BRASIL PRECISA AGIR RÁPIDO PARA APROVEITAR A JANELA DE OPORTUNIDADES DO GÁS NATURAL, APONTA ARMANDO CAVANHA
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
O relógio que marca a janela de oportunidades do gás natural está girando – e o Brasil deve agir com celeridade para aproveitar essa maré positiva. A avaliação é do consultor acadêmico da PUC-Rio, Armando Cavanha. O mundo caminha para a transição energética e o gás natural terá um papel fundamental nesse processo, como um combustível de transição. Por isso, para participar desse jogo como um grande player, o Brasil precisa endereçar algumas questões, como a redução da reinjeção do gás no pré-sal brasileiro. “Não podemos reinjetar 45% da nossa produção pelo resto da vida. Temos tudo na mão. É só questão de articulação, vontade e força”, avaliou. “Podemos reduzir a reinjeção. Mas isso depende de legislação, facilitação da demanda, infraestrutura do escoamento, preço do petróleo e coisas dessa natureza”, acrescentou. Cavanha lembra também que o movimento da eletrificação ganha cada vez mais força, enquanto que o hidrogênio também surge como uma tendência mundial forte. Assim, a hora de viabilizar o gás natural do pré-sal é agora. Para tal, segundo o consultor acadêmico, é preciso atuar, simultaneamente, para permitir o desenvolvimento da infraestrutura de escoamento e o crescimento da demanda por gás natural. Por fim, o especialista acredita que os agentes de mercado precisam estreitar ainda mais os laços, atuando de forma mais articulada. “Até porque a produção de gás vai crescer, dado o aumento das descobertas e do desenvolvimento da produção dos campos de petróleo. Isso vai arrastar o gás [associado], os volumes serão maiores e nós teremos que ter soluções para isso”, finalizou.
O mundo está em uma corrida para diversificar seus fornecedores de gás natural. O Brasil tem potencial para tornar-se, no futuro, um exportador desse energético?
O mundo ficou descompensado logo depois que os Estados Unidos não trataram muito bem o licenciamento do Nord Stream 2, um novo gasoduto que foi construído para levar o gás da Rússia para a Alemanha, passando por baixo do Mar Báltico. Esse gasoduto era estratégico para a Europa, dando tranquilidade ao continente em relação ao gás natural. Após o fim do mandato da Angela Merkel na Alemanha, a situação desandou e o licenciamento do projeto não avançou. Assim, a Europa ficou sem os 150 milhões de metros cúbicos por dia de gás russo do Nord Stream 2. Os americanos passaram a exportar gás criogênico para a Europa. Obviamente, os volumes são incomparáveis. O volume de um gasoduto é muito maior que o volume de 50 navios criogênicos, por exemplo. Essa exportação dos EUA para a Europa amenizou o impacto, mas houve um desarranjo no mercado como um todo.
O Brasil tem uma produção de gás de cerca de 130 milhões de metros cúbicos por dia. Como o país produz gás associado ao petróleo e com o barril na faixa dos US$ 115, as operadoras preferem maximizar a produção de óleo. Como o Brasil ainda não está equacionado em sua demanda de gás, o óleo ganha essa preferência por parte das operadoras.
Desses 130 milhões de metros cúbicos por dia produzidos em 2021, uma parcela de 55% vai para o mercado consumidor, enquanto o restante é reinjetado. O mundo tem um consumo de 10 bilhões de metros cúbicos por dia. É uma proporção muito grande. O Brasil tem importado também um pouco de gás criogênico, inclusive dos EUA. Então, essa é uma equação complexa. Mas eu diria que o Brasil está começando a pensar mais forte nisso.
Para o Brasil alcançar o papel de exportador de gás será preciso, claro, investir em infraestrutura. Mas daí chegamos ao velho ‘dilema’ sobre o que precisa vir antes: o investimento em infraestrutura ou o crescimento da demanda? Quais são suas impressões sobre isso?
Eu lembro muito bem de um debate no qual o Luiz Costamilan [conselheiro do IBP] trouxe à tona com clareza a questão de termos antes assegurada a demanda, porque isso atrairia os investimentos. Já em uma outra conversa, o Marcelino Guedes [fundador da Pipeline Brazil] defende o contrário: precisamos ter infraestrutura para assegurar que, quando houver demanda, o gás irá fluir.
Essa também é uma questão complexa, mas eu diria para você que, na verdade, as duas coisas são necessárias. Precisamos ter infraestrutura mínima para o gás fluir e mostrar o direcionamento do investimento. Mas obviamente precisamos assegurar a demanda. O ponto do Brasil na questão da demanda é que a nossa indústria não cresceu tanto nesses últimos anos. E tem outro pormenor: não temos o clima frio como na Europa, onde o gás é muito solicitado para aquecimento.
Nós temos que pensar também que podemos ser ‘atropelados’ daqui a pouco pela eletrificação. Isso vai demorar, é verdade. Mas já existe uma tendência forte da eletrificação, porque melhora muito uma série de fatores. Ainda também tem o hidrogênio que está entrando na competição entre as fontes. Diante de todo esse cenário, precisamos estruturar os dois assuntos – tanto infraestrutura como a demanda.
Ao aumentar a disponibilidade de gás no Brasil, quais seriam os setores que poderiam puxar a demanda por essa fonte?
A atividade industrial não cresceu tanto nos últimos anos, mas tomara que cresça muito em um futuro próximo. No momento em que você implanta um sistema industrial que tem base no gás, essa fonte se torna perene, bem remunerada, competitiva e faz a compensação da reinjeção de uma forma mais clara.
Eu acho que a indústria, como um todo, é o carro-chefe dessa questão, porque não temos a questão do aquecimento, como mencionei antes. O Brasil, por outro lado, tem a questão da geração elétrica. As termelétricas entram muito firmemente quando nós temos problemas hídricos, como aconteceu em 2021. Esses são pontos muito significativos.
Temos que estruturar tudo isso ao mesmo tempo e colocar esses pontos como uma estratégia de país. Precisamos criar os grupos de discussão que alimentam as decisões dos ministérios, para que tudo isso aconteça de uma forma fluida e afinada.
Outra questão muito pertinente diz respeito à reinjeção do gás. No Brasil, diz-se que essa atividade é importante para aumentar a recuperação de óleo. Como reduzir esse volume reinjetado?
No Brasil, como mencionei antes, estamos na faixa dos 45% de reinjeção do total de produção de gás. O ponto é que os outros países também fazem reinjeção. Isso acontece sempre naqueles locais onde há produção de gás associado ao petróleo, como um artifício para aumentar a produção de óleo. Podemos reduzir a reinjeção. Mas isso depende de legislação, facilitação da demanda, infraestrutura do escoamento, preço do petróleo e coisas dessa natureza.
Por fim, quais são suas perspectivas com o futuro do mercado de gás natural no Brasil?
São positivas sim, com certeza. O que precisamos é de uma articulação mais forte das entidades – não só as reguladoras, mas também as de mercado. As entidades americanas, por exemplo, são fortes. Na hora de exportar o gás criogenado para a Europa, tudo estava organizado. Foi um movimento estratégico. O Brasil não aprendeu a fazer isso ainda. O que precisamos é de vontade, menos pontas agudas e mais arredondamento das questões.
Eu tenho perspectivas muito positivas. Até porque a produção de gás vai crescer, dado o aumento das descobertas e do desenvolvimento da produção dos campos de petróleo. Isso vai arrastar o gás, os volumes serão maiores e nós teremos que ter soluções para isso. Não podemos reinjetar para o resto da vida 45% da nossa produção. Temos tudo na mão. É só questão de articulação, vontade e força.
Lembro, adicionalmente, que o processamento do gás natural no Gaslub não vai acontecer como programado. A empresa chinesa responsável pela construção suspendeu a montagem da unidade e está dando um calote em todos os funcionários e fornecedores. Enquanto isso, a Petrobras parece paralisada e não demonstra agilidade necessária para encontrar uma rápida solução para o impasse.