AEPET APRESENTA NOVOS QUESTIONAMENTOS AO TCU SOBRE A VENDA DA REFINARIA LANDULPHO ALVES

Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –

maranhao-1A venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, está muito longe de ser um assunto que gera consenso no mercado de óleo e gás. De um lado da arena de ideias, a Petrobrás e os defensores da abertura do setor defendem que a venda dessa planta e de outras refinarias vai gerar maior competição. Do outro lado, entidades como a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET) apontam para os riscos e possíveis prejuízos com os desinvestimentos em refino, que incluem a formação de monopólios regionais e o aumento de preços para o consumidor brasileiro. Um dos diretores da associação, o engenheiro e ex-deputado federal Ricardo Maranhão (foto), enviou recentemente ao Tribunal de Contas da União (TCU) uma série de questionamentos sobre a venda da RLAM. Nesta entrevista ao Petronotícias, Maranhão destaca algumas das perguntas endereçadas ao Ministro Walton Alencar, que abrangem o valor de negociação da RLAM com o fundo Mubalada (US$ 1,65 bilhão) e a política atual de preços de derivados praticados pela Petrobrás. “Essa política é predatória e perversa, e está levando os caminhoneiros a fazerem greve. Da mesma forma, a dona de casa não usa carvão ou lenha porque gosta. Ela faz isso porque não consegue pagar R$ 100 no botijão de gás. Por isso, eu reafirmo: essa política não é eficiente”, declarou. O entrevistado diz ainda que a ideia é acompanhar a tramitação de sua manifestação feita ao TCU, esperando que as questões apontadas pela AEPET sobre a venda de ativos sejam consideradas. “Seguimos em nossa movimentação também junto ao Congresso Nacional, Ministério Público, CVM e outras entidades contra o plano de desinvestimentos da Petrobrás, pois o consideramos prejudicial ao interesse nacional”, concluiu Maranhão.

Para começar nossa conversa, gostaria que falasse um pouco dos pontos que o senhor abordou na manifestação enviada ao TCU.

TCUO TCU tem, constitucionalmente, a atribuição de examinar aspectos financeiros, econômicos, contábeis, patrimoniais, operacionais e estratégicos. No caso da RLAM, já temos um preço de venda absolutamente insatisfatório, muito abaixo das estimativas da própria Petrobrás. Contudo, mesmo que a oferta pela RLAM tivesse um preço satisfatório, ainda assim essa é uma operação inconveniente do ponto de vista patrimonial. Há uma alegação de que quando a Petrobrás se desfizer das refinarias, novos agentes privados entrarão no mercado, trazendo assim mais competitividade e uma eventual redução nos preços.

Na manifestação ao TCU, eu faço uma série de questões que não são abordadas no relatório da auditoria operacional recentemente publicado pelo tribunal [o Petronotícias publicou uma reportagem sobre essa auditoria, que pode ser lida nesse link]. Na manifestação enviada ao TCU, eu pergunto se é adequado o critério de avaliação do preço da RLAM usado pela Petrobrás, chamado Valor Presente Líquido (VPL). Ao meu ver, esse método do VPL permite manipulações na definição das taxas de desconto, dos custos e das receitas. Seria esse o método mais indicado para avaliações ou ele enseja fortes possibilidades de erros?

Importante frisar que existe outra maneira de avaliar o custo de uma refinaria, o chamado Custo de Reposição. No caso da RLAM, estamos falando de uma planta que refina 310 mil barris por dia. Quanto custa fazer uma refinaria dessa, com essas características? Há um consenso no mundo de que a construção de uma nova refinaria exige entre US$ 10 mil e US$ 30 mil dólares por barril/dia. Ou seja, uma refinaria capaz de processar 100 mil barris/por dia custaria entre US$ 1 bilhão e US$ 3 bilhões. No caso da RLAM, podemos assumir que o valor mínimo seria de US$ 3 bilhões (300 mil barris/dia x US$ 10 mil).

A RLAM é a refinaria pública mais antiga do Brasil. Embora seja a mais antiga, é moderníssima. A Petrobrás investiu US$ 5 bilhões em cada uma de suas grandes refinarias para atualiza-las tecnologicamente. A RLAM está no Estado da Arte. Por isso, devemos buscar o valor mais justo para a refinaria.

O que a experiência internacional mostra em relação a outros processos de vendas de refinarias?

rlam_005Vou lhe citar um exemplo. Há três anos, houve uma transação envolvendo a refinaria Port Arthur, no Texas, de 600 mil barris/dia de capacidade. Era uma sociedade entre a Saudi Aramco e a Shell. Cada empresa possuía 50% de participação na unidade. Em determinado momento, os sauditas compraram a parte da Shell (que correspondia a cerca de 300 mil barris/dia, praticamente a mesma capacidade da RLAM). A Saudi Aramco pagou US$ 2,8 bilhões nessa transação. Esse valor representa cerca de US$ 9,3 mil por barril.

Agora, veja, a RLAM está sendo vendida para a Mubadala por apenas US$ 1,65 bilhão, quase a metade do valor na comparação com a negociação da refinaria Port Arthur. Isso significa pouco mais de US$ 5,3 mil por barril.

É importante lembrar que não está sendo vendida apenas a refinaria. A RLAM recebe petróleo através de um terminal marítimo, chamado Madre de Deus, no município de São Francisco do Conde (BA). É um terminal com cinco pontos de atracação, que leva o petróleo até a refinaria. Uma parte da produção da RLAM é escoada através de 700 km de dutos, que levam os produtos derivados para outros terminais. Isso tudo está na transação.

Quanto custa fazer 700 km de dutos? Adotando-se um diâmetro médio de 10 polegadas, somente uma rede de dutos como essa exigiria para sua implantação um investimento de US$ 410 milhões. Nada disso foi levado em consideração pela Petrobrás na hora de fechar negócio com a Mubadala.

Como o senhor mencionou, houve recentemente a publicação de um relatório de uma auditoria operacional do TCU, que avaliou os processos de desinvestimentos em refino. O senhor sentiu que a análise do tribunal deixou de cobrir alguns pontos?

petrobrasAntes de responder sua pergunta, acho importante elogiar o trabalho elaborado pelos técnicos do TCU e que teve auditoria do ministro Walton Alencar. É de extrema importância que o tribunal analise esse movimento de desinvestimentos da Petrobrás no segmento de refino.

Voltando a sua pergunta, uma coisa importante que precisa ser mencionada é que o mercado da área da RLAM corresponde a 13% do mercado brasileiro. Trata-se de um mercado cativo. O futuro operador da usina vai ter a refinaria, rede de escoamento dos produtos e terminais que recebem petróleo e escoam derivados. Na verdade, não é só a refinaria que está sendo vendida, mas sim um mercado. Foi feita alguma avaliação sobre esse aspecto? O ministro Walton não respondeu essa questão.

Além disso, a Petrobrás é uma sociedade anônima de economia mista. Sendo assim, é obrigada a seguir, atender e cumprir mandamentos constitucionais, como publicidade, impessoalidade, legalidade, eficiência e moralidade. É legal, constitucional ou simpático à Constituição vender uma refinaria que representa 13% do mercado nacional de petróleo? Mesmo quando se sabe que a Carta Magna define que o mercado é um Patrimônio Nacional? No final das contas, com o desinvestimento da RLAM, estamos vendendo um Patrimônio Nacional.

O relatório do TCU fala sobre a questão dos preços e diz que há uma chance de aumento nos valores dos derivados no curto prazo. Como avalia isso?

rlamOs preços dos derivados do petróleo produzidos no Brasil hoje não têm quase nenhuma relação com custo do refino. As refinarias da Petrobrás têm um custo inferior ao custo das refinarias americanas. O problema atual dos preços de combustíveis no Brasil tem a ver com a política de PPI – Preço de Paridade de Importação.

Essa política encarece os preços de combustíveis no Brasil. Além disso, como o preço do derivado no Golfo do México é expresso em dólar, toda a vez que a taxa de câmbio varia, o valor interno dos combustíveis no Brasil também sofre alterações. Adicionalmente, é bom lembrar que a taxa de cambio varia diariamente. Por isso, o antigo presidente da Petrobrás, Pedro Parente, reajustou os preços dos combustíveis mais de 100 vezes em um ano. Uma loucura total. A taxa de câmbio varia sem que os brasileiros tenham qualquer controle sobre isso. 

Além do dólar, há ainda a questão do preço do barril de petróleo. A OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e outros grandes produtores de petróleo, como a Rússia, se reúnem em Viena e decidem os rumos do preço do petróleo. Nessa política atual, as decisões da OPEP acabam influenciando no preço dos derivados do mercado brasileiro. Esta política obriga o brasileiro a pagar frete, seguro, taxas portuárias, variação do câmbio, variação do preço do petróleo e, inclusive, fatores geopolíticos e climáticos. A combinação preço do petróleo mais taxa de câmbio é perversa.

A atual política de preços da Petrobrás é eficiente? Não. Essa política é predatória e perversa, e está levando os caminhoneiros a fazerem greve. Da mesma forma, a dona de casa não usa carvão ou lenha porque gosta. Ela faz isso isso porque não consegue pagar R$ 100 no botijão de gás. Por isso, eu reafirmo: essa política não é eficiente. O TCU tinha que meter o dedo nisso, na minha opinião. O ministro Walton falou de raspão sobre esse tema dos preços.

Apesar desses argumentos contrários à venda de refinarias, esses desinvestimentos agora em curso fazem parte de um acordo da Petrobrás com o CADE. Ao seu ver, esse acordo foi prejudicial para a companhia?

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Ministro do TCU, Walton Alencar

O voto do ministro Alencar tangencia também essa questão do acordo com CADE. Ele lembra que esses desinvestimentos da Petrobrás resultaram de um TCC (Termo de Cessação de Conduta) com o conselho. Em um trecho, o ministro chega a mencionar que “a greve dos caminhoneiros chamou a atenção do CADE”. No entanto, o TCC não foi gerado em função da greve dos caminhoneiros, mas sim por causa de uma denúncia de uma entidade chamada ABICOM (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis). Ela foi fundada em 2016 e, “coincidência”, a política da PPI também é de 2016. A Abicom é representativa? Acho que não. Ela é composta por oito empresas importadoras. Segundo dados da ANP, atualmente mais de 200 empresas estão inscritas como importadoras de combustíveis no Brasil.

A Petrobrás tem condição de vender GLP e combustíveis a valores mais baratos. Contudo, pelo fato de ter adotado a política de PPI, ela vende seus derivados como se tivesse que importar esses produtos. É como se a empresa esquecesse que é uma grande produtora e refinadora de petróleo e que suas refinarias são eficientes.

Depois de ter sido provocado pela Abicom, que fez uma denúncia contra a Petrobrás, o CADE abriu procedimento para investigar a postura da estatal. O CADE simula um procedimento, que não andou 5% e nem comprovou se havia ou não abuso de poder econômico por parte da Petrobrás. Naquela ocasião, o ex-presidente da empresa, Roberto Castello Branco, por iniciativa própria, se dispôs a vender oito refinarias. Isso sem que a Abicom mencionasse nada em relação às refinarias. Além disso, o Castello Branco se comprometeu também a vender ativos em gás natural, como a Gaspetro e o Gasbol.

O que o então presidente da empresa deveria ter feito naquela ocasião?

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Roberto Castello Branco, ex-presidente da Petrobrás

O papel do Castello Branco, naquela ocasião, seria de comprovar que a denúncia da Abicom era falsa. Mas, ao contrário, ele se dispôs a vender todos esses ativos. Diante do exposto, eu acho que o CADE prevaricou. O conselho tinha uma denúncia de que a Petrobrás estaria abusando de seu poder econômico. O que se esperava é que o CADE fizesse a apuração até o final. No caso de abuso comprovado, que a Petrobrás fosse penalizada. Mas nada disso foi feito. Ademais, a iniciativa de Castello Branco, não defendendo a Petrobrás e favorecendo os concorrentes, configura abuso do acionista controlador.

Não estou aqui falando contra o capital estrangeiro. A questão é que o Mubadala é um fundo de investimentos, que só pensa em lucros. Além disso, uma empresa estrangeira, ainda que instalada no Brasil, tem o seu centro de decisões no exterior. Quem decide está lá fora. Quando o fundo Mubalada assumir de vez a RLAM, será que eles vão prestigiar a indústria nacional, comprando serviços e equipamentos nacionais ou dará preferência às articulações no exterior?

Nós vamos acompanhar a tramitação da nossa manifestação ao TCU, esperando que essas questões também sejam consideradas pelo tribunal. Seguimos em nossa movimentação junto ao Congresso Nacional, Ministério Público, CVM e outras entidades contra o plano de desinvestimentos da Petrobrás, pois o consideramos prejudicial ao interesse nacional.

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