DEPUTADO QUE BENEFICIOU EMPRESA DE MEDICINA NUCLEAR VIROU ALVO DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Como em um jogo de xadrez, o deputado estadual Carlos Pignatari (PSDB/SP) está em xeque. Um daqueles bem complicados de escapar. O motivo é a lei de sua autoria que beneficiou diretamente uma empresa de medicina nuclear da qual ele é sócio. O Petronotícias repercutiu o caso em janeiro. Agora, o Ministério Público de São Paulo (MPF-SP) instaurou uma investigação contra o parlamentar, para verificar “possível prática de ato de improbidade” em prol da Indústria Brasileira de Farmoquímicos (IBF). O Petronotícias ouviu fontes para traçar melhor o perfil de Pignatari e sua atuação no segmento de medicina nuclear. Segundo a apuração da nossa reportagem, o deputado não deve explicações apenas pela lei que favoreceu a IBF, mas também poderia falar como concilia o cargo de parlamentar com o de acionista de uma empresa que participa de licitações e recebe financiamento público. São pontos que merecem, ao menos, um esclarecimento.
Para entender um pouco mais do caso, é preciso voltar um pouco no tempo. No início do ano, a empresa de medicina nuclear IBF se viu envolvida em uma polêmica por conta de um de seus acionistas, o deputado Carlos Pignatari, atual líder do governo de João Dória na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Para lembrar, ele foi autor de uma lei que beneficiou diretamente a IBF, levantando contestações sobre sua conduta dentro da própria Alesp.
No mercado, além da criação da lei em favor da IBF, existe o questionamento sobre como o parlamentar é acionista de uma empresa que participa de licitações públicas, o que é vedado por lei. A Constituição do Brasil, no artigo 54, proíbe deputados de serem “proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada”. O deputado Carlos Pignatari é um dos membros acionistas fundadores da IBF, dono de R$ 625.599,00 em ações na companhia.
Não bastasse a sua participação na empresa, que já levanta contradições frente à legislação, Pignatari criou uma lei que favoreceu diretamente a IBF, como já mencionado. O parlamentar alterou a política paulista de medicamentos e mudou a configuração da distribuição do chamado “FGD” no estado. O FDG (18 F) é um insumo usado em Medicina Nuclear para o diagnóstico de câncer.
Antes, o Hospital das Clínicas (HC) da Universidade de São Paulo (USP), que é uma instituição pública da esfera estadual, fazia a distribuição do produto para hospitais filantrópicos e outras unidades hospitalares públicas de São Paulo, como o HC da Universidade de Campinas (Unicamp), também ligado ao governo paulista. Com a mudança na lei proposta por Pignatari, o HC da USP só poderia vender o FDG para uso exclusivo no diagnóstico ou tratamento de pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde.
IBF GANHOU LICITAÇÕES ESTADUAIS APÓS A LEI DE PIGNATARI
Na teoria, a ideia de Pignatari parece louvável. Mas na prática, os hospitais não conseguem separar o produto só para pacientes do SUS. Resultado: os hospitais públicos e privados deixaram de comprar do FDG do HC da USP. Um mercado que caiu no colo da IBF de Pignatari. Isso pode ser comprovado pelas licitações que a IBF ganhou para o fornecimento do FDG. Um exemplo foi o pregão eletrônico Nº 00471/2019, vencido pela empresa em setembro do ano passado, para fornecer 648 doses do FDG para o HC da Unicamp.
Outro questionamento feito no mercado de medicina nuclear é que a lei 8.666/93, que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública, proíbe que um servidor ou dirigente de órgão ou entidade contratante ou responsável pela licitação, participe da licitação ou da execução de obra, serviço e do fornecimento de bens. Embora Pignatari não seja um servidor direto dos hospitais públicos estaduais, como o HC da Unicamp por exemplo, o que fontes ouvidas pelo Petronotícias apontaram é que, na função de deputado, ele tem uma influência indireta nessas unidades hospitalares. Tanto que a sua lei alterou a forma do HC da Unicamp adquirir o FDG, passando a recorrer à IBF.
Outra questão que merece esclarecimentos é que a IBF conseguiu financiamentos públicos para a compra de equipamentos. Em 2016, a empresa anunciou a instalação de uma fábrica no Parque Tecnológico de São José do Rio Preto (SP) para produzir o isótopo radiofármaco FDG. O projeto contou com financiamento da Agência de Desenvolvimento Paulista (Desenvolve SP), instituição financeira do próprio governo do Estado de São Paulo. O empréstimo foi de R$ 6 milhões para obras e aquisição de equipamentos nacionais.
No ano passado, em abril, a IBF inaugurou sua fábrica no município de Duque de Caxias (RJ), em um projeto orçado em R$ 24 milhões. O empreendimento recebeu financiamento de R$ 12,7 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), além de recursos adicionais de R$ 5,5 milhões. O fato de uma empresa conseguir financiamento público não é um problema em si. Mas o que se comenta no mercado é que, no caso da IBF, a presença do deputado Pignatari abre margem para surgir questionamentos sobre a sua influência na obtenção desses empréstimos.
Vale lembrar ainda que o parlamentar já foi condenado em duas outras ações por improbidade. Uma delas, que investiga o caso conhecido como “Máfia das Sanguessugas”, sobre irregularidades na compra de ambulâncias. O deputado está recorrendo em segunda instância.
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