RECLAMAÇÃO DA FRANÇA PELA VENDA DE SUBMARINOS NUCLEARES PARA AUSTRÁLIA PODE ENVOLVER OUTROS PAÍSES, INCLUSIVE O BRASIL
As reclamações do Presidente francês Emmanuel Macron, depois do acordo entre Estados Unidos e Reino Unido para o fornecimento de oito submarinos nucleares (SSNs) para a Austrália, não estão centradas apenas na perda de uma venda de US$ 90 bilhões que os franceses viram escapar das mãos. E muito menos no fato de ter se sentido enganado pelos parceiros por ser o último a saber sobre a transação. A indignação do presidente francês fez chamar seus embaixadores nos Estados Unidos e no Reino Unido. Ou por capricho ou por atenção, agora os franceses também alegam que a aquisição dos SSNs pela Austrália sob o acordo AUKUS (uma parceria entre americanos, britânicos e australianos) poderia abrir uma caixa de Pandora de proliferação sem controle com Estados sem armas nucleares, como Brasil, Argentina, Canadá, Irã, Japão, Arábia Saudita e Coreia do Sul, entre outros, também indo para submarinos com propulsão nuclear e mantendo combustível (urânio de baixo e alto enriquecimento) fora do escopo das salvaguardas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
Para lembrar, o Brasil comprou quatro submarinos franceses da Classe Scorpène – considerados os mais modernos convencionais antes dos submarinos nucleares. O primeiro deles, o Humaitá, já foi entregue à Marinha depois de todos os Testes de Mar. O segundo, o Riachuelo, está ainda em fase de testes. E os outros dois ainda estão sendo montados (Tonelero e Angostura). Depois deles, virá o primeiro submarino nuclear brasileiro, usando tecnologia francesa. A construção dos submarinos nucleares pela Austrália ainda vai durar alguns anos e as unidades deverão estar prontas apenas em 2030. Por isso, o governo australiano está se preparado para arrendar submarinos nucleares dos Estados Unidos enquanto sua frota ainda estiver sendo construída. A informação é do próprio Ministro da Defesa, Peter Dutton: “Há toda essa discussão para acontecer nos próximos 12 a 18 meses”, disse ele. “A conversa de que você pode simplesmente comprar um submarino com propulsão nuclear da prateleira, é claro, simplesmente não é precisa ou correta”, acrescentou.
Peter Dutton (foto à esquerda) disse que os chineses estão construindo submarinos, fragatas e porta-aviões em um ritmo recorde e, portanto, arrastando o resto do mundo para o mesmo caminho. O cancelamento do acordo entre a França e a Austrália previa a construção de 12 submarinos convencionais diesel-elétricos. O ministro australiano disse que circunstâncias no Índico-Pacífico mudaram e mudarão ainda mais nos próximos anos. “Tivemos que tomar uma decisão que era de nosso interesse nacional e é exatamente isso o que fizemos.” Se a Austrália tivesse escolhido um modelo nuclear francês, por exemplo, isso envolveria a criação de uma indústria nuclear na Austrália, pois eles precisam ser reabastecidos a cada sete a dez anos. A tecnologia usada pela Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos significa que o reator não precisa ser reabastecido durante a vida útil do submarino cerca de 35 anos: “Portanto, não precisamos de uma indústria doméstica em torno da energia nuclear”, afirmou Dutton.
O Protocolo Adicional da Agência Internacional de Energia Atômica, para acordos de salvaguardas, prevê uma “conclusão mais ampla” sobre a ausência de material ou atividades nucleares não declaradas. Os chamados Protocolos Adicionais ao Acordo de Salvaguardas são instrumentos que ampliam a capacidade da AIEA de inspecionar o programa nuclear dos países para verificar se as obrigações contidas no Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares estão sendo respeitadas pelos signatários.
Como tal, para ser claro e preciso, se a Austrália retivesse da agência as informações e o acesso a seu combustível nuclear naval, a AIEA seria incapaz de fornecer uma conclusão mais ampla para a Austrália sob o seu protocolo adicional. Isso abriria um precedente, segundo a agência, já que por muitos anos o Brasil, por exemplo, tem evitado concluir um protocolo adicional com a AIEA, citando seu programa de pesquisa e desenvolvimento de propulsão nuclear naval. Por sua vez, o Irã alega que um requisito para suas atividades de enriquecimento de urânio é a possibilidade de adquirir submarinos com propulsão nuclear.
A Austrália, Estados Unidos e Reino Unido comunicaram ao Diretor Geral da AIEA, Rafael Grossi, a intenção de que a Marinha Real Australiana quer adquirir uma frota de oito SSNs. Isso significa que, em algum momento futuro, a Austrália invocaria o acordo de salvaguardas para excluir quantidades significativas de urânio altamente enriquecido para combustível nuclear naval. E isto é um sério motivo da preocupação do Conselho de Governadores da agência.
O único procedimento responsável para o Conselho de Governadores da AIEA deve ser alertar a Austrália sobre os efeitos que seriam deletérios sobre as salvaguardas caso ela mantenha grandes quantidades de urânio altamente enriquecido para sua frota de SSNs fora das salvaguardas da AIEA.
Os especialistas da agência acreditam que a aquisição dos submarinos nucleares pela Austrália vai abrir um precedente perigoso com os países sem armas nucleares. E Brasil e Argentina estão nesta lista. Há outros países também escolhendo esse caminho e construindo submarinos com propulsão nuclear, mesmo mantendo combustível nuclear fora do escopo das salvaguardas da AIEA. Isso, acredita-se, enfraqueceria o sistema de verificação da AIEA, que já enfrenta desafios de novas tecnologias e abriria possibilidades de desvio de material nuclear para armas nucleares. Por isso, consideram que equipar a Austrália com SSNs pode representar uma grave ameaça à segurança regional e internacional. E é nisso que o presidente francês está se apoiando para desfazer o negócios com ingleses e americanos e refazer a venda dos doze submarinos convencionais.
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