ABREN APONTA PARA O GRANDE POTENCIAL DO RIO DE JANEIRO EM GERAÇÃO DE ENERGIA A PARTIR DO LIXO
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
A bem conhecida frase de que “na natureza nada se cria, tudo se transforma”, do químico francês Antoine-Laurent de Lavoisier (1743-1794), é mais do que um chavão. Para o Rio de Janeiro, por exemplo, aproveitar o potencial energético de seus resíduos urbanos pode ser, sim, uma grande oportunidade. É o que aponta a Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), que fez um estudo detalhando o potencial da região metropolitana fluminense na geração de energia a partir do lixo. Em entrevista ao Petronotícias, o presidente da entidade, Yuri Schmitke, disse que o Rio de Janeiro poderia abrigar até 20 usinas do tipo, com 20 MW de potência instalada cada. Os investimentos totais nesses empreendimentos passariam de R$ 14 bilhões, com potencial de criação de mais de 20 mil empregos diretos e indiretos. Além disso, usar os resíduos urbanos para geração ao invés de destinar esse material para lixões e aterros traria um impacto muito significativo para o meio ambiente do estado, de acordo com Schmitke: “A mitigação de gases do efeito estufa seria de 331 milhões de toneladas de CO2 equivalente durante a operação da usina. Isso equivaleria a retirar das ruas 1,7 milhão de veículos”, apontou. Durante a conversa, o presidente da Abren também trouxe dados nacionais do setor, apontou quais são os pontos necessários para que a geração a partir de resíduos cresça no país e falou ainda um pouco sobre as próximas ações da associação.
Poderia começar nossa conversa destacando o potencial do Rio de Janeiro na geração de energia a partir de resíduos sólidos urbanos?
O Rio de Janeiro tem uma população urbana de 12,8 milhões de habitantes. Cada um deles gera 1,38 kg de lixo por dia. É um valor até elevado em comparação com outras regiões do país. Na região metropolitana do Rio de Janeiro, temos uma geração anual de lixo urbano de 6,1 milhões de toneladas. É uma quantidade absurda. Por dia, são 16,8 mil toneladas de lixo.
No Rio de Janeiro, poderíamos construir até 20 plantas com 20 MW de potência instalada cada. Essas unidades receberiam, cada uma, 823 toneladas por dia. Uma planta de recuperação energética dura 40 anos, bem mais do que um aterro sanitário. Essas usinas podem ainda passar por um processo de renovação de equipamentos e operar por mais 40 anos. Falando de empregos, teríamos uma geração geral de postos de trabalho na cadeia de valor de 24 mil empregados.
Nos benefícios ambientais, o estudo aponta para uma reciclagem de minerais em 30 milhões de toneladas como agregado. De metais recuperados, o potencial é de 6,4 milhões de toneladas durante toda a operação da planta. A mitigação de gases do efeito estufa seria de 331 milhões de toneladas de CO2 equivalente durante a operação da usina. Isso equivaleria a retirar das ruas 1,7 milhão de veículos.
O investimento para construir as plantas totalizaria R$ 14,6 bilhões. Aportar essa quantidade de dinheiro na região metropolitana no Rio de Janeiro é algo relevante. O potencial de arrecadação de impostos totais durante os 40 anos de operação da planta chegaria a R$ 20,7 bilhões.
Que tipo de tecnologia poderia ser usados nessas usinas no Rio de Janeiro?
A tecnologia que será utilizada é o que chamamos de usina de recuperação energética de resíduo. Por meio do processo de combustão, você faz a queima do resíduo e o tratamento de todos os gases tóxicos liberados. A usina, em seu conjunto, é classificada como energia limpa por todos os organismos mundiais. A emissão de dioxinas e furanos, que são cancerígenos, são menores que 1%. É um dado desprezível de emissões. Para ser ter ideia, em uma cidade, aproximadamente 35% das dioxinas e furanos emitidas na atmosfera vêm de veículos.
Quais seriam os impactos desses empreendimentos na questão de gases do efeito estufa?
Ao enterrar o lixo no aterro sanitário, ele tem uma fração orgânica de aproximadamente 50%. Essa fração orgânica fica em estado de putrefação por aproximadamente 50 anos liberando gás metano, que é 25% mais nocivo que o CO2. Por isso que o Painel Climático da ONU aponta que é melhor queimar o lixo do que enterrá-lo, porque somente 50% do metano do lixo enterrado é capturado. O metano é muito mais nocivo que o CO2.
As usinas de recuperação energética recebem a fração não reciclável. Por isso é preciso fazer um processo de separação do lixo, retirando aqueles itens que são recicláveis. A recuperação energética está dentro do conceito de economia circular de recuperação da energia da fração não reciclável.
O aterro sanitário está sendo banido da Europa há muitos anos. Desde 2005, é proibido na Alemanha, por exemplo. Os alemães fazem tratamento orgânico do lixo, reciclam bastante e ainda fazem a recuperação energética da fração não reciclável do lixo. Esse é o pressuposto de países que já acabaram com seus aterros sanitários.
Enquanto isso, o Brasil destina 96% do seus resíduos diretamente para aterros, sem nenhum tipo de tratamento. Para equacionar isso, precisamos estruturar projetos de concessões municipais de 30 anos, que é uma obrigação do novo marco do saneamento. Aliás, todos os prefeitos do estado do Rio de Janeiro são proibidos de celebrar contratos de cinco anos.
A própria empresa que opera o aterro de Seropédica, a Ciclus, tem um projeto de uma usina WTE [sigla para waste to energy], de 31 MW, para tratar 1.300 toneladas por dia. O projeto já está cadastrado no leilão A-5 que acontecerá em setembro desse ano.
Uma usina WTE reduz em oito vezes as emissões dos gases do efeito estufa. Esse dado está no quinto relatório do IPCC. O Rio de Janeiro gasta bilhões de reais com atendimento médico. Durante a operação da planta, o Rio de Janeiro irá economizar R$ 7,5 bilhões com atendimento médico.
Gostaria que nos apresentasse também, de forma geral, o potencial total nacional em termos de geração a partir de resíduos.
Esse estudo foi realizado de uma maneira mais abrangente, considerando outros tipos de tecnologias que poderiam ser integradas. Consideramos o lixo gerado por 58% da população do Brasil. Com isso, destinaríamos a maior parcela, de 60%, para as usinas de recuperação WTE. Uma segunda parcela, de 22%, seria para produção de CDR – combustível derivado de resíduos que pode ser aproveitado na produção de cimento. Por fim, 12% desse lixo seria usado para biogás e outros 6% para reciclagem.
Poderíamos ter 287 usinas de incineração, sendo 94 delas de recuperação de energia, 101 de CDR e 91 de biogás. Isso geraria um potencial de CAPEX de R$ 79 bilhões. Por ano, isso representaria uma redução de 64,4 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano.
O que ainda falta no Brasil para que vejamos mais projetos desse tipo saindo do papel?
O Brasil precisa fazer a estruturação de concessões específicas para recuperação energética. Precisamos também que os municípios do Brasil atendam ao Novo Marco do Saneamento, que obriga a celebração de contratos de concessão de 30 anos e proíbem os contratos de cinco anos de convênio, programa ou precários e emergenciais. Para trazer boa infraestrutura para o Brasil, você vai precisar de investimentos. Então, contratos de 30 anos permitirão a construção de bons aterros sanitários, inclusive com captura e queima do biogás para geração de eletricidade.
A nossa política nacional de resíduo sólidos diz que, havendo viabilidade econômica e técnica, e isso a ABREN já demonstrou que existe em 28 regiões metropolitanas, os municípios são obrigados a fazerem o tratamento do resíduo. Com essa diretriz, a nossa política determina que somente o rejeito tratado vá para o aterro. Somente as cinzas não reaproveitadas da incineração, que representam 1% em volume, podem ser destinadas aos aterros classe 1. Por outro lado, na biodigestão ou na compostagem, o adubo ou digestato não aproveitados devem ser enviados para aterros.
Os municípios precisam se sensibilizar. Já temos uma legislação que obriga a realização do tratamento de resíduos. Já o Novo Marco do Saneamento determina que, até 2024, todos os lixões e aterros controlados no Brasil – que representam 42% do lixo do país – devem ser extintos.
No leilão A-5, em setembro, existirá a contratação de energia gerada a partir de resíduos. Como está a expectativa de vocês com essa novidade no mercado?
A Abren trabalhou incansavelmente para que esse leilão ocorresse. Há dois anos trabalhamos nisso. O certame acontecerá em setembro e será dedicado para contratar energia das usinas WTE. Ele acontecerá junto ao leilão A-5, mas não concorremos com as outras fontes. Isso vai permitir, por exemplo, viabilizar o projeto da Ciclus, que mencionei anteriormente. Tem tudo para dar certo e as obras devem ser iniciadas no ano que vem.
E quais serão as próximas ações da ABREN no sentido de estimular a geração por resíduos no país?
Temos um grupo acadêmico com aproximadamente 40 doutores que é vinculado ao Waste to Energy Research and Technology Council (WtERT). Através dele, estamos realizando MBA com a FGV sobre a recuperação energética de resíduos. Isso é inédito no Brasil. Com isso, conseguimos formar profissionais capazes de produzir planos de negócios, com modelagem econômica e financeira, que serão tão necessários para o desenvolvimento desse segmento no Brasil.
Outra ação importante é o evento anual da ABREN. Realizamos há três semanas o nosso encontro anual, que contou com a presença do vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro de Minas e Energia. Também participaram os deputados Arnaldo Jardim (Cidadania-SP); Geninho Zuliani (DEM-SP); e Lafayette de Andrada (Republicanos-MG).
Hoje, a ABREN representa os cinco maiores players mundiais de WTE. Temos como associados a Hitachi Zosen INOVA, que já fez 600 plantas de waste do energy no mundo; a Babcock & Wilcox, que já construiu 500 caldeiras de plantas WTE mundialmente; a Veolia, maior empresa de saneamento do mundo e operadora de muitas usinas WTE; a Sacyr, outra líder mundial do setor; e a Ramboll, maior projetista de usinas WTE do mundo.
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