PROJETO SOBRE CONTEÚDO LOCAL DESEQUILIBRADO PODE FAVORECER A INDÚSTRIA EM DETRIMENTO DE OBRAS NOS ESTALEIROS NACIONAIS
O Senado apreciou e, agora, o Projeto de Lei criando o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover) vai voltar para Câmara dos Deputados para ser votado novamente, antes de ir à sanção presidencial. Basicamente, ele pode ser considerado um “projeto Trans”: nasceu como incentivo financeiro para a pesquisa e a produção de veículos menos poluentes, mas se se transformou no “Projeto das Blusinhas”, taxando em 20% as importações das e-commerces chinesas. Como noticiamos, a matéria teve ainda uma emenda com índices de conteúdo local para a indústria de petróleo e gás. É daqueles projetos que tratam do parto à fusão nuclear, passando por todos os intermediários. Mas é a emenda sobre o conteúdo local, de autoria do deputado fluminense Áureo Ribeiro (foto principal), que nos interessa diretamente. Na votação de ontem (5) no Senado, a emenda foi retirada do texto do Mover. Mas como a matéria voltará à Câmara, os deputados podem reincluir tal proposta. O índice de conteúdo local atual para as obras da Petrobrás é de 25%, mas passaria a ser 30% no projeto do deputado, talvez por influência da ABIMAQ, 25% do conteúdo local ficariam destinados às compras de máquinas e equipamentos e apenas 5% para serviços e para a indústria naval. Como se vê, essa divisão não está equilibrada.
Este desequilíbrio vai de encontro até a um desejo do próprio presidente Lula, que fez promessas e mais promessas aos empregados dos estaleiros brasileiros. Promessas para as quais o ex-presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates, deu de ombros e não seguiu a linha política do governo. Acabou saindo para a chegada de Magda Chambriard. Ela era diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo na época, quando o conteúdo local chegou a ser de 80% e os nossos estaleiros estavam repletos de encomendas. Era o primeiro governo Lula. Mas em 2016, houve um consenso na indústria para se reduzir este índice para 40%, com apoio do Sinaval, Abimaq, Abemi, Aço Brasil e outras entidades. A proposta foi levada ao IBP e ABESPetro e aprovada. Na sequência foi levada para a ANP, subiu para o CNPE e virou lei. Na sequência foi reduzido para 25% numa canetada de uma hora para outra e hoje continua assim.
Se a emenda de conteúdo local for aprovada, será mais um embate entre o Presidente Lula e o parlamento. E, muito possivelmente, o presidente repetirá a mesma frase que influencer Felipe Neto usou depois de defender o governo e afirmar que não se taxariam as vendas de todo o tipo de buginganga barata oferecida pelas empresas chinesas via internet. Felipe foi desmentido pelos fatos e questionou: “Lula, com que cara eu fico?”. O presidente poderia ter que dizer o mesmo ao parlamento em relação às suas promessas aos trabalhadores dos estaleiros: “Parlamentares, com que cara eu fico?”. Aparentemente, esse desequilíbrio em uma lei de conteúdo local 25% – 5% não vai agradar a nova presidente da Petrobrás, que é uma entusiasta pelo incentivo às empresas brasileiras e também traz a missão de içar no mastro da companhia a mesma bandeira do presidente Lula, defendendo os estaleiros brasileiros, desde Pernambuco, passando pela Bahia, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Acredita-se que haverá serviços para todos, o que seria mais um boom da indústria naval brasileira.
Não só o Sinaval, através de seu presidente, Ariovaldo Rocha (foto à direita) lançou uma nota oficial, que publicamos ontem (5) no início da tarde, dizendo que a “Emenda estabelece índices para o Conteúdo Local nos contratos da Indústria de Óleo e Gás que afetam diretamente os Associados do SINAVAL… Sobre esse tema, o SINAVAL entende que o assunto, da forma como está sendo tratado, introduz modificações relevantes na política pública que trata dos índices e pode prejudicar os Estaleiros nacionais associados.” Uma nota ponderada e não incisiva. Como este não é o único projeto sobre conteúdo local, a entidade acredita que este pode ser discutido em outros fóruns, como MDIC, dirigido pelo Vice-Presidente Geraldo Alckmin, e também a Frente Parlamentar. O Sinaval acredita que a decisão será do CNPE, depois de passar pela ANP.
A Abimaq também divulgou uma nota oficial. E assim como fizemos com o Sinaval, vamos reproduzi-la na íntegra. A nota é assinada pelo Presidente da Abimaq, José Velloso Dias Cardoso (foto à esquerda):
“A aprovação, pela Câmara de Deputados, da Emenda 26 ao PL nº 914/24 (Programa MOVER), que estabelece novas regras de conteúdo local para as atividades de exploração e produção petrolífera, representa novo alento para a indústria brasileira de bens e serviços. Embora o capítulo sobre Conteúdo Local tenha sido incluído na fase final de tramitação do PL, trata de tema já amplamente debatido, inclusive tendo sido abordado em PLs anteriores, ainda em tramitação na Câmara, porém já aprovados em diversas Comissões.
Na nossa opinião, o referido Capítulo não representa barreira para a viabilidade de projetos, pois os valores estabelecidos não especificam os equipamentos nem os serviços, apenas estabelece valores globais mínimos separando bens e serviços, valores estes muito aquém da capacidade local de supri-los. Os valores determinados até agora são prejudiciais à indústria local. Eles têm sido definidos pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) para cada leilão, sem considerar argumentos de uma política industrial, necessária para que o país se beneficie das demandas decorrentes do desenvolvimento do setor de petróleo e gás e não apenas produza o óleo mais barato e para ser exportado como commodity.
Por outro lado, o PL como está, não deve causar transtornos comerciais para o Brasil, pois a exigência de conteúdo local é praticada por vários países, como EUA, Reino Unido, Noruega, Arábia Saudita, entre outros. Acreditamos que a inclusão do Conteúdo Local seja de grande valor para o desenvolvimento da indústria nacional. Não prejudicará a potencial atratividade para os próximos leilões de áreas exploratórias da ANP, pois esse é apenas um dentre muitos fatores a serem analisados pelas empresas que participam dos leilões, não sendo o mais representativo.
Sendo assim, defendemos a manutenção do citado Capítulo, cabendo destacar que os índices nele estabelecidos estão muito aquém da capacidade de nossa indústria e que, em muitos casos, as companhias de petróleo e as operadoras preferem os itens importados por decisões meramente empresariais, como por exemplo: utilizarem financiamentos subsidiados ofertados por outros países, contratarem via seus centros internacionais de compras, não desejarem implantar estruturas de compra e diligenciamento no Brasil, utilizarem seus tradicionais fornecedores sem terem que fazer novas qualificações e comprarem pacotes para empreendimentos em diferentes países com economia de escala.
Enfim, se não forem induzidas a atender a certos requisitos legais, preferem não buscar os fornecedores locais.
Por fim, as companhias de petróleo têm ainda o significativo benefício do Repetro, um grande subsídio que incentiva a exploração e produção do petróleo, mas que, por representar um viés importador, prejudica muito a indústria local. Assim sendo, em nossa opinião, o PL em questão deve ser considerado como uma contrapartida para a sociedade brasileira, considerando os benefícios/subsídios concedidos pela Lei do Repetro. Sem um mínimo de compromisso de contratações locais, ganham os fornecedores internacionais e perde o Brasil.”
A ABEMI (Associação Brasileira de Engenharia Industrial) também se posicionou em relação a este caso. A entidade divulgou uma nota, que também publicaremos na íntegra, assinada pelo presidente, Joaquim Maia:
“A Abemi apoia o fortalecimento do conteúdo local nos diversos mercados em que atua, principalmente no mercado de óleo e gás. Expressamos nossa preocupação sobre a Emenda Parlamentar nº 26 (EMP26), incorporada ao Projeto de Lei nº 914/24, recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados, ora em processo de aprovação no Senado Federal, que estabelece novas regras de conteúdo local para a exploração e produção de petróleo e gás no contexto do Programa Mobilidade Verde e Inovação (MOVER). Esta emenda determina pisos percentuais para o conteúdo local tanto na exploração, quanto na produção de óleo e gás.
Os termos da emenda proposta causarão impacto nas empresas associadas da ABEMI para construção e montagem de projetos offshore. Recomendamos um amplo debate entre stakeholders privados e públicos, Congresso Nacional e Governo por meio do MME, MDIC e ANP, para a discussão dos conteúdos e das regras que permitam o desenvolvimento sustentável das atividades relacionadas à engenharia industrial nos mercados offshore.
A evolução das políticas e das regras de conteúdo local deve, ao nosso ver, comtemplar eventuais penalidades, bem como incentivar a ampliação do conteúdo local por parte dos operadores. Estamos comprometidos com o contínuo aperfeiçoamento das regras que visem a ampliação das atividades da engenharia industrial no mercado offshore e da consequente criação de novos empregos, renda e tributos, de forma sustentável ao longo dos próximos anos.”
E agora, o que vai acontecer? Vamos repetir uma frase que deixa a solução indefinida: “Quem viver, verá.”
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