CONSTRUIR MÓDULOS NO EXTERIOR AGRAVA CRISE DE EMPREGOS, MAS ANP VAI COBRAR POR CONTEÚDO NACIONAL

 Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) – 

Marco Tulio Rodrigues, coordenador de conteúdo local da ANP.A nova licitação aberta pela Petrobrás para a construção de 24 módulos dos FPSOs replicantes poderia ter sido comemorada pela indústria, que quase não vê oportunidades no horizonte há algum tempo, mas a lista de empresas convidadas, todas estrangeiras, botou por terra as esperanças do setor de engenharia nacional. O impacto é maior ainda para os trabalhadores brasileiros, que vêm amargando demissões em massa em vários estados do País e não têm ideia de como vão redirecionar suas vidas. São eles os mais afetados, sem dúvida, e mais uma vez serão eles os que sofrerão mais com a decisão da estatal. As previsões da economia e principalmente da indústria de petróleo, ao contrário do que acontecia há poucos anos, são muitos negativas no Brasil, e o elo mais fraco da cadeia continua servindo de bode expiatório. São eles, os operários e funcionários das empreiteiras e de seus fornecedores, quem mais têm a perder com a ida de projetos brasileiros para o exterior. Além de perderem oportunidades, sofrem também pela falta de esperança. Afinal, se num quadro grave como o atual a escolha é essa, pouco restará de expectativa para as próximas licitações.

Grande parte das maiores empreiteiras brasileiras foi afastada do cadastro da estatal, como consequência das investigações da Operação Lava Jato, mas ainda assim as que não foram incluídas esperavam poder participar de novas concorrências. A resposta às denúncias não está na escolha de empresas estrangeiras, mas sim no trato correto e eficiente das contratações. Governança corporativa não quer dizer comprar fora. Significa agir corretamente e criar todos os mecanismos possíveis para evitar desvios, fiscalizando. Pura e simplesmente.

Os índices obrigatórios de conteúdo local estipulados nos contratos, em geral na faixa de 65% para as unidades de produção como os FPSOs, demandariam o máximo possível a ser feito no Brasil, ainda mais se tratando de projetos que têm sido feitos com bons resultados por diversas empresas nacionais. No entanto, a estatal optou por tirá-las do páreo. A companhia acredita que assim a entrega das unidades será mais rápida, desconsiderando casos brasileiros que foram mais ágeis até do que empresas chinesas, e tudo indica que com mais essas obras levadas ao exterior ficará bem difícil para a estatal cumprir as exigências da ANP.

O coordenador de conteúdo local da agência, Marco Túlio Rodrigues, diz que não se pode afirmar que a ida desses módulos para o exterior implica necessariamente no descumprimento dos índices, já que a avaliação da ANP não trata dos módulos especificamente, mas de etapas inteiras da construção do navio-plataforma. Ele afirma, porém, que as operadoras serão fiscalizadas com rigor, como tem acontecido principalmente de 2011 para cá, e, se os índices forem desrespeitados, haverá multas. Desde o início das avaliações de cumprimento de conteúdo local, a ANP já gerou autos de infração somados em R$ 50 milhões, mas esse número pode subir nos próximos meses, já que a agência tem uma série de processos tramitando internamente e agora começou novas operações de fiscalização. De acordo com Marco Túlio, haverá dois novos focos: os contratos da nona e da décima rodada de licitações de blocos realizadas pela ANP, em 2007 e 2008, respectivamente. “Esse esforço fiscalizatório que estamos fazendo é para mostrar às operadoras que isso não é brincadeira. E quando elas escolhem não cumprir com os compromissos, elas escolhem pagar as multas”, afirmou.

A Petrobrás abriu uma nova licitação para a construção de 24 módulos para seis replicantes e só convidou empresas estrangeiras. Além disso, as obras devem ser feitas fora do País. A ANP está a par?

Não estou sabendo. A Petrobrás não tem que notificar a agência em relação à estratégia de compras dela. Ela tem apenas que cumprir o conteúdo local.

Com tudo isso que tem acontecido, a Petrobrás procurou a ANP em algum momento para tentar flexibilizar os índices de conteúdo local?

A Petrobrás nunca consulta a agência com relação à estratégia de aquisição dela. Agora, nós investigamos sim o cumprimento desses compromissos. Estamos fazendo as fiscalizações e elas estão começando a mostrar alguns resultados que mais cedo ou mais tarde vão ser do conhecimento público. Enquanto estão em andamento, elas não podem ser reveladas. Mas após os trâmites, recursos e etc, com as decisões finais, a sociedade terá as informações.

Qual o total de multas aplicadas no Brasil por descumprimento de índices de conteúdo local até hoje?

Somando todas as multas de conteúdo local até hoje, já chegou a R$ 50 milhões. Isso considerando o total de multas desde o início do processo de fiscalização, sendo que as resoluções de conteúdo local começaram em 2007, mas as fiscalizações começaram mais firmemente mais tarde, principalmente depois de 2011, quando ficaram mais fortes.

Quanto foi gerado de multa em 2014?

Foram R$ 2,5 milhões, com R$ 1,79 milhão já recolhidos, referentes a seis blocos. Mas abrimos um conjunto de processos no ano passado e até o final de abril, com todo o trâmite, recursos e etc, devemos ter um resultado efetivo da fiscalização da sétima rodada.

Por que da sétima rodada?

O foco da fiscalização em 2014 foi a sétima rodada. Mas também fiscalizamos outras rodadas. Os principais blocos da sétima foram fiscalizados. Agora estamos abrindo focos de fiscalização da nona e da décima rodadas. Esse esforço fiscalizatório que estamos fazendo é para mostrar às operadoras que isso não é brincadeira. E quando elas escolhem não cumprir com os compromissos, elas escolhem pagar as multas.

Existe alguma possibilidade de flexibilização do conteúdo local sendo avaliada pela agência?

O Governo não vai abrir mão do conteúdo local. Talvez algumas coisas precisem ser aprimoradas, como tudo na vida, mas é uma decisão do governo fortalecer a indústria e aproveitar essas oportunidades. É importante que as operadoras entendam que a política é uma política séria.

A nossa indústria também tem que estar atenta a isso, porque ela precisa se capacitar para competir. O que digo muito, e talvez as pessoas não tenham entendido ainda, é que essa política não é protecionismo. Então a indústria competitiva é a que será efetivamente beneficiada. Existe um tempo que se tolera para essa busca da competitividade.

Existe uma cláusula de Waiver, que a gente chama de isenção da obrigação de cumprimento de conteúdo local. É um dispositivo contratual que permite a um operador, não encontrando os produtos e serviços em condições de competitividade no País, por inexistência de fornecedores, preços impraticáveis e/ou prazos absurdos, comprar fora do Brasil. Essa é uma característica importante. Ela consta nos contratos a partir da sétima rodada. A rigor, desde o contrato da primeira rodada, o contrato reza sobre condições competitivas. Na sétima tem essa cláusula, que está sendo regulamentada agora.

Ainda não foi colocada em prática?

Ela está no contato, mas precisa ter sua operacionalização definida. Porque, para a empresa solicitar o waiver de um equipamento, precisava comprovar que não existia no Brasil. Então para isso funcionar, com a agilidade necessária à indústria, precisa ver como será feito, as referências de mercado, a operacionalização, etc. Mesmo porque é uma política em que um contrato tem 25, 30 anos de duração se houver declaração de comercialidade. Então não adianta fazer com muita pressa, porque termina prejudicando a Indústria. É preciso que se estabeleçam procedimentos cuidadosos para que as concessões de waiver sejam legítimas e não prejudiquem os fornecedores brasileiros. Temos que evitar possíveis manipulações por parte dos operadores de preços e orçamentos para não afetar isso.

Em que fase está essa regulamentação?

Ainda nem fechamos a minuta de resolução disso. Estamos em fase de estudo de alguns pleitos dentro da casa, que estão sendo analisados por grupos. Tem grupo de sondas offshore, de sondas onshore, e a partir do momento em que formos estruturando esses blocos de pedidos, vamos estruturando a resolução.

Até hoje, não houve nenhuma aprovação desses pedidos?

Nenhum foi aprovado até hoje. Uma coisa que sabemos, por exemplo, é que não existe sonda offshore brasileira disponível hoje. Só existe uma no Brasil, a Olinda Star, da Queiroz Galvão, com 38% de conteúdo local e ainda assim voltada para águas rasas. As sondas offshore que são utilizadas em profundidades maiores são todas exportadas, então não tem certificação. Mas, não existe nenhuma nacional. Não é justo exigir que o operador contrate uma sonda nacional se ela não existe. Havia uma determinação para que antes de fazer a aquisição houvesse o pedido de waiver, mas até a agência percebeu que isso vai contra a dinâmica operacional das empresas. Então a procuradoria da agência reconheceu que de fato prejudica a operação e permitiu que até o final da fase (de exploração ou produção, por exemplo) se apresentem os pedidos. Se ela declarar comercialidade ou se o bloco é devolvido, finalizando a fase (de exploração), não tem mais como fazer o pedido de waiver.

Hoje as empresas já provisionam isso como passivo. Se elas perceberam que não conseguiram cumprir, já lançam como passivo a ser reconhecido.

Para as operadoras, pode valer mais a pena pagar a multa do que cumprir a regra, em termos financeiros?

Tem situações que, quando o descumprimento é muito pequeno, isso pode ser verdade, mas na maioria dos casos isso não é verdade. Na maioria dos casos, o descumprimento gera multas muito superiores ao que se gastaria fazendo contratações com fornecedores nacionais. Então essa estratégia é um furo. Quem apostou nisso, não vai se dar bem.

E teve muita gente que apostou nisso?

Eu ouvi muito isso no início, lá para 2011 e 2012. Hoje não ouço mais isso das operadoras.

No caso dos módulos dos replicantes, qual era o índice de conteúdo local acordado?

Não tem percentual por módulo. Tem por FPSO. Toda uma tabela de compromisso. Se ela não cumprir, vai arcar com multas. Com as escolhas empresariais que fizer, assim como qualquer operadora. Fica muito difícil para a agência acompanhar compras de itens. Claro que as grandes aquisições, nós temos notícia, mas não tem como acompanhar todas as compras. Mesmo porque a estratégia de conteúdo local é bastante complexa. Não é um produto ou outro. A aquisição de alguns módulos não configura necessariamente o descumprimento. Pode fazer a aquisição de um conjunto de módulos fora e o resto no Brasil para atender. Tem válvulas, controles elétricos, painéis de automação, tudo certificado, e alguém vai fazer essa integração. Então, quando diz que vai fazer o módulo fora, pode fornecer vários equipamentos brasileiros, assim como os módulos montados no Brasa utilizaram equipamentos trazidos de fora. É preciso analisar os detalhes do contrato e ter as informações sobre todas as aquisições e contratações para fazer a avaliação. Agora, uma coisa é certa: quem não atender ao percentual vai receber multa.

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Jose CarlosOsvaldoDouglasGuilhermus Sant'Anna Recent comment authors
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Guilhermus Sant'Anna
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Guilhermus Sant'Anna

Sou técnico na área off shore, hoje a perspectiva de trabalho para o setor interno é assustador e nosso governo vem com uma proposta dessas.
O país se encontra em decadência, para que esta acompanhando as noticias diariamente sabe que não só o governo atual mas os anteriores também tem participações nesse absurdo roubo assim como os empreiteiros e muitos dos funcionários de nossa estatal também.
Sera realmente essa a solução para um problema interno? Despir um santo para cobrir outro.

Douglas
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Douglas

Estou certo que temos empresas brasileiras de todos os portes que se fossem devidamente tratadas de forma profissional não estaríamos falando de conteúdo local; certamente teríamos a base industrial necessária. O que continua ocorrendo é a ausência de planejamento nas construções. Determinado operador tem carteira de 10 embarcações mas insiste em contratar fornecedores de uma por uma. Se tivessem uma visão de médio e longo prazo desenvolveriam, de fato, parcerias duradouras, assim como os japoneses fazem isso com maestria. O conceito de integrador tem que obedecer o conceito autromotivo de sistemistas. Parceria real!

Osvaldo
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Osvaldo

Trabalho na área a mais de 20 anos e o que temos visto é um monte de medidas paliativas que não visam o longo prazo. A Petrobrás poderia chamar empresas nacionais, em vez disso vai promover empregos na Ásia. O cenário que temos pela frente é cada vez mais nebuloso, pois o preço do barril Petróleo está despencando no mercado (45 dólares), o que coloca a prova as descobertas do pré-sal e os planos de investimentos da estatal. Tambem existe a possibilidade desta medida ser um novo balizamento de preços para as novas contratações da Petrobrás, já que os preços… Read more »

Jose Carlos
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Jose Carlos

Só para lembrar esse contrato dos 24 módulos já tinha sido firmado em 2012 e foi desfeito com a IESA. Prejuízo enorme para Petrobras, BG, Galp e principalmente para os trabalhadores e indústria do Rio Grande do Sul.
Erro grave da Cia devido questões políticas. E os chineses que não tem nada a ver com isso se darão bem mais uma vez.
Cumprimento de conteúdo local é uma falácia. Com este valor de multa “fa-me rir”