REAPROVEITAMENTO DE LOCAIS DE USINAS A CARVÃO PARA INSTALAÇÃO DE REATORES MODULARES PODE FACILITAR A TRANSIÇÃO ENERGÉTICA JUSTA
O carvão é um dos combustíveis que está sendo substituído gradualmente por outras fontes menos poluentes. Embora ainda amplamente usado pelo mundo afora, a tendência aponta que o carvão perderá participação na matriz energética global ao longo das próximas décadas. O Diretor Técnico da ABDAN e Coordenador do Comitê de C&T da AMAZUL, Leonam Guimarães, aponta que muitos países estão avaliando alternativas para substituição do carvão. Uma das rotas mais promissoras parece ser a instalação de pequenos reatores modulares (SMRs) no local de termoelétricas a carvão desativadas. “Mais de 70 projetos SMR estão em diferentes estágios de desenvolvimento em todo o mundo, com unidades SMR operando agora na China e na Rússia. O reaproveitamento de usinas de carvão com SMRs permitiria a continuação da produção de energia para clientes locais”, aponta. No Brasil, por exemplo, existe uma preocupação em relação à região Carbonífera do Rio Grande do Sul. A possível desativação das usinas termelétricas poderá acarretar enormes prejuízos socioeconômicos para a região e a cadeia produtiva local. Para Leonam, a substituição de usinas a carvão por SMRs é um caminho que garantiria uma transição energética justa, garantindo a geração de energia segura e a manutenção de empregos locais. “A energia nuclear está posicionada de forma única para redirecionar trabalhadores da indústria de combustível fóssil para a indústria nuclear, preservando a geração estável de energia. As comunidades profissionais se beneficiariam dessa transição com novas oportunidades de trabalho, que provavelmente continuarão a oferecer os salários mais altos no setor de energia limpa”, avaliou.
Para começar nossa entrevista, poderia explicar aos nossos leitores de que forma a energia nuclear pode ser uma alternativa às usinas a carvão já existentes?
À medida que o consumo de carvão aumenta em meio à turbulência do mercado de energia, os esforços globais para reduzir o uso do combustível fóssil mais poluente até 2050 parecem cada vez mais desafiadores. Vários países estão agora de olho em uma estratégia para o uso de energia nuclear que poderia reduzir sua dependência de combustíveis fósseis nos próximos anos: a instalação de pequenos reatores modulares (SMRs) no local de termoelétricas a carvão desativadas.
Da economia à preservação do meio ambiente, projetos em países como França, Índia, Polônia, Romênia, Reino Unido e Estados Unidos visam se beneficiar dessa estratégia. Por exemplo, reaproveitar termelétricas fósseis com SMRs, além de ajudar a reduzir as emissões e manter a segurança energética, também pode garantir uma transição econômica justa para as comunidades locais. Mas vários desafios devem ser enfrentados antes que tal abordagem possa ser amplamente adotada, incluindo testes e demonstrações de SMRs.
Há uma necessidade crescente de substituir o carvão pela energia nuclear, mas como é possível fazer isso? Por um lado, devemos acelerar a implantação do SMR e, por outro, o descomissionamento das térmicas a carvão. Para atingir esses dois objetivos, o uso de locais de usinas existentes para implementar projetos nucleares pode facilitar essa mudança. Reaproveitar esses locais seria, na verdade, um facilitador para a redução paulatina das usinas a carvão.
Qual tem sido o peso das usinas a carvão na geração de emissões, tendo em vista a crescente demanda por essa fonte verificada em 2023?
O carvão é responsável pela maior parcela das emissões de CO2 do setor de energia, tornando sua eliminação gradual fundamental para combater as mudanças climáticas. Mas enquanto a cúpula do clima COP26 em novembro passado concordou em acelerar os esforços para uma “redução gradual” de usinas movidas a carvão, a demanda por esse combustível fóssil pode atingir um recorde em 2023, à medida que os países lidam com os altos preços da energia em meio à atual turbulência do mercado.
A situação, apelidada de “a primeira crise global de energia” pelo diretor executivo da Agência Internacional de Energia, Fatih Birol, ressalta como a eletricidade acessível e confiável continua sendo um ativo essencial das economias modernas. Dado que o carvão fornece mais de um terço da eletricidade mundial, há espaço para a energia nuclear substituí-lo com o tempo como fonte de energia primária de baixo carbono que fornece segurança de abastecimento 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Em que fase de maturidade estão os projetos de SMR pelo mundo?
Mais de 70 projetos SMR estão em diferentes estágios de desenvolvimento em todo o mundo, com unidades SMR operando agora na China e na Rússia. O reaproveitamento de usinas de carvão com SMRs permitiria a continuação da produção de energia para clientes locais. Sua capacidade de geração, entre 200 MWe e 400 MWe, é semelhante à de uma usina típica movida a carvão, portanto, esses SMRs também seriam adequados para conexões de rede existentes.
Os fatores de economia de custo podem incluir evitar a aquisição de terras para a planta SMR, ter uma fonte de água existente, bem como conectividade ferroviária e rodoviária, e um pool de recursos humanos treinados dentro da distância de deslocamento.
E como ficaria a situação da mão de obra das atuais usinas térmicas a carvão caso essas plantas fossem substituídas por usinas nucleares?
A energia nuclear está posicionada de forma única para redirecionar trabalhadores da indústria de combustível fóssil para a indústria nuclear, preservando a geração estável de energia. As comunidades profissionais se beneficiariam dessa transição com novas oportunidades de trabalho, que provavelmente continuarão a oferecer os salários mais altos no setor de energia limpa.
Muitos dos sistemas de geração de energia a partir do vapor (BOP) usados para operar uma usina a carvão também podem ser reaproveitados para uso com um SMR. Estes incluem sistemas de reposição e de armazenamento de água; instalações de dessalinização; sistemas de ar comprimido; manuseio de produtos químicos; sistema de armazenamento de gases industriais; sistemas de tratamento de águas residuais; equipamento de elevação móvel; e torres de resfriamento.
Isso dá uma ideia de quantas coisas em uma usina tradicional são passíveis de emprego imediato, explorando o reaproveitamento da localização de SMRs em usinas de carvão desativadas. E isso antes mesmo de falarmos sobre a conexão com a rede, as subestações que você precisa.
Mas e quanto à cadeia de fornecedores e suprimentos? Seriam necessários novos investimentos significativos por conta dessas substituições?
As cadeias de suprimentos também são semelhantes para usinas de carvão e nucleares, o que significa que os empregos podem ser preservados, enquanto o custo de financiamento para energia nuclear, sempre uma parte tão significativa do preço total, pode ser reduzido. Isso criaria um ciclo competitivo na comunidade financeira para a energia nuclear devido a custos de capital mais baixos. No entanto, permanecem desafios para implementar este cenário de transição.
E quais são os principais desafios?
Em primeiro lugar, espera-se uma implantação mais ampla de SMRs após 2030, dependendo de seu teste, demonstração e licenciamento regulatório bem-sucedidos. Depois, há questões relacionadas à descontaminação de locais de usinas de carvão, segurança nuclear, preparação e resposta a emergências, descarte de lixo nuclear e opinião pública. Ainda assim, dois países estão avançando no reaproveitamento de usinas de carvão para SMRs.
Na Romênia, a corporação estatal de energia nuclear SN Nuclearelectrica realizou estudos de engenharia, análises técnicas e atividades de licenciamento e autorização em locais de usinas de carvão como parte de um plano para localizar SMRs. Em 2022, a Romênia anunciou que um local em Doicesti, onde atualmente existe uma usina de carvão, seria o local preferido para a primeira implantação de SMR no país.
Nos Estados Unidos, a concessionária PacifiCorp tem planos de reduzir sua frota de carvão em dois terços até 2030 e substituir parte dela por nuclear. Após um extenso processo de avaliação de quatro locais existentes, um local próximo a termoelétrica movida a carvão de Naughton, que deve se desligada em 2025, foi selecionado como o local preferido para um reator rápido resfriado a sódio com um armazenamento de energia à base de sal fundido sistema.
Por fim, para além da substituição de usinas a carvão, o senhor poderia mencionar outras possíveis aplicações dos SMRs?
Os Reatores Modulares de Pequeno Porte têm o potencial de desempenhar um papel crucial na transformação da indústria siderúrgica em uma atividade mais sustentável e com emissões líquidas zero de carbono. Sua capacidade de fornecer energia limpa, calor e até mesmo hidrogênio verde torna-os uma solução versátil para atender às crescentes demandas por redução de emissões e sustentabilidade. À medida que a tecnologia dos SMRs continua a avançar, é provável que sua aplicação na siderurgia se torne mais difundida, contribuindo para um setor siderúrgico mais limpo e responsável em todo o mundo.
Além disso, a aplicação de SMRs para fornecimento de energia de data centers representa uma solução promissora para atender à demanda crescente por energia confiável e sustentável. Embora haja desafios a serem superados, os benefícios em termos de confiabilidade, redução de emissões e eficiência operacional tornam os SMRs uma escolha atraente para as empresas que buscam garantir a operação contínua de seus data centers em um mundo cada vez mais digital. É fundamental abordar esses desafios com responsabilidade e rigor para aproveitar ao máximo essa tecnologia inovadora.
Excelente iniciativa. Muito importante para os setores “hard to abate”. Só precisa vir acompanhada de um plano de comunicação eficiente para mostrar que as SMR já seguras e altamente utilizadas na Europa.