VIABILIZAR O GÁS DO PRÉ-SAL REDUZIRIA DE 80% PARA 30% A DEPENDÊNCIA BRASILEIRA DE FERTILIZANTES DO EXTERIOR, DIZ ABIQUIM
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
A generosidade da natureza com o Brasil não garantiu apenas uma coleção de paisagens deslumbrantes, mas também um vasto acervo de recursos que garantem muita segurança. Infelizmente, muitas dessas riquezas ainda estão inexploradas por falta de condições estruturantes. O caso do gás natural do pré-sal é um exemplo emblemático. O Brasil ainda importa esse energético para geração de energia, ao mesmo tempo que reinjeta milhões e mais milhões de metros cúbicos por falta de gasodutos de escoamento. Diante desse quadro, a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) tem levantado a bandeira de que o país precisa viabilizar esse gás do pré-sal, porque isso permitiria novos investimentos em outro setor fundamental para a nossa economia – o de fertilizantes. “Eu diria que o que temos em mãos para diminuir a dependência do fertilizante importado, basicamente, seria o aproveitamento do gás do pré-sal para produzir amônia e ureia. Isso já diminuiria a dependência de 80% para 30%”, projetou a diretora de Economia e Estatística da Abiquim, Fátima Giovanna Ferreira. O gás, como se sabe, é um insumo necessário para a produção de fertilizantes. Em entrevista ao Petronotícias, a economista falou sobre a dependência do Brasil em relação aos intermediários químicos para fertilizantes e projetou que o país poderia ter entre três e quatro fábricas de ureia, por exemplo, levando em conta a atual demanda. Fátima contou ainda que o saldo negativo com a importação de intermediários para fertilizantes no ano passado ficou em US$ 13 bilhões. Para eliminar esse déficit, o Brasil poderia receber algo como US$ 15 bilhões em investimentos. “Demanda temos para isso. Mas, para fazer esse investimento, precisamos ter gás”, alertou.
Poderia começar nossa entrevista traçando um panorama dos intermediários químicos para fertilizantes usados no Brasil?
Dentro da categoria da indústria química, temos um grupo chamado de intermediários para fertilizantes. Nessa categoria, estão enquadrados todos os produtos que são produzidos e/ou importados para abastecer a produção de fertilizantes. Como se sabe, o fertilizante final é, na verdade, uma mistura de vários componentes – nitrogenado, potássico e fosfatado. O que geralmente é usado na agricultura são as misturas de NPK (sigla que faz referência às letras usadas para designar o nitrogênio, o fósforo e o potássio na tabela periódica).
Hoje, no Brasil, temos uma parte de produção de nitrogenados e uma outra parte de fosfatados. A produção desses produtos, especialmente os nitrogenados, demanda o uso de gás natural. Então, para fazer a amônia e a ureia, a indústria precisa do metano encontrado no gás natural. No passado, o Brasil quase foi autossuficiente na produção desses nitrogenados. Ao longo dos anos, especialmente nas últimas décadas, o país foi perdendo competitividade no gás – que subiu muito de preço. Assim, novos investimentos em produção de amônia e ureia deixaram de ser realizados. Acontece que, ao mesmo tempo, o desempenho da nossa agricultura atingiu patamares excepcionais.
Logo, a consequência direta disso foi o aumento das importações de intermediários, correto?
Exatamente. A demanda por produtos dessa categoria de intermediários para fertilizantes cresceu muito no Brasil. Mas, infelizmente a produção desses intermediários não acompanhou o crescimento dessa demanda. Assim, percebemos um aumento expressivo da demanda, porém cada vez mais atendida pela parcela de importações.
Poderia relembrar aos leitores quais são as unidades que atualmente estão fabricando esses produtos no Brasil? E quantas novas fábricas o país deveria construir para suprir a demanda atual?
Falando sobre ureia, temos duas fábricas no Brasil. Uma delas na Bahia, com 500 mil toneladas de capacidade, e outra em Sergipe, com 700 mil toneladas. São as duas unidades que foram arrendadas pela Petrobrás para a Unigel. Ainda assim, estamos falando de 1,2 milhão de toneladas, quando o Brasil importa 7 milhões de toneladas. Já no caso da amônia, além das fábricas de Bahia e Sergipe, da Unigel, temos ainda a Yara, que é um grupo norueguês que dispõe de uma planta em Cubatão (SP).
Existe uma terceira fábrica, que está hibernada, no Paraná. Essa unidade ainda pertence à Petrobrás e não foi arrendada. Há ainda a UFN III, em Três Lagoas (MS), cuja construção não está concluída. Há uma tentativa de venda dessa planta [para o grupo russo Acron], mas não sabemos como vai ficar essa questão diante da situação entre a Ucrânia e Rússia.
Hoje, uma parcela de 80% da demanda de ureia no Brasil é atendida por importações. Em 2021, o Brasil importou 7,8 milhões de toneladas de ureia. Levando em conta esse volume, é possível afirmar que o Brasil poderia ter três ou quatro fábricas de ureia e amônia em funcionamento. Infelizmente, essas fábricas não foram realizadas por causa da falta de competitividade do gás natural. Então, olhando para os nitrogenados, amônia e ureia, o Brasil é praticamente dependente das importações.
E quanto ao potássio?
O país tem uma produção de cloreto de potássio, que deriva de minério de potássio. Só que a produção atual é insuficiente para atender a demanda. O Brasil tem uma reserva enorme de potássio, mas que está localizada em região de difícil acesso e com dificuldade de obtenção das licenças ambientais.
Ao seu ver, qual seria o grande passo para reduzir nossa dependência das importações?
Eu diria que o que temos em mãos para diminuir a dependência do fertilizante importado, basicamente, seria o aproveitamento do gás do pré-sal para produzir amônia e ureia. Isso já diminuiria a dependência de 80% para 30%. No entanto, falta infraestrutura de escoamento desse gás.
No ano passado, importamos 40 milhões de m³ de gás por dia, principalmente para atender demanda de termelétricas. O preço da nossa energia foi às alturas, porque junto com esse aumento de importações de gás, houve um período de alta dos preços internacionais do gás natural. Enquanto isso, no nosso pré-sal, tivemos uma produção que seria suficiente para atender toda a demanda brasileira e ainda sobraria para exportação. A reinjeção de gás no ano passado no Brasil foi de 62 milhões de metros cúbicos por dia, maior do que a nossa importação. Então, precisamos resolver essa questão da infraestrutura de escoamento.
Quais são as principais importações brasileiras de intermediários para fertilizantes?
O Brasil importa ácido fosfórico, ureia, cloreto de potássio, amônia, nitrato de amônio e fosfato de diamônio. Como não existe amônia suficiente, o país também usa alguns de seus derivados. Além disso, também importamos ácido sulfúrico, que é outro intermediário para o fertilizante cuja demanda cresceu no Brasil.
Como avalia o Plano Nacional de Fertilizantes, lançado recentemente pelo governo?
De forma muito positiva. O Brasil carece de programas de governo que olhem para o longo prazo. Pelo o que eu vi, esse programa tem um olhar para o horizonte até 2050. Então, vemos com muito bons olhos. O Brasil carece de políticas industriais e de Estado. Todos os pontos que estão no programa são muito importantes.
Mas, na nossa visão, ainda falta a solução relacionada à questão do gás. A Abiquim vai continuar trabalhando para que o país consiga viabilizar esse volume de gás do pré-sal, para sermos menos dependentes de produtos importados em cadeias estratégicas.
Atualmente, podemos dizer que quase 50% de toda a demanda por produtos químicos no Brasil é suprida por importações. É um absurdo que um setor estratégico que está na base de todas as cadeias industriais esteja perdendo participação e relevância na economia brasileira.
Além da questão do gás natural, que outros gargalos precisam ser superados?
Para a indústria química, matéria-prima e energia são os dois pontos principais que vão direcionar investimentos. Vamos supor que todos os países tenham uma carga tributária igual, infraestrutura competitiva e outras condições em pé de igualdade. Quem iria atrair investimento na química seriam as nações com disponibilidade de matéria-prima e energia competitiva. Se o Brasil conseguir resolver essa questão, o país dará um passo enorme, gigante, para atrair investimento em química. Mas isso não é suficiente para dar competitividade.
Nós também precisamos de uma reforma tributária, que reduza o peso do governo na indústria química, até porque somos um setor intensivo em capital. O outro ponto é a infraestrutura – escoamento de rodovias, cabotagem, portos, ferrovias. Eu acho que precisamos dar um salto quantitativo e qualitativo na questão da logística. Outro ponto fundamental é relacionado à parte de investimento e inovação. Precisamos ter mais mecanismos de estímulo à inovação. A indústria química é tipicamente conhecida pelos investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
Quanto o Brasil importa de intermediários químicos para fertilizantes?
De janeiro a dezembro de 2021, o país importou 13,2 bilhões de dólares e exportou 90 milhões de dólares. Ou seja, nosso déficit em valor foi de 13 bilhões de dólares. Esse valor representa um crescimento de 83,5%, quando comparado com o déficit de 7,2 bilhões de dólares registrado entre janeiro e dezembro de 2020. Em volume, importamos 37 milhões de toneladas e exportamos 150 mil toneladas em 2021 – crescimento de 18% em relação ao ano passado.
Geralmente, na indústria química, tem um coeficiente 1,2 vezes o valor da receita para um investimento anual. Assim, poderíamos estimar que o Brasil poderia investir algo como 15 bilhões de dólares para eliminar esse déficit. Demanda tem para isso. Mas para fazer esse investimento, precisamos ter gás. Porque ninguém vai investir se não tiver matéria-prima.
Ate
eu sei, ja comentei alguma vez no Petronoticias, parabens para a Sra que finalmente percebeu a contradicao de desperdicar gas e importar amonia que e
produzida a partir da sintese do gas.A cegueira da politica e da empreendedoria brasileiras sao fenomenais, decadas de imobilismo para um dia acordar querendo as terras indigenas.
Caro colega acima esquece que o ambiente de negócios tem infinitos problemas, não há incentivo para investimento. Graças ao plano de fertilizantes estamos criando um ambiente propício para produzir mais produtos no país.
A entrevista é elucidativa. Isso sem contar com os maiores volumes do Brasil em sais, os do pré-sal, prontos para serem produzidos e nas cavernas criadas pelas suas dissoluções podem ser armazenados o CO2 abundante, além de se produzir, dos reservatórios, o gás também abundante e transportá-lo, junto com os sais para dutos já deles separados os sais descartáveis, jogando-os na imensidão do mar. A viabilidade do projeto deve e tem que ser modelada num projeto integrado, que, se não me engano, a Shell já elabora no Brasil. Certamente os excelentes técnicos da Petrobras, mesmo com limitações de verbas, devem… Read more »