclear vive um momento desafiador, com cortes de despesas para alinhar o orçamento ao faturamento. O plano de austeridade, no entanto, gerou protestos e contestações por parte de funcionários, como o Petronotícias mostrou em uma série de reportagens recentes. Nesta segunda-feira (7), ouviremos o outro lado dessa história. Em entrevista exclusiva, o presidente da Eletronuclear, Raul Lycurgo, defendeu as medidas adotadas e afirmou que a companhia caminharia para o colapso caso os cortes não fossem feitos. Questionado sobre a condução da crise com os colaboradores, Lycurgo disse que “não tem compromisso com o erro” e que está aberto a revisões, quando necessárias — mas foi enfático ao afirmar que a situação financeira da empresa é delicada. “Precisamos trabalhar juntos. Não adianta dizer que o dinheiro vai cair do céu. Não vai”, declarou.
Com os ajustes já implementados, a empresa estima uma economia de R$ 160 milhões. Segundo o presidente, a fase mais crítica do plano de austeridade no segmento de Pessoal já ficou para trás. “Daqui em diante, os ajustes serão mais finos, de menor impacto”, disse. Lycurgo revelou ainda que a Eletronuclear contratou uma consultoria para revisar sua base tarifária. Com esse novo estudo — que deve ser concluído em até 18 meses — a estatal pode solicitar à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) uma revisão extraordinária de sua tarifa. Durante a entrevista, o executivo também abordou temas como a melhoria na política de remuneração, os programas de desligamento para aposentados, mudanças no organograma, os efeitos do novo acordo entre Eletrobras e União, e a relação com os trabalhadores.
Presidente, vamos começar nossa entrevista falando da nova estrutura organizacional da Eletronuclear, com a redução de cargos de chefia. Qual o impacto disso para as pessoas e para a operação da empresa?
Em relação à operação, o que estamos buscando é a otimização. Só para você ter uma ideia, temos muitas posições de chefia e divisões repetidas para cada usina. Por exemplo: temos a divisão de Química de Angra 1, a divisão de Química de Angra 2 e a divisão de Química de Angra 3. O mesmo vale para os departamentos de Operação. É como se tudo fosse triplicado. Talvez, se Angra 3 estivesse operacional, houvesse alguma justificativa para manter o atual organograma. Mas, mesmo assim, tenho minhas reservas sobre termos uma estrutura tão grande.
Importante lembrar que, embora estejamos falando de redução [nos cargos de chefia], na verdade estamos voltando à condição que existia até junho de 2022. Naquela época, havia cerca de 76 cargos de chefia. No segundo semestre de 2022, esse número inexplicavelmente saltou para 116, mesmo sem nenhuma mudança nas condições de operação de Angra 1, 2 e 3.
Agora, com a nova estrutura organizacional, estamos voltando para algo em torno de 73 cargos de chefia. E essa mudança foi feita com base em um estudo elaborado por uma empresa especializada. Poderíamos ter adotado um modelo mais agressivo, mas optamos por retornar ao patamar de antes da privatização da Eletrobras — um ajuste mais suave, sem grandes turbulências. A economia com essa mudança gira em torno de R$ 2 milhões a R$ 3 milhões por ano.
Agora vamos falar sobre a questão do PMSO (custos com Pessoal, Material, Serviços e Outros). A Eletronuclear alega uma discrepância entre o que foi autorizado pela ANEEL e o que foi efetivamente executado nos últimos anos. Seria importante o senhor explicar para os nossos leitores como a empresa chegou a esse cenário.
Não foi um único evento. Trata-se de uma consequência de diversos fatores, omissões e falhas de gestão no passado que levaram a empresa a essa situação. É importante destacar que o PMSO da Eletronuclear já estava desequilibrado antes de 2022, mas havia uma diferença fundamental naquele período. De 2015 a 2021, a Eletrobras ainda era nossa controladora e aportava recursos: foram R$ 5,2 bilhões em aportes e mais R$ 2 bilhões em empréstimos para cobrir o déficit operacional da Eletronuclear.
A partir de 2022, essa realidade muda. A Eletrobras deixa de ser controladora e passa a ser apenas uma acionista relevante. Nesse momento, a Eletronuclear deixa de contar com os aportes da Eletrobras para enfrentar o desequilíbrio do PMSO. Naquele ano, a ANEEL autorizou um PMSO de R$ 1,1 bilhão, mas a companhia gastou R$ 1,6 bilhão. Foram R$ 500 milhões que saíram do caixa sem cobertura tarifária.
E como foi o desempenho nos anos seguintes?
O quadro piorou no ano seguinte. Em 2023, a ANEEL manteve o limite de R$ 1,1 bilhão, e a empresa gastou R$ 1,78 bilhão. Ou seja, mais R$ 700 milhões sem cobertura. Para 2024, o orçamento da Eletronuclear previa R$ 2,4 bilhões em gastos, contra R$ 1,38 bilhão autorizado pela ANEEL. Se tudo ocorresse como previsto, o déficit seria de R$ 1 bilhão — seria o “abracadabra” para o colapso da companhia.
Diante desse cenário, iniciamos um plano de austeridade, com cortes e revisões contratuais. Reduzimos adicionais de periculosidade e sobreaviso, otimizamos contratos, diminuímos a quantidade de andares ocupados no Rio de Janeiro e reduzimos as viagens para Angra de Reis, por exemplo. Os números começaram a reagir. Em 2022, o nosso PMSO estava 40% acima do valor autorizado pela ANEEL. Em 2023, essa discrepância foi para 62%. Para 2024, o orçamento indicava que essa diferença subiria para 72%, mas conseguimos fechar o ano com um índice de 38%. Vamos continuar trabalhando neste ano para chegar, até o final de 2025, a um percentual entre 20% e 25%.
Mas existem outras medidas em curso pela diretoria que vão além dos cortes de despesas?
É preciso atacar duas frentes. A primeira delas, mais imediata, é a redução de despesas. Mas também é necessário revisar nossa receita. Como é de conhecimento de todos, tivemos uma revisão tarifária ordinária em 2023. Para os anos de 2024, 2025, 2026 e 2027, só haverá correções pela inflação. A próxima revisão ordinária só virá em 2028. Mas existe a possibilidade de uma revisão tarifária extraordinária junto à Aneel.
Para isso, contratamos, há cerca de um mês, uma consultoria para mergulhar na nossa base tarifária e reavaliar diversos fatores. Um desses aspectos está relacionado aos equipamentos destinados a Angra 3 que foram utilizados em Angra 2. Esses ativos equivalem a um investimento de R$ 800 milhões. Portanto, seria necessária uma adequada unitização desses equipamentos, para que fossem reconhecidos pela Aneel e gerassem remuneração. Contudo, desses R$ 800 milhões, menos de 1% foi unitizado. Essa transferência de equipamento não consta em nossa base tarifária. De maneira simplificada, é como se a empresa tivesse investido R$ 800 milhões, mas estivesse sendo remunerada por apenas R$ 8 milhões. Isso não faz sentido.
O senhor acredita que há espaço para essa revisão extraordinária?
Hoje, a nossa tarifa de energia está em torno de R$ 355, o que equivale a aproximadamente US$ 55 por megawatt-hora — já incluindo combustível. Em países onde a energia nuclear não é subsidiada, como os Estados Unidos, a tarifa mínima gira em torno de US$ 120. Não estou dizendo que o valor aqui deva ser esse. Estou apenas citando os EUA como comparativo.
Portanto, uma tarifa de US$ 55 é extraordinariamente baixa e sugere que muito investimento não foi corretamente unitizado e, por isso, não entrou na nossa base de cálculo. Por isso, acredito que há espaço para revisão — mas só poderemos ter essa certeza quando tivermos o estudo completo da consultoria em mãos.
É possível estimar um prazo para a conclusão desse estudo?
O prazo máximo para entrega é de 18 meses. Como o contrato com a consultoria foi assinado em fevereiro e os trabalhos começaram em março, esperamos a conclusão para o segundo semestre do ano que vem.
O novo acordo entre Eletrobras e a União afeta de alguma forma os planos da Eletronuclear? Isso muda algo nas finanças ou na operação?
Na operação, nada. Nas finanças, também não. A Eletrobras mantém sua posição como acionista importante e experiente, mas não é controladora da Eletronuclear.
Como se sabe, o BNDES fez a modelagem financeira de Angra 3 e definiu um CAPEX de R$ 23 bilhões. Desse total, 10% viriam como equity dos acionistas, e 90% seriam obtidos via dívida pela própria Eletronuclear. Portanto, o equity — ou seja, a parte que viria dos acionistas — corresponde a R$ 2,4 bilhões, sendo R$ 800 milhões da Eletrobras e R$ 1,6 bilhão da ENBPar. O que muda após o acordo com a União é que a Eletrobras fica suspensa da obrigação desse investimento de R$ 800 milhões em Angra 3.
Esse novo acordo também resolve uma questão importante sobre a extensão da vida útil de Angra 1. No ano passado, tivemos que ir ao mercado captar R$ 450 milhões com os bancos BTG e ABC — e isso foi só metade do que precisávamos. Agora, com esse financiamento da Eletrobras por meio de debêntures, conseguimos viabilizar esse investimento em condições melhores. A extensão da vida útil de Angra 1 representa receita na veia, mas, para viabilizar esse projeto, é preciso ter o dinheiro para fazer os investimentos.
Muitos dos pontos do plano de austeridade afetam diretamente os trabalhadores. Como não poderia deixar de ser, uma parcela desses colaboradores manifestou desconforto e preocupação com essas medidas. Queria saber, do seu lado, como gestor, como tem sido administrar essa situação dentro da empresa?
É sempre bom poder abordar isso de maneira clara, cristalina e transparente. Gostaria de dizer que não temos compromisso com o erro. Se algo estiver errado, nós voltamos e consertamos, sem o menor problema. É importante lembrar que assumi a presidência em dezembro de 2023. Já em janeiro de 2024, percebi que a situação da companhia era complexa.
Ainda em janeiro, apresentei o nosso cenário aos acionistas, ao Conselho Fiscal, ao Conselho de Administração, à ENBPar, à Eletrobras, ao Ministério de Minas e Energia e à SEST [Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais]. Em fevereiro, fizemos essa mesma apresentação diretamente aos empregados. O aviso foi o seguinte: “Vamos ter turbulência pela frente, dias nebulosos, porque o cenário é esse.”
Precisamos trabalhar juntos. Não adianta dizer que o dinheiro vai cair do céu. Não vai. Antes, a Eletrobras podia fazer aportes porque a Eletronuclear estava sob seu guarda-chuva. Contudo, atualmente, nosso acionista controlador é a ENBPar, que é uma estatal. E você sabe que estatal não pode aportar, sob hipótese alguma, recursos para custeio de pessoal. Portanto, a conversa tem sido muito próxima, no sentido de que temos esse problema [financeiro] que precisamos resolver.
Quais foram os critérios adotados para definir quem poderia aderir ao programa de demissão voluntária da Eletronuclear?
Sobre o PDV, é importante esclarecer que ele foi direcionado exclusivamente para quem já estava aposentado ou em condição de se aposentar. Estamos falando de profissionais com 30, 40 anos de empresa, que já poderiam ter encerrado suas carreiras. Seria injusto incluir, por exemplo, um colaborador com 25 anos, que ainda tem todo um caminho pela frente. É uma situação completamente distinta de alguém que já reúne as condições legais para se aposentar. Esse foi um critério muito objetivo — e amplamente aceito pela Justiça. Em momentos de desequilíbrio, é consenso que os programas de desligamento voluntário devem priorizar os aposentados ou aposentáveis.
Não estamos propondo absurdos ou demissões gigantescas. Na verdade, estamos falando de 133 pessoas que aderiram voluntariamente ao PDV; e mais 90 que já estão aposentados e entrarão no Plano de Desligamento Complementar (PDC). Importante lembrar ainda que a empresa contratou quase 400 pessoas no concurso de 2021.
Uma das críticas feitas aos programas de demissão da Eletronuclear é a possível saída de trabalhadores experientes e qualificados, que atuam diretamente na operação das usinas. Como o senhor responde a essas alegações?
A Eletronuclear conta com uma área dedicada à capacitação e à transferência de conhecimento. Os profissionais mais experientes já formaram substitutos ao longo dos anos — algo natural em qualquer empresa. Pessoas aposentadas ou em vias de se aposentar são valiosas, sim, mas seu papel hoje deve ser o de treinar as novas gerações. Alegar que esse grupo é imprescindível e insubstituível levanta outra questão: se isso fosse verdade, significaria que a empresa falhou na gestão do conhecimento. E esse não é o caso.
Essas críticas são superficiais. Quando se afirma que a operação das usinas depende de aposentados, questiona-se, na prática, a capacidade de toda uma nova geração que já está preparada — e isso é injusto. Temos profissionais com 40, 45 e 50 anos de idade, prontos para assumir responsabilidades. Os mais antigos têm, sim, um papel importante — mas no treinamento. Dizer que alguém com 70 anos e já aposentado é insubstituível é desvalorizar quem está há 15, 25 ou 30 anos na empresa, igualmente qualificado e pronto para contribuir.
Quais são os próximos passos da diretoria daqui em diante?
Já foram feitos grandes ajustes na rubrica de Pessoal, que trouxeram uma economia de cerca de R$ 160 milhões. Nossa meta era alcançar uma economia de R$ 200 milhões. Daqui em diante, os ajustes serão mais finos, de menor impacto.
Precisamos fazer ajustes não apenas nos gastos com Pessoal, mas também em Material e Serviços. A terceirização está muito inflada. Precisamos analisar com responsabilidade o que pode ou não ser terceirizado. Esse trabalho só pode ser feito com a ajuda do nosso corpo técnico.
Temos ainda, até o fim do próximo ano, a revisão da base remuneratória. A ideia é avaliar aquilo que não está corretamente apropriado, para que também tenhamos espaço para melhorar a remuneração.
Por fim, o senhor gostaria de deixar uma mensagem final aos trabalhadores da Eletronuclear?
Sabemos que o momento tem sido delicado. Mas, em nenhum momento, podemos ignorar ou fingir que os problemas não existem. É preciso encará-los com transparência. Estamos aqui com a obrigação de resolver os desafios. E essa solução passa, necessariamente, pelo comprometimento de todos os empregados.
Sou procurador federal de carreira. Minha cadeira aqui não é permanente. Meu cargo está lá em Brasília. O que estou tentando fazer é colocar a empresa nos trilhos, com foco na perenidade. O que quero dizer é que não há voluntarismo aqui. Qualquer gestor responsável faria exatamente o mesmo. A empresa precisa dar resultados. E, quando falo em resultados, não estou falando em lucros gigantes ou dividendos. Estou falando em gerar caixa operacional — pagar as próprias contas e ainda conseguir investir.
Os impactos direto (receita), indiretos (cadeia de suprimento) e induzidos (impacto dos dois primeiros sobre a economia do país) são elevadíssimos, entre duas a três vezes a receita anual da Eletronuclear, da ordem de 15 bilhões de reais ao ano. Este é o benefício que apenas duas usinas nucleares, uma delas pequena, traz para a sociedade. Além disso, nossa industria nuclear está empacada igual a jumento há 20 anos, pois a esfinge Angra 3 é fundamentalmente um enigma sem solução. As usinas em serviço são penalizadas pelo custo da esfinge. Angra 3 não apenas impede o país de avançar na… Read more »
E depois disso tudo, pega-se o MWh que custou 350 Reais pagos à Eletronuclear e vende por 1300 Reais a mim, o idiota.
O Brasil já deveria é estar com muitas usinas atômicas e não deixar de terminar a construção de angra 3. Fazer isto é ir na contramão do futuro. Matriz energética diferente e domínio da tecnologia nuclear é o precisamos para tornar o país mais respeitado no mundo e não o contrário. Para frente é que se caminha.
Um breve relato sobre a importância do conhecimento das pessoas num ambiente altamente complexo e de grande entropia como numa usina nuclear. Nos idos da década de 1980 uma revisão do gerador de Angra 1 se fez necessária. Este gerador desenvolve cerca de 900 mil HP de potência, com cerca de 15 mil amperes a 19 mil volts, na ocasião o maior do Brasil. A revisão demandava desmonta-lo, inspeciona-lo, testa-lo, ao final refazendo a camada de verniz sobre o enrolamento. O gerador é refrigerado por hidrogênio que flui por centenas de pequenos canais ao longo das bobinas. Para não deixar… Read more »
Na época, pouco sabíamos sobre os “diabos” que circulavam no ambiente altamente entrópico das usinas. Agora laudas foram escritas sobre eles. Cuidado. Capeta não morre e também aprende sobre como nos enganar. Atuam também no ambiente de gestão plantando suas armadilhas. Na realidade 70% das perdas não controladas, eufemismo de m, nascem na gestão, vagam até que infelizes na interface homem-máquina caem na armadilha. Pronto, mais um ensinamento com base na experiência, 70% dos erros e violações nascem bem alto na organização. Depois não digam que não sabiam ou não foram alertados.