ABDAN VAI HOMENAGEAR RONALDO FABRÍCIO PELA EXTENSA CONTRIBUIÇÃO À INDÚSTRIA NUCLEAR BRASILEIRA

Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) – 

Ronaldo-FabricioO Brasil vivia anos conturbados, em meio a uma Ditadura Militar, quando a área de energia nuclear começava a ganhar musculatura no País, no início dos anos 70, mas ninguém imaginava que um engenheiro civil, Ronaldo Arthur Cruz Fabrício, seria um dos principais responsáveis pelo avanço do programa Nuclear Brasileiro nas décadas seguintes. Ele havia se formado em 1957, passando anos trabalhando para o Estado do Rio e pela construção da usina de Funil, feita por Furnas, até que foi parar no posto de chefe do canteiro de obras da primeira usina termonuclear nacional, Angra 1. Ali foi iniciada uma trajetória de grande contribuição para o setor energético nacional, já com mais de 40 anos de atividade, que será comemorada em almoço nesta sexta-feira (29), a partir de uma homenagem promovida pela Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares (ABDAN), onde Fabrício ocupa o cargo de vice-presidente desde 2003.

O engenheiro passou dois anos (de 1973 a 1975) naquele projeto, que havia surgido de uma parceria do Brasil com os Estados Unidos, por meio da aquisição de um reator da Westinghouse, mas a relação entre os países acabou minguando no meio do caminho, quando os EUA decidiram suspender, em 1974, o fornecimento do urânio enriquecido para novas usinas pelo mundo. A unidade continuou a ser construída, até a conclusão em 1985, mas o Brasil precisou redirecionar seu planejamento, e a vida do engenheiro também mudou de rumo nesse período.

No ano seguinte, no dia 27 de junho, seria assinado um novo acordo nuclear, desta vez com a Alemanha, para a construção de 8 usinas no País, com a transferência de tecnologia e um intenso programa nuclear, incluindo a fabricação de componentes e de combustível no Brasil. Nesse mesmo ano, Fabrício foi indicado pelo então governador do Rio, Faria Lima, para comandar a prefeitura de Niterói. Ficou dois anos no cargo, antes de assumir, em 1977, a presidência da Nuclen, a subsidiária da Nuclebrás responsável pelos projetos das usinas. Dali em diante, ele galgaria postos e traçaria planos importantes para o desenvolvimento desta indústria no País, começando por Angra 2.

A Nuclen era responsável por identificar as empresas alemãs presentes no Brasil que fabricavam os mesmos componentes das usinas em seu país de origem e propunha a elas que fabricassem esses equipamentos e peças também por aqui, realizando uma transferência de tecnologia, com subsídios de até 90% dos custos para essa implantação. As companhias arcariam apenas com os outros 10%.

“Era um programa fantástico, com início, meio e fim”, explica Fabrício, ressaltando que o projeto incluía o intercâmbio de profissionais, com o envio de 150 engenheiros para a Alemanha, onde ficaram por três anos, para iniciar o desenvolvimento dos projetos por lá e finalizá-los aqui, já com muitos novos conhecimentos a serem compartilhados com outros profissionais brasileiros. “Treinamos mais de mil pessoas em diversos níveis. E, depois de formados, os mais destacados eram contratados por algumas subsidiárias da Nuclebrás”, afirma.

Apesar do otimismo e da empolgação dos engenheiros envolvidos no projeto à época, Fabrício conta que houve alguns imprevistos na fundação da usina, o que gerou atrasos na obra. Após a resolução deste problema, surgiu outro ainda maior: a falta de dinheiro.

A concorrência para a montagem eletromecânica de Angra 2, a parte mais crítica do projeto, foi realizada em 1986, e o desejo de todos era que as atividades começassem no ano seguinte, mas precisavam de garantias financeiras. Naquele momento, o engenheiro ocupava não só a presidência da Nuclen, como também a diretoria de centrais nucleares da Nuclebrás, e foi enviado a Brasília pelo presidente da estatal para conversar com o então ministro de Minas e Energia, Aureliano Chaves, com o intuito de garantir os recursos para o projeto. Saiu de lá com uma resposta positiva, de que o ministro “faria o possível para isso acontecer”, pedindo que o engenheiro fosse finalizar a conversa com o Ministério do Planejamento. No entanto, quando foi divulgado o orçamento do governo para 1987, os recursos não haviam sido incluídos.

“Então eu pedi demissão, afirmando que ia custar uma fortuna se a obra ficasse parada, e que nós, responsáveis pelo projeto, iríamos ser taxados de incompetentes. Porque ninguém quer saber se não se fez porque não se tinha dinheiro”, conta Ronaldo Fabrício.

O engenheiro foi então trabalhar na área de telecomunicações, deixando o setor por alguns anos, mas em 1993 foi convidado para retornar a Furnas, como diretor de centrais nucleares. Na conversa com o então ministro, Paulino Cícero, ele foi taxativo, afirmando que só aceitaria voltar se fosse para concluir Angra 2. Cícero, que havia sido o primeiro presidente da ABDAN e era a favor da energia nuclear, queria que ele fizesse exatamente isso e o acordo foi selado.

Em paralelo, havia um interesse do governo de privatizar Furnas, mas isso não podia ser feito por conta das atribuições estatais da área nuclear. Surgiu então a ideia de criar uma nova empresa, e o engenheiro comandou o processo de levá-la adiante, por meio da unificação da Nuclen com a área nuclear de Furnas. Nesse período, ele chegou a assumir a presidência de Furnas por dois anos e saiu para concluir a proposta de fortalecimento da área nuclear. O resultado disso foi a criação da Eletronuclear, que já nasceu sob a presidência de Ronaldo Fabrício, em 1997.

Ele ficou à frente da companhia até o ano 2000, dando seguimento à montagem eletromecânica de Angra 2, que deveria ter sido iniciada em 1987, mas estava parada desde então. Nos três anos à frente da nova estatal, o engenheiro conseguiu concluir a nova usina nuclear nacional e, logo após a entrada em operação, deixou o cargo.

Angra 2“Quando Angra 2 ficou pronta, queríamos fazer Angra 3. Os projetos eram idênticos, tínhamos consórcios experientes, mas o ministro Rodolpho Tourinho era contrário à usina, eu me desentendi com ele e combinamos que, quando terminasse Angra 2, eu sairia e voltaria para o setor privado. Foi uma pena. Houve uma perda com isso”, conta Fabrício, lamentando as idas e vindas das decisões governamentais, que atrasaram em muitas décadas o Programa Nuclear Brasileiro: “Cheguei à conclusão de que é preciso ter um consórcio público-privado para a construção das novas usinas nucleares brasileiras, e o capital tem que ser principalmente privado. O que vi nesses anos todos é que, se for orçamento do governo, as decisões são muitos demoradas e impactam significativamente os projetos”.

Em 2003, o engenheiro foi convidado por Thompson Mota, então diretor da FGV e presidente da ABDAN, para assumir a vice-presidência da associação, onde continua no mesmo posto, hoje sob a presidência de Antônio Müller.

“O Ronaldo é uma pessoa muito importante para o desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro. Ele, como eu, está participando desde o início. Passou por Angra 1, pela criação da Eletronuclear e pela continuidade de tudo. É um nome muito importante neste cenário, um profissional sério, competente, que só agregou para esse país. Ele deu uma contribuição muito importante ao Brasil”, afirma Müller, que decidiu fazer a homenagem após Fabrício anunciar que reduziria o ritmo de trabalho: “Ele é uma pessoa muito querida e respeitada no segmento nuclear. Como ele resolveu diminuir as atividades, resolvemos fazer um almoço celebrando o sucesso dele na implementação do Programa Nuclear Brasileiro”, completa.

De fato, o respeito que Ronaldo Fabrício conquistou nas últimas décadas já lhe rendeu algumas outras homenagens, como a medalha Carneiro Felippe, concedida pela Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que ele lembra com alegria aos 82 anos, com uma memória vivíssima e uma atuação constante em conselhos de administração de empresas do setor de energia. Ao mesmo tempo em que dá sua contribuição para os novos grandes projetos nacionais, como a hidrelétrica de Jirau, ele dá alguns conselhos aos jovens profissionais que estão começando na carreira no segmento nuclear:

“O principal conselho que dou é forçar a participação privada no setor. O governo – e nem me refiro a este, que está falido – não tem condição de fazer uma usina nuclear. São cinco anos para estudar o local e licenciar, e mais cinco para construir. Portanto, ultrapassa o período dos mandatos, então não pode ser um programa de governo. Tem que ser de Estado. E o Estado não é contínuo, daí a necessidade de uma participação privada. Então é preciso se dedicar e estudar muito a parte tecnológica, conseguir um jeito de financiamento para que a usina comece e vá até o fim sem interrupções. Na China, já estão conseguindo terminar em quatro anos. E o Brasil, que tem esse tamanho todo, resolveu abandonar a energia nuclear”, diz, lembrando que, no mesmo ano em que o Brasil assinou o acordo com a Alemanha, a Coreia do Sul assinou um tratado idêntico com o país europeu, mas hoje nós estamos penando para concluir a terceira usina, enquanto os coreanos já têm 23 unidades em operação e já exportam tecnologia nuclear.

Por essas e outras, Fabrício lembra um ditado repetido frequentemente por um amigo seu: “Só existem dois problemas que se resolvem sozinhos: os da adolescência e da neve. Os primeiros passam com o tempo e a neve derrete sozinha. O resto precisa que as pessoas se envolvam. E eu me envolvi e trabalhei muito pela construção das usinas nucleares. Não tenho dúvida disso”. Ele não está sozinho. Na indústria nuclear, ninguém tem dúvida disso.

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