PROFISSIONAIS RELATAM EPISÓDIOS DE OBSTÁCULOS IMPOSTOS ÀS MULHERES NO SETOR DE ENERGIA E APONTAM CAMINHOS PARA A INCLUSÃO

Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) – 

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Danielle Hirama (à esquerda), da Siemens Energy, e Helena Ramos, da Ocyan

Na nossa segunda reportagem especial neste Dia Internacional da Mulher, vamos trazer duas personagens que atuam em esferas distintas dentro da indústria de energia brasileira. A nossa primeira entrevistada é Danielle Santos Hirama, que atua como Coordenadora de Planejamento de Ferramentas para Field Services na Siemens Energy, em Jundiaí (SP). Ela trabalha diretamente na parte de operação. Em suas mãos, está a responsabilidade de gerenciar, planejar e enviar ferramentas utilizadas nos atendimentos da área de Gas Services, Turbinas a Gás, Compressores e Turbinas a Vapor. Mas, para chegar a essa posição, Danielle teve de vencer muitos obstáculos ao longo de sua jornada profissional. “Vinda de dois anos no Planejamento, fui a primeira mulher a ser líder de fábrica na empresa, gerenciando por outros cinco anos uma equipe composta então somente por homens. Mesmo encontrando resistência inicial dos meus colegas, todos homens e mais velhos, encarei a oportunidade”, contou. Comentários negativos de homens sobre seu cabelo, unhas e até mesmo brincos fizeram parte de sua rotina. “Era, principalmente, uma forma de resistência passiva dos homens, disfarçada ou explícita nessas falas e em diferentes atitudes – algo que tive que buscar aprender como superar com a ajuda e a união de outras mulheres”, lembrou Danielle. “Essa experiência mudou não apenas a minha vida profissional e como enxergo as minhas capacidades e potencialidades, mas também me mostrou como abrir portas para outras mulheres”, completou.

Já a segunda entrevistada atua na área executiva. A diretora financeira da Ocyan, Helena Ramos, liderou o processo de reestruturação do negócio de perfuração da companhia, no valor de US$ 2,7 bilhões. Ela aponta que, historicamente, os setores de petróleo, gás e energia foram pouco ativos na promoção da equidade de gênero. Para mudar esse quadro, Helena acredita que é necessário ter representatividade em todos os cargos do mercado, para que as mulheres se enxerguem capazes de ocupar qualquer posição. “Além disso, as empresas devem se estruturar para receber mulheres, principalmente aquelas que fazem o serviço offshore (em alto mar). É preciso que elas se sintam pertencentes a esse lugar, com respeito às características e necessidades femininas”, acrescentou. A primeira reportagem especial, com Petrobrás e Eletronuclear, está disponível neste link.

Vamos, então, começar pelo relato da Coordenadora de Planejamento de Ferramentas para Field Services na Siemens Energy, Danielle Santos Hirama:

Como você enxerga a evolução da presença das mulheres nos setores de óleo, gás e energia?

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Mulheres ainda enfrentam desafios no ambiente de trabalho da indústria de energia, apesar dos avanços recentes

Não há dúvida de que está aumentando gradativamente. Seja no Oil & Gas, seja nas áreas voltadas para o avanço da transição energética e da descarbonização, as mulheres estão ocupando cada vez mais lugares no setor de energia. E o que vejo pela Siemens Energy, junto às outras mulheres que trabalham comigo, é que esses espaços seguem sendo abertos e criando oportunidades para a inclusão das mulheres. Mas ainda há muito para progredir em termos de representação. Somos 39% da força total de trabalho no mundo, mas só 22% dos empregos no setor de energia tradicional são ocupados por nós, mulheres. Isso precisa e deve mudar.

Aliás, é imperativo que as mulheres participem e atuem no setor de energia, colocando sua visão diferenciada e aumentando sua influência de modo muito positivo no mercado. No momento, há uma grande demanda por profissionais qualificadas, principalmente nas áreas mais técnicas, como instalação, manutenção de equipamentos e aplicação de ferramentas nos trabalhos em campo, minha área atual. Essas posições não precisam ser ocupadas apenas por homens. Como no resto da sociedade, estamos passando por um profundo processo de transformação na energia, que exige e seguirá exigindo novas soluções e maior participação de um conjunto diverso de talentos. E as mulheres são uma parte fundamental nisso, inclusive para atrair as pessoas de outros grupos que podem eventualmente se intimidar pela presença majoritariamente masculina que existe hoje.

Nesse sentido, minha própria história na Siemens Energy pode ser um exemplo. Vinda de dois anos no Planejamento, fui a primeira mulher a ser líder de fábrica na empresa, gerenciando por outros cinco anos uma equipe composta então somente por homens. Mesmo encontrando resistência inicial dos meus colegas, todos homens e mais velhos, encarei a oportunidade. Superei barreiras e trouxe a minha equipe para o meu lado, sempre buscando me envolver em tudo, aprendendo e encarando-os como pessoas e não ferramentas para um determinado fim. Hoje, vejo que essa experiência mudou não apenas a minha vida profissional e como enxergo as minhas capacidades e potencialidades, mas também me mostrou como abrir portas para outras mulheres, conversando com elas a partir do que vivi e as empoderando para ocupar seus espaços na energia.

O que ainda precisa ser feito para que mais mulheres participem desse mercado?

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Siemens Energy tem adotado medidas para incentivar a diversidade em seu quadro funcional

É claro que existem barreiras em diversos aspectos, a exemplo das que encarei a vida inteira por ser uma mulher que escolheu uma carreira técnica. Mas não sou a única a ter vivido isso. Essas barreiras podem começar dentro de casa, na faculdade de Engenharia e até mesmo no primeiro emprego. Elas estão presentes todos os dias na vida de uma mulher, tanto no tratamento dos colegas quanto nas dúvidas que elas alimentam em si mesmas e na competição, às vezes tóxica, que elas podem desenvolver com outras mulheres no trabalho. 

Posso falar a partir do que vivenciei. Quando me tornei líder de fábrica, ouvia muito no começo coisas como “mas você não pode fazer isso de brinco”, “seu cabelo solto vai atrapalhar”, “suas unhas são muito longas para usar essa ferramenta”, entre outras coisas completamente negativas ou com intuito de podar minha participação. Era, principalmente, uma forma de resistência passiva dos homens, disfarçada ou explícita nessas falas e em diferentes atitudes – algo que tive que buscar aprender como superar com a ajuda e a união de outras mulheres. 

Diante desses desafios, o acesso a mentoras e mulheres mais experientes como referência no trabalho na Siemens Energy foi algo decisivo para que eu pudesse avançar na minha carreira e me consolidasse como líder. Por isso, entendo que, para além da abertura de mais oportunidades, é preciso criar espaços nas empresas onde as mulheres possam compartilhar suas experiências, se sentirem ouvidas e convidadas a participar. Esse espaço da mulher e para a mulher precisa ser criado e incentivado para que elas possam se desenvolver plenamente e com segurança.

Como a empresa tem atuado para aumentar a participação das mulheres no setor?

Siemens-energy-vagas-de-estagio-Sao-PauloComo disse, a oportunidade de buscar mentoria na Siemens Energy é realmente algo que merece destaque. Tive duas mentoras que em diferentes momentos desafiantes na minha formação enquanto líder e no gerenciamento das minhas equipes foram essenciais. São mulheres que podem não estar na mesma área que eu, mas que me ensinaram muito em como lidar com situações que poderiam me fazer desistir de alcançar meus objetivos profissionais. E com elas, é preciso destacar, também aprendi a importância de transmitir meus conhecimentos e vivências para outras mulheres, algo que faço periodicamente em espaços e ocasiões diversas criadas pela Siemens Energy, como o Momento DiverSifica, uma reunião de Segurança e Saúde do Trabalho onde também podemos trazer essas questões de gênero para debate. 

Ter essas janelas para troca em meio à correria e às pressões do dia a dia faz toda a diferença e me possibilita ajudar meninas e mulheres dos perfis mais diversos, das jovens-aprendizes até as efetivadas mais experientes, fortalecendo o espírito sororidade que temos hoje.

Além disso, vejo que a Siemens Energy atua ativamente na criação de um espaço de trabalho que abriga todas as diferenças e é preocupada em fortalecer a inclusão de todas as pessoas como um valor inegociável. Não apenas as mulheres, mas também as pessoas negras, PCDs, trans, entre outros grupos minorizados. Esse valor que chamamos de “Pessoas com responsabilidade” se traduz numa diversidade de ações e ofertas internas, como benefício de licença maternidade estendida, auxílio creche e babá, reserva de 50% de vagas dos programas de estágio para mulheres, programas de incentivo à formação de lideranças femininas etc.  

Recentemente, uma ação que me chamou a atenção e exemplifica muito dessa busca da Siemens Energy e fazer sempre o melhor quando se trata de diversidade e inclusão foi o Escrevendo a História com Elas, uma iniciativa criada em 2023 com vagas afirmativas para mulheres negras e trans. O mais legal do projeto é que ele oferece uma trilha de 18 meses de desenvolvimento de skills de gestão de pessoas em áreas como controladoria industrial, produção, qualidade e planejamento de materiais somada a atividades práticas de cada departamento. Precisamos capacitar mais mulheres diversas no setor de energia e caminhos como esse são sempre bem-vindos e necessários para que isso aconteça.

Agora, vejamos as opiniões da diretora financeira da Ocyan, Helena Ramos:

Como você enxerga a evolução da presença das mulheres nos setores de óleo, gás e energia?

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Atualmente, 38% dos cargos de liderança da Ocyan são ocupados por mulheres

Historicamente, os setores de petróleo, gás e energia foram pouco ativos na promoção da equidade de gênero, com baixa participação feminina. Durante muito tempo, a participação da mulher nesses setores era por meio de atividades ditas como administrativas, já que a formação necessária para atuação em outras funções, principalmente no ambiente offshore, era tradicionalmente masculina. Atualmente, a busca pela diversidade tem levado as empresas a traçarem planos e estratégias que incentivem e valorizem a presença de mulheres em todas as áreas. A Ocyan é uma das empresas que lideram o tema desde 2019, quando lançou o seu programa de Diversidade, da qual sou mentora, inclusive.

O que ainda precisa ser feito para que mais mulheres participem desse mercado?

É fundamental que haja representatividade em todos os cargos do mercado para que as mulheres se enxerguem capazes de ocupar qualquer posição. Além disso, as empresas devem se estruturar para receber mulheres, principalmente aquelas que fazem o serviço offshore. É preciso que elas se sintam pertencentes a esse lugar, com respeito às características e necessidades femininas.

Como a empresa tem atuado para aumentar a participação das mulheres no setor?

mulherA Ocyan tem diversos programas internos e apoia ações externas à organização que também alavanquem os resultados de equidade de gênero na sociedade.

Em 2021, a Ocyan fez uma pesquisa focada em profissionais mulheres offshore para entender qual o perfil deste grupo, seus anseios e receios. A pesquisa criou as bases para a campanha “O Mar Também É Delas”, hoje liderada pelo IBP, e que visa ampliar a igualdade de oportunidades e a promoção do bem-estar das profissionais que trabalham em plataformas da indústria de óleo e gás no país.

Além disso, a empresa conta com uma mentoria feminina, na qual profissionais mais experientes orientam as mais novas sobre como evoluir na carreira, incluindo os postos offshore; e com o programa “Elas Ocyan”, composto por cerca de 70 colaboradas, em sua grande maioria executivas, tem como objetivos promover o autoconhecimento, alavancar empoderamento feminino e reforçar a sororidade interna. Como incentivo às mulheres que se tornam mães, a Ocyan inicia este mês, nova conquista, como Empresa Cidadã, com licença-maternidade de 6 meses e a extensão dela licença-maternidade por quinze dias adicionais ou seguir com uma jornada reduzida de quatro horas diárias, até que o bebê complete seis meses de idade.

Atualmente, 38% dos cargos de liderança da empresa são ocupados por mulheres. Desde 2022, como signatária do Movimento Elas Lideram 2030 da ONU, a Ocyan está comprometida em aumentar essa proporção para 50% até 2030.

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