KPMG VÊ CENÁRIO DELICADO PARA A CADEIA DE O&G DIANTE DA CRISE DA DEMANDA DE PETRÓLEO
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
O choque na demanda mundial de petróleo causada pela pandemia do coronavírus colocou um desafio e tanto diante da cadeia nacional de óleo e gás. A situação é delicada e o impacto nestas empresas será forte, conforme avalia o sócio da KPMG líder do setor de Energia e Recursos Naturais na América Latina, Manuel Fernandes. “O momento hoje é complexo. É um momento onde as empresas precisam, de certa forma, se organizar e conversar com seus fornecedores para encontrar soluções que possam ajudar a atravessar esta fase”, afirmou. O entrevistado acredita que o caminho para tentar driblar as dificuldades é “buscar alternativas de redução de custos e proteção de caixa para aguardar a volta do mercado”. Fernandes também considera que, apesar do momento de baixa no preço do barril, os projetos do pré-sal devem continuar, já que o custo de extração de óleo na área é baixo. Ele também avalia que os desinvestimentos da Petrobrás e os investimentos das petroleiras estrangeiras no Brasil vão prosseguir, mesmo com algumas postergações.
Quais serão os impactos da redução de investimentos pelas operadoras na cadeia de fornecedores do mercado de óleo e gás?
O impacto é muito forte. Todas essas empresas operadoras de óleo e gás contratam muitos provedores de serviços. É uma cadeia de fornecimento muito ampla. O principal operador do Brasil, que é a Petrobrás, certamente deve ter chamado seus fornecedores para rever contratos. É algo normal quando acontece uma queda de preços e demanda como a que está sendo vista hoje. Aquilo que já estava contratado, está contratado. Mesmo assim, haverá revisão de contratos. E aquilo que não foi contratato sofrerá adiamento.
Este setor precisa de previsibilidade. Por isso foi muito importante a volta dos leilões, porque dão previsibilidade sobre as ordens de compras. O momento hoje é complexo. É um momento onde as empresas precisam, de certa forma, se organizar e conversar com seus fornecedores para encontrar soluções que possam ajudar a atravessar esta fase. O risco é de se ver empresas fechando, principalmente as menores. É um momento delicado.
Como as empresas da cadeia de O&G devem agir para atravessar este momento difícil?
As empresas globais têm um poder maior de resistência. Mas mesmo no mercado brasileiro, as empresas menores têm mostrado bastante resiliência, buscando revisão de custos, verificando opções de financiamento e protegendo caixa. É claro que, como eu disse, este é um mercado cíclico. Temos altos e vales. Justamente agora, quando estávamos saindo do vale anterior e tendo vários leilões e novas empresas entrando no país, veio a questão da queda da demanda e a disputa entre os países produtores.
Esta cadeia de fornecedores precisa encontrar resiliência, apoiada nas negociações que já existem. É preciso buscar alternativa de redução de custos e proteção de caixa para aguardar a volta do mercado.
Como o senhor enxerga o futuro dos grandes projetos do pré-sal diante do atual cenário de baixo preço do barril?
Esta questão do preço do barril tem uma volatilidade enorme. Então, o preço é uma questão complexa. E ainda há questões sobre quando a demanda voltará ou se retornará rápido e no mesmo nível. Hoje, temos o excesso de oferta e a demanda em queda. Isso faz com que países que têm produção e custos mais interessantes tenham uma vantagem competitiva.
Neste sentido, o pré-sal, por tudo o que tem sido anunciado, tem um custo de produção muito baixo e um óleo de altíssima qualidade. Isso faz com que o Brasil se posicione de uma forma estratégica muito relevante perante os seus concorrentes produtores de petróleo.
Na semana passada, o presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, deu uma declaração de que a empresa está preparada para um preço de petróleo de US$ 15. O custo de produção, pelo que foi anunciado, está em torno de US$ 6. Então, independente da queda de demanda pontual, tem vantagem aqueles países que possuem uma condição de produzir a custos em que os preços atuais sejam favoráveis. Eu vejo o pré-sal nesse grupo.
Quais suas expectativas em relação ao futuro do preço do barril de petróleo? Acredita que se estabilizará de novo no patamar de US$ 50?
A minha base para fazer essa avaliação é muito em relação ao que os grandes operadores divulgam. Essa é uma equação complicada por causa da questão da demanda.
Para mim, não acho que o preço chegará ao que vimos antes da crise. Existem outras questões em volta disso que farão com que o preço fique mais baixo. Já falamos do excesso de oferta. Mas tem ainda a questão de investimento em renováveis, que compete com óleo e gás. A participação do óleo continuará sendo importante, mas já começamos a ver muita oferta a partir de eólica e solar.
Este tema de renováveis no centro da equação também é bastante importante e não vai desaparecer do horizonte. Muitas empresas estão comprometidas com este ambiente de renováveis. Existe ainda uma série de investidores dos fundos de pensão internacionais que não investem em empresas que não estão comprometidas com este tema. Há também os bancos que não emprestam senão para projetos sustentáveis.
De certa forma, se a demanda voltar forte, pode ajudar o preço a subir um pouco. Mas acho que nos patamares anteriores eu não vejo isso chegando. Acho que essa crise ainda é desconhecida do ponto de vista de duração. Mas me parece, pelo que estamos percebendo, que o preço não deve voltar ao que era antes da crise.
Que novas tendências devem surgir para o setor de óleo e gás depois desta crise?
O tema da automação e da digitalização se torna mais relevante quando as empresas buscam reduzir custos e aumentar a eficiência. Então, certamente as empresas vão continuar com isso. Em geral, você vê como a economia depende do digital. Quem não tem um canal de e-commerce está passando por muitas dificuldades, por exemplo. Este é um tema que continuará forte. Além disso, o tema de sustentabilidade não tem volta. A sociedade demanda isso. Os governos demandam isso também.
Então, o que eu vejo no pós-crise é muito na linha de retomada das atividades com o objetivo de foco no melhor para a sociedade. Grandes petroleiras anunciaram que vão zerar a emissão de carbono até 2040. O que eu vejo é que este tema de sustentabilidade é um tema muito relevante. Até porque, mais adiante, você verá a sociedade querendo consumir produtos sustentáveis. Tudo isso pressiona muito. O consumidor ditará o ritmo. Estas empresas precisam perceber isso e buscar alternativas para manter a sobrevivência do negócio e atender o consumidor ao mesmo tempo.
Por fim, poderia avaliar o impacto da crise no programa de desinvestimento da Petrobrás e no interesse das petroleiras internacionais pelo Brasil?
Neste momento, alguns destes processos são postergados. Tanto os de desinvestimento quanto os de operações das empresas estrangeiras. Mas não acho que isso seja definitivo. Obviamente, avaliar quando tudo vai voltar [ao normal] é um exercício difícil de prever. São muitas incertezas. Mas pelo menos temos visto a China voltando, a Europa voltando e já se falar em voltar no Brasil e nos Estados Unidos. Acho que será uma volta lenta. A volta da economia será um pouco mais longa.
Os processos de desinvestimentos serão retomados. É claro que os potenciais interessados começam a precificar diferente neste momento. Por outro lado, o dólar está a quase R$ 6, o que torna os bons ativos do Brasil mais atraentes. Não acho que a crise afetará de forma significativa os processos.
Em relação às operadoras, cada uma tem seus compromissos. Inclusive, quando se compra um campo de petróleo, existem os Programas Exploratórios Mínimos (PEM), com prazos firmados. Mas, como falei antes, o custo de extração e a qualidade do óleo do pré-sal compensam os investimentos quando você pensa em uma linha de médio e longo prazo.
Obrigado
Pelo excelente texto
Uma ótima visão sobre o cenário mundial
Marcelo Fernandes