FGV LANÇA CADERNO DE ENERGIA NUCLEAR E DEFENDE NOVOS MODELOS DE NEGÓCIO PARA O SETOR
Por Luigi Mazza (luigi@petronoticias.com.br) –
Paralisada hoje em meio à dificuldade de concretizar projetos no mercado brasileiro, a indústria nuclear segue viva como promessa para as próximas décadas no país. A estabilidade de seu ciclo produtivo, a produção em larga escala e as operações pouco nocivas ao meio ambiente impulsionam o interesse de investimentos em usinas, mas o momento ainda é de superar obstáculos e firmar as bases do setor para uma expansão na matriz energética. Com esse foco, a FGV lança nesta quarta-feira (27) seu novo Caderno de Energia Nuclear, que congrega estudos do segmento e análises de mercado para traçar o caminho a ser seguido pela indústria nacional, abordando questões como regulamentação e a participação de investidores privados em projetos do setor. De acordo com o coordenador de P&D do Centro de Estudos de Energia da FGV, Felipe Gonçalves, existe hoje a necessidade de serem desenvolvidos novos modelos de negócio que abarquem o financiamento de empresas privadas, sem que o governo abra mão, no entanto, da operação das usinas. Com a alteração do monopólio previsto na Constituição para projetos nucleares, uma nova regulação pode vir a destravar investimentos que concretizem os planos de expandir a carteira nacional de plantas até 2030. A chegada de novas companhias, no entanto, não deve abranger as obras de Angra 3, segundo Gonçalves, apesar de especulações recentes quanto à participação de investidores internacionais em um novo modelo de licitação. “Isso só poderia ser alterado por meio de uma nova interrupção para fazer a revisão do projeto, o que traria um prejuízo econômico muito grande pelo atraso de obras e de fluxo financeiro. Seriam mais perdas do que benefícios.”
Qual é o foco do novo caderno de energia nuclear?
Neste trabalho, a FGV busca investigar todas as oportunidades de expansão energética da matriz, e nós entendemos que a energia nuclear é uma fonte que deve ser avaliada de uma forma mais técnica. É preciso investigar tanto pelo viés da sustentabilidade ambiental quanto da econômica. No caderno, buscamos avaliar as oportunidades e os desafios para a inserção da energia nuclear na matriz energética brasileira.
Como são avaliadas as oportunidades do setor hoje?
A energia nuclear tem uma série de características técnicas que permitem trazer segurança à matriz, e é uma energia que pode ser trabalhada de forma contínua, sem depender de ciclos mundiais, como é o caso do gás natural. Com ela, podemos trazer uma complementaridade à matriz, que hoje é dependente de hidrelétricas e tem planejamento focado em renováveis. Ela seria uma das opções para avaliarmos isso, porque dominamos o ciclo e temos uma reserva muito grande de urânio. Além disso, a questão das emissões também é importante, e a energia nuclear é considerada uma fonte limpa, desde que tratada de forma adequada. Por todos esses aspectos, incluindo o fato da energia nuclear ficar mais próxima do centro de carga, demandando menos logística, ela deve ser avaliada como uma opção para o país.
E quais são hoje os principais desafios para o desenvolvimento dessa indústria?
O primeiro deles é que os projetos nucleares dependem de um grande nível de investimento, na casa dos R$ 7 bilhões aos R$ 10 bilhões, e dependem de um cronograma muito bem controlado. A cada atraso que se tem, você onera o projeto com custo de financiamento. Sem uma regulação bem definida, você fica sujeito a intervenções no âmbito regulatório, traz um risco muito elevado aos projetos e tem dificuldade de financiar. Isso fez com que o setor tenha sido desenvolvido com investimento estatal. Hoje, porém, o governo está sobrecarregado, e a tendência é que isso abra para a iniciativa privada auxiliar. No caso do setor nuclear, a Constituição bloqueia a participação de empresas privadas em usinas, então um dos desafios que trazemos são modelos de negócios capazes de fazer com que projetos possam ser financiados pela iniciativa privada. Mas sem abrir mão da operação, que deve ser mantida como monopólio da União.
Que outras mudanças podem ser feitas?
Nós precisamos de uma agência de regulação mais específica. Hoje, todo fomento à pesquisa é feito pela CNEN, mas internacionalmente essas atividades estão separadas das funções de operação e regulação. Os principais desafios hoje são fazer uma revisão regulatória para criar estabilidade e um modelo institucional que permita a participação da iniciativa privada. Também é preciso que tenhamos um normativo brasileiro para trazermos as tecnologias mais recentes com normas específicas de construção, porque é preciso revisar alguns pontos de segurança nas usinas de Angra 1, 2 e 3. São todas questões que precisam ser encaradas antes de darmos início a uma retomada do setor.
O senhor avalia que existe hoje um posicionamento favorável do governo nesse sentido?
O que observamos em relação ao governo é que há uma nova visão sobre a expansão da energia nuclear, com a previsão do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) de trazer novas usinas nos próximos 30 anos. Existe essa sinalização pela retomada, mas não adianta nos atermos a ideia de que será financiado pelo Estado. Precisamos de um ambiente que favoreça a entrada da iniciativa privada, estabelecendo o papel dela como fomentadora e permitindo que se mantenha a segurança na operação. Temos uma das usinas mais bem operadas do mundo, que é Angra 2, então acho que não podemos abrir mão dessa nossa capacidade.
Acha que essas mudanças podem ser aplicadas à usina de Angra 3?
A usina de Angra 3 é um projeto em andamento que está sendo gerido pela Eletronuclear, e uma mudança ainda envolveria o desafio regulatório do monopólio na Constituição. Isso só poderia ser alterado por meio de uma nova interrupção para fazer a revisão do projeto, o que traria um prejuízo econômico muito grande pelo atraso de obras e de fluxo financeiro. Seriam mais perdas do que benefícios.
Recentemente houve especulações sobre uma possível entrada de investidores estrangeiros no projeto. Como avalia que isso seria feito?
É possível, mas seria necessário definir o papel desses investidores e como seria garantida a remuneração deles, sem que estivessem envolvidos na operação das usinas. A não ser que se promova uma mudança na Constituição, mas esses prazos não podem nos trazer mais prejuízos. É preciso ver quais são os impactos financeiros para fazer esses arranjos, isso tem que estar na conta. Se fizer a ponderação, acho que vai ser uma solução sem visão abrangente.
Então avalia que não é viável a entrada da iniciativa privada em Angra 3?
Não posso dizer se é viável ou não, mas é necessário levar em consideração qual modelo institucional será adotado para garantir essa participação, e em qual prazo isso pode ser feito. Dependendo do prazo, posso estar onerando sobremaneira o projeto, e isso vai entrar na conta. Temos que entender quem arcaria com esse possível prejuízo.
Que mudanças podem ser emplacadas no médio prazo para o setor nuclear?
Eu acho que, no médio prazo, temos que discutir a questão do monopólio, considerando um papel que viabilize o financiamento da energia nuclear pela iniciativa privada, sem que isso traga prejuízo para a segurança operacional. Isso é o principal. Também é necessário debater emendas constitucionais para o setor, que estão paradas no Senado, com o objetivo de avaliar isso. Outro ponto importante é termos uma agência reguladora focada em regulação.
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