SINDIGÁS ESTIMA QUE “GÁS DO POVO” PODE REDUZIR EM ATÉ 50% O USO DE LENHA E AUMENTAR CIRCULAÇÃO DE BOTIJÕES DE GLP
O programa “Gás do Povo”, que será lançado amanhã (4) pelo governo federal em Minas Gerais, tem potencial para reduzir entre 30% e 50% o uso de lenha nas residências brasileiras. A estimativa é de Sérgio Bandeira de Mello, presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás). Hoje, a lenha ainda representa cerca de 22% da matriz energética residencial, o que evidencia que a pobreza energética continua sendo um desafio no país. “No fim das contas, o dado mais importante para avaliar um programa de combate à pobreza energética será a redução efetiva do uso de lenha. Esse indicador, no entanto, só poderá ser medido com precisão após dois a quatro anos de implementação”, avaliou. Bandeira de Mello afirmou que a oferta gratuita de GLP prevista no programa pode estimular famílias de baixa renda a substituir a lenha, mas ressaltou que a transição dependerá do engajamento das quase 60 mil revendas no país e da colocação de milhões de novos botijões em circulação. “Eu acredito que é possível que o programa acrescente entre 25 e 30 milhões de botijões por ano. Com isso, será preciso que as empresas coloquem uma quantidade significativa de novos cilindros no sistema. O setor já está se mobilizando para atender a essa demanda”, projetou.
Ao mesmo tempo, o Sindigás acompanha com apreensão as discussões da Agência Nacional do Petróleo (ANP) sobre mudanças regulatórias, como a possibilidade de enchimento de botijões de diferentes marcas e o fracionamento remoto. Para a entidade, essas propostas fragilizariam o atual modelo de segurança e rastreabilidade e abririam espaço para práticas irregulares, com queda na qualidade do serviço e a entrada de “agentes oportunistas” no mercado.
Para começar, qual a avaliação geral do Sindigás em relação ao modelo escolhido para o programa Gás do Povo?
O Sindigás sempre defendeu, em diálogo com o governo, que qualquer programa de combate à pobreza energética precisa ter foco e destinação específica. Programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, devem preservar o livre-arbítrio, permitindo que cada família decida o que é prioridade. Esse é o modelo mais econômico e eficaz. Entretanto, quando o objetivo é substituir uma fonte de energia, é necessário criar um impacto direto. Isso significa que o beneficiário só terá acesso ao recurso ao adquirir a energia escolhida pelo governo para substituir formas precárias, como a lenha.
Além disso, entendemos que o Brasil errou por décadas ao adotar subsídios generalizados, que beneficiavam a todos indiscriminadamente. Essa prática sempre resultou em alto custo fiscal e baixo impacto social. Para exemplificar, se os R$ 5,6 bilhões previstos anualmente para o Gás do Povo fossem divididos pelos cerca de 400 milhões de botijões comercializados por ano no país, o desconto seria de apenas R$ 14 por botijão — valor insuficiente para transformar a vida de famílias vulneráveis. Já o desconto integral, de 100%, previsto no programa, pode de fato gerar impacto social relevante com um custo fiscal reduzido.
Falando um pouco sobre o consumo de lenha, que ainda é muito alto no Brasil, qual a previsão do impacto desse programa na redução desse consumo nas residências?
Atualmente, a lenha representa cerca de 22% da matriz energética residencial, segundo dados da EPE. Esse número, no entanto, precisa ser interpretado com cuidado, já que a energia primária do GLP é aproximadamente dez vezes mais eficiente do que a da lenha. Em outras palavras, com um décimo do volume de GLP é possível substituir a lenha.
Nossa avaliação é que, ao longo do tempo, o programa tem potencial para reduzir entre 30% e 50% do uso de lenha na matriz energética residencial. O benefício de receber a carga de gás gratuitamente tende a incentivar as famílias a optar pelo GLP, uma vez que a lenha é trabalhosa e inconveniente para o dia a dia.
É importante ressaltar que essa transição não ocorrerá de forma imediata. O programa precisará ganhar escala e, paralelamente, será necessário um esforço de conscientização. Muitas pessoas ainda consideram a lenha como uma alternativa gratuita, sem levar em conta o tempo dedicado à coleta e, sobretudo, os impactos negativos à saúde que ela provoca.
Se o programa der certo e houver um aumento de consumo, o setor de GLP enfrentaraá algum desafio logístico? Como vocês estão se preparando?
Há dois aspectos logísticos relevantes. O primeiro é o engajamento das revendas. O Brasil conta com quase 60 mil pontos de revenda, e a adesão ao programa será voluntária. Caberá às distribuidoras trabalhar junto a essas revendas para demonstrar as vantagens da iniciativa e estimular a participação.
O segundo ponto está relacionado ao fornecimento de cilindros. Não identificamos gargalos quanto ao produto em si, ao armazenamento ou ao transporte. Contudo, o botijão é a nossa embalagem, o nosso “pipeline”. Para cada botijão comercializado, é necessário manter de três a quatro unidades em circulação — seja na casa do cliente, na revenda, no caminhão de entrega ou em manutenção.
Atualmente, o mercado vende entre 33 e 35 milhões de botijões por mês, com um total de cerca de 140 milhões de unidades de 13 kg em circulação. Eu acredito que é possível que o programa acrescente entre 25 e 30 milhões de botijões por ano. Com isso, será preciso que as empresas coloquem uma quantidade significativa de novos cilindros no sistema. O setor já está se mobilizando para atender a essa demanda.
Quais serão os principais indicadores que o Sindigás e o setor de GLP vão monitorar para medir o impacto real do programa?
No curtíssimo prazo, o monitoramento se concentrará nas transações: quantos vouchers serão trocados por botijões em cada município e como essa dinâmica evolui mês a mês. Em seguida, deverá ser observado o crescimento nas vendas de GLP, que é o dado mais simples e relevante de acompanhar.
Entretanto, o objetivo de longo prazo não é ampliar a comercialização de GLP, mas sim reduzir o consumo de lenha e carvão na matriz energética residencial. No fim das contas, o dado mais importante para avaliar um programa de combate à pobreza energética será a redução efetiva do uso de lenha. Esse indicador, no entanto, só poderá ser medido com precisão após dois a quatro anos de implementação.
Mudando de assunto, a ANP tem discutido mudanças regulatórias no setor, incluindo a possibilidade de que distribuidoras possam encher botijões de outras empresas. Como o senhor avalia essa medida?
É importante esclarecer que já é permitido o enchimento de botijões de outras marcas, desde que exista contrato entre as partes. O ponto central é a comercialização: uma empresa pode encher o botijão de outra, mas não pode vendê-lo, pois a marca registrada pertence à distribuidora original. O botijão é uma embalagem recirculável, e o consumidor paga apenas pelo gás, não pela embalagem a cada compra.
O sistema baseado em marcas, adotado pelo Brasil e por mercados como Chile, Peru, Colômbia e Península Ibérica, é o que melhor garante rastreabilidade, segurança e investimento contínuo na qualidade dos botijões.
Quando essa lógica é quebrada, como ocorre em mercados como México e Paraguai, perde-se o incentivo econômico para manutenção e segurança, resultando em maior precariedade, fraudes e riscos aos consumidores. São mercados catastróficos. Nesse contexto, as empresas deixam de investir em manutenção, pois não têm garantia de que o vasilhame retornará.
Por isso, o cenário perfeito para que as empresas tenham investimento continuado para oferecer garrafas de excelente qualidade é o ambiente com marca. Não acreditamos que essa proposta de revisão regulatória será implementada. É provável que cheguem à conclusão de que não é viável estabelecer essa regulação.
A ANP também propõe o enchimento fracionado e remoto dos botijões. Essa medida poderia baratear o preço para os consumidores?
A ideia de que vender em frações reduziria o preço é equivocada. No varejo, produtos vendidos em menores quantidades costumam ser mais caros por unidade, o que tornaria a operação ineficiente. Quanto ao enchimento remoto, não há impedimento regulatório para a implantação de plantas desse tipo. Qualquer distribuidora pode fazê-lo, e já existem unidades no país, todas de grande porte. O motivo pelo qual não há pequenas plantas é a falta de viabilidade econômica, já que as maiores, por terem escala, são muito mais competitivas.
Quais riscos o senhor enxerga na combinação entre enchimento remoto, fracionado e a possibilidade de recarga de botijões de diferentes marcas?
Nossa maior preocupação é que essa combinação abra espaço para agentes oportunistas no mercado. Sem capacidade de competir em escala, eles poderiam descumprir normas de segurança e qualidade. Em países onde isso ocorreu, verificou-se aumento de fraudes na quantidade e na qualidade do gás, além de maior risco de envolvimento com o crime organizado. Não somos contrários à entrada de novos agentes, mas consideramos essencial manter critérios rigorosos para assegurar a qualidade do serviço e a segurança da sociedade.
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