WESTINGHOUSE PLANEJA TRAZER NOVO MODELO DE USINA NUCLEAR PARA O BRASIL | Petronotícias




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WESTINGHOUSE PLANEJA TRAZER NOVO MODELO DE USINA NUCLEAR PARA O BRASIL

Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) – 

Carlos LeipnerCom 23 anos de carreira na área de energia nuclear, o brasileiro Carlos Leipner está há dois anos ocupando o cargo de vice-presidente da Westinghouse para a América Latina e vê boas oportunidades no continente. O Brasil é um dos destaques nos planos da empresa, que já tem décadas de presença por aqui, desde sua participação na construção de Angra I. A companhia americana, que hoje tem o capital controlado pela japonesa Toshiba e faturamento anual de cerca de US$ 5 bilhões, se aliou ao INB e outros parceiros para desenvolver um novo tipo de combustível para Angra I, chamado 16 NGF, que já está em operação parcial na usina e deve ser ampliado no ano que vem. Além disso, a empresa vem apresentando pelo mundo seu novo modelo de usina nuclear, o AP1000, com inovações em termos de segurança e capacidade de 1.100 MW. Já são quatro unidades do tipo em construção nos EUA e quatro na China, onde fecharam contrato para mais oito. Leipner considera que o reator pode ser uma opção interessante para o Brasil, por ter uma estrutura simplificada, um alto nível de segurança e já trazer experiências concretas de outros países. O executivo destaca ainda que a construção em módulos pode gerar um desenvolvimento regional maior e estima um índice de participação de fornecedores locais de no mínimo 50%. A empresa vem trabalhando conjuntamente com a ABDAN para incentivar o avanço do projeto de geração nuclear no Brasil e planeja trazer o novo modelo de usina para o país, caso seja escolhida para a construção de novas unidades previstas no planejamento energético nacional.

Qual a importância do mercado brasileiro para a Westinghouse?

A Westinghouse tem um histórico de longo prazo no Brasil, começando com a construção de Angra I, na década de 70, então o país é um mercado muito importante para a empresa. Não só a parte de serviços para a Eletronuclear em Angra I, que fazemos há tempos, e Angra II, em que estamos começando a trabalhar, mas também na parte de combustível. Temos uma parceria muito forte, de longo prazo, com a INB.

Como é essa parceria?

Começou entre 1997 e 1998, quando o núcleo de Angra I foi totalmente reposto. Parte desse programa foi transferir tecnologia do combustível da Westinghouse para a INB, porque até então eles tinham outra fonte, pelo convênio que tinham com a Alemanha. Então transferimos tecnologia de todos os desenhos, procedimentos e especificações para fabricar o combustível nuclear para Angra I, e hoje eles fabricam todo o combustível para a usina, de acordo com as especificações da Westinghouse.

Mas vocês mantêm a parceria?

Sim. Hoje em dia fazemos o fornecimento de componentes e de assistência técnica, não só de engenharia, mas também de fabricação. Tambem qualificamos engenheiros da INB para executar projetos para a Westinghouse.

Vocês têm algum projeto novo com a INB?

A Westinghouse teve a iniciativa, junto com a INB e outros parceiros, de desenvolver o combustível da próxima geração para Angra I. Isso foi desenvolvido de maneira colaborativa. As equipes passaram dois anos nos EUA, junto com a Westinghouse, trabalhando nesse projeto, que chamamos agora 16 NGF – Next Generation Fuel (Combustível de próxima geração). O 16 se refere ao combustível de Angra I, cuja configuração é de uma matriz de 16 varetas por 16 varetas.

Qual a função dessa mudança?

É de poder dar à Angra I uma flexibilidade de operação maior do que já existe. O combustível, quando é desenhado, é desenvolvido com certa margem de segurança, e as novas tecnologias, de material, de desenho do combustível etc, tiveram muitas melhorias nos últimos anos, que o projeto de Angra I não tinha desenvolvido.

Ele já foi fabricado?

Já. Existem quatro elementos dentro de Angra I em operação, mas é no ano que vem que vai entrar um número significativo de elementos dentro do reator. O processo é gradual. Porque normalmente o reator opera de 12 a 14 meses, faz uma parada para manutenção, e um terço do núcleo é reposto. Eles permanecem ali por três ciclos.

Na prática, qual será o benefício com essa mudança?

Será em termos de flexibilidade operacional. A maneira pela qual podem operar o reator; abaixar ou aumentar a potência, a faixa de temperatura com que podem operar… tudo isso era um pouco mais restrito com o combustível original. O NGF vai dar a possibilidade de operarem com um envelope operacional um pouquinho maior, que dá ganhos de produtividade. A usina já tem tido resultados muito bons nos últimos três, quatro anos. Em 2012, foi um dos recordes de produção e de fator de capacidade no mundo, então ela está muito bem posicionada. O 16 NGF aumenta a possibilidade de melhorar ainda mais isso.

Qual a importância da energia nuclear para o mercado energético brasileiro?

A gente vê, no mundo todo, a preocupação com a situação climática, com a redução de emissões, e a energia nuclear pode contribuir de uma maneira muito positiva. Nos EUA, por exemplo, existem 104 unidades em operação, que representam 20% da matriz do país. Ao mesmo tempo, esses 20% representam 75% de toda a energia limpa gerada no país. Então é um impacto muito positivo nesse caminho. O Brasil se destaca nesse sentido porque tem uma base hídrica muito grande, mas a gente percebe como o país tem tido dificuldade em satisfazer as demandas energéticas somente com essa base. Então a solução nuclear poderia ajudar exatamente a melhorar essa geração de base, para deixá-la não só mais confiável, como também para servir de fundação para as renováveis poderem ser até mais utilizadas.

Qual seria o tamanho ideal da participação nuclear nesse alicerce?

O programa de energia até 2035 se refere à construção de quatro a oito usinas. A gente acredita que é um objetivo realístico, mas que pode ser atingido até mais agressivamente. Então vemos isso como um aspecto positivo e esperamos um posicionamento mais tangível, para que possamos começar a trabalhar aqui para implantar esses projetos.

Quais são os principais projetos da Westinghouse hoje?

Temos uma série de novas unidades sendo construídas pelo mundo. Estamos construindo, por exemplo, quatro novas centrais do reator AP1000 nos Estados Unidos, além de uma quinta central de segunda geração, no Tennessee, que havia sido um processo suspendido lá trás e foi retomado há pouco tempo. Este não é de AP1000. Também há outros quatro projetos AP1000 em construção na China, onde já negociamos contrato para mais oito. Então, até meados do ano que vem, já teremos 12 usinas em construção e alguma já até em operação lá.

Quais as diferenças do AP1000 para outros reatores?

Existem mais de 430 reatores em operação no mundo hoje e caracterizamos eles como de segunda geração. O AP1000, assim como outros que estão sendo desenvolvidos atualmente, são de terceira geração. Os de geração 2 atingem o nível de segurança de acordo com as especificações dos órgãos reguladores, mas os de geração 3 buscam aumentar o nível de segurança ainda mais.

Vocês chamam o AP1000 de geração 3+. O que significa esse +?

Existem alguns designs considerados de terceira geração e o que diferencia o 3+, como denominamos os nosso, são as formas de atingir esse maior nível de segurança. É onde entra a parte de segurança passiva (AP significa Advanced Passive, em referência a esse avanço da segurança passiva). Existem diversas filosofias, sendo que uma delas é adicionar sistemas de redundância para aumentar o nível de segurança, com mais bombas de refrigeração, mais válvulas etc. O que faz sentido, mas também tem como consequência o aumento de custos e da complexidade de construção e operação. A filosofia que a Westinghouse desenvolveu foi um pouco diferente. O AP1000 atinge o maior nível de segurança por simplificação. É exatamente o oposto. Menos válvulas, menos bombas de refrigeração, mas tendo em consideração as leis básicas de física, usando conceitos simples, como a gravidade, a circulação natural, condensação, evaporação, etc. Assim atingimos o maior nível de segurança e simplificamos a estrutura, gerando ganhos no tempo de construção, na operação e nos custos.

Quando entra em operação o primeiro reator AP1000?

O primeiro vai entrar em operação em Sanmen, na China, no final desse ano ou no início do ano que vem. É um sítio onde há a previsão de seis AP1000. Estão sendo construídas as unidades um e dois agora. A sala de controle já foi entregue para a operadora.

O AP1000 é feito em módulos. Que ganhos isso traz?

O sistema modular não é um conceito novo, mas no setor nuclear é a primeira vez que isso é feito. É um modelo que facilita não só a construção, mas também a qualidade, porque eles são feitos em fábricas dedicadas a esses tipos de equipamentos. Toda a inspeção é feita dedicada, fora do campo de obra, e depois o módulo é transportado para o sítio, onde é montado. A experiência na China tem sido fantástica. A primeira central vai sair entre cinco anos e meio e seis anos. Os outros já estão mais rápidos. Então a expectativa é chegar a bem menos do que cinco anos.

Caso vocês venham a construir novas usinas aqui, o que poderia ser feito localmente?

Destes mais de 430 reatores do mundo, cerca de 50% deles, mesmo que não construídos pela Westinghouse, têm a tecnologia da empresa. Porque ela tem a filosofia de fazer localmente o máximo possível. Em alguns casos até transferir a tecnologia, como é o caso da China atualmente. No passado fizemos isso com Japão, Coreia e França, por exemplo. Então nossa estratégia no Brasil vai ser diferenciada, porque temos a intenção de ter o máximo de conteúdo local possível, porque já temos um bom conhecimento da rede de fornecedores aqui e sabemos que o país estaria preparado para servir como nosso parceiro nisso, com um conteúdo local alto.

Tem alguma estimativa de qual percentual poderia ser atingido?

Ainda não temos os detalhes disso, mas seguramente seria superior a 50%.

Qual seria o impacto da construção de uma dessas unidades na economia local?

Nos Estados Unidos, cada projeto gera entre 3,5 mil e 5 mil empregos diretos. E depois, na operação, até 800 pessoas. Se for contar os empregos indiretos, esse número dá um grande salto. Nos EUA, há um apoio enorme da comunidade local, porque eles percebem os benefícios gerados pelos investimentos. Por exemplo, na Geórgia, só de impostos, gerou um benefício de mais de US$ 20 milhões no ano passado. Alguns estudos demonstram que nos estados da Carolina do Norte e Sul, as centrais nucleares geram aproximadamente US$ 20 bilhões de benefícios econômicos por ano na região.

Existiria o interesse em uma parceria com o Brasil que incluísse a transferência tecnológica? Em que cenário?

Temos vários tipos de parcerias comerciais. Depende do que o Brasil pretende fazer. A China tem uma estratégia muito ambiciosa na área de energia nuclear. Aqui temos uma expectativa de quatro a oito reatores nos próximos 20 anos. Se chegarmos próximos aos oito, talvez 10, o modelo de transferência de tecnologia poderia ser muito interessante para o Brasil. De dois a quatro, seria um desafio maior. Estamos preparados para investir em tecnologia, na cadeia de fornecedores, em qualificação e tudo mais.

Vocês têm projetos voltados à qualificação?

Temos em outros países, mas poderíamos aplicá-los aqui. Vemos que há muitos jovens e muitos profissionais já com muita experiência, então há uma necessidade de desenvolver o pessoal novo, qualificar e especializar.

Vocês têm parcerias com universidades aqui?

Temos. Uma que estamos formando é com a Coppe. A UFRJ tem um programa, há dois anos, de graduação em engenharia nuclear, e estamos trabalhando com eles para levar alguns alunos aos EUA e fazerem estágios na Westinghouse. Temos três estudantes que já estão lá. Eles fazem parte do programa Ciência sem Fronteiras, e vão fazer o estágio na Westinghouse entre maio e agosto. Temos também algumas conversas com a Universidade de Pernambuco e queremos interagir com a USP.

Quais são as diferenças na regulamentação dos EUA para cá e o que poderia ser trazido?

Nos EUA, esses 104 reatores de segunda geração foram construídos e licenciados de acordo com um processo que exigia primeiro uma licença de construção e depois outra de operação, chamada 10 CFE Part 50. Isso gerou muitos problemas, porque criava um risco muito grande entre a construção e o início da operação. Então, no fim da década de 80, quiseram otimizar isso, e criaram o novo processo, chamado 10 CFE Part 52, em que a empresa decide construir um reator e tem que obter as duas coisas antes. É uma licença combinada de construção e operação. Isso facilitou muito nos EUA.

Como a empresa vê os próximos anos no Brasil?

O enfoque da Westinghouse para 2014/2015 no Brasil é baseado em duas áreas muito importantes. Em primeiro lugar, o apoio que continuamos a dar à Eletronuclear para a operação segura de Angra I e Angra II, na parte de engenharia, de serviços, manutenções e inspeções. E em segundo lugar vem a visão mais de longo prazo, de como posicionar a empresa e o AP1000 para participar do programa nuclear aqui no Brasil. Embora o ano de 2014 tenha vários desafios políticos, por ser um ano de eleições, esperamos que possa se progredir em várias áreas, como análise, escolha de sítios, e talvez na seleção de tecnologias. É nisso que estamos nos focando. Vemos muitas oportunidades aqui.

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