FIM DAS BARREIRAS DE ACESSO A GASODUTOS PODE IMPULSIONAR MERCADO DE GÁS NO BRASIL
Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) –
A Lei do Gás, promulgada em 2009, veio para acabar com uma série de problemas apontados pela indústria brasileira no passado, mas, depois de quase seis anos, a situação do mercado de gás nacional continua sem muitas mudanças em termos de controle – concentrado na Petrobrás – e expansão – sem perspectivas de ampliação da malha dutoviária. O presidente da consultoria Nat Gas, Márcio Balthazar, ex-funcionário de carreira da estatal, defende que haja novas mudanças na lei e acredita que o principal fator a ser modificado são as barreiras de acesso a gasodutos de transporte. Depois de trabalhar de 1974 a 2008 na Petrobrás, chegando ao cargo de gerente de desenvolvimento de negócios, Balthazar não entende o sentido de uma estrutura tão verticalizada para a estatal, e diz que a venda de participação – mesmo que mantendo o controle – nas distribuidoras de gás e nos ativos de transporte poderia ser uma medida interessante para deixar a companhia mais leve, além de capitalizá-la, sem gerar perda no foco de sua expansão. “A Petrobrás ser dona de 100% dos gasodutos é uma coisa que não se justifica. O core business, a essência, de uma empresa de petróleo é exploração e produção. Todo o resto é atividade meio”, afirma.
Além disso, o executivo critica a falta de planejamento no Brasil, apontando a Empresa de Pesquisa Energética como “apenas reativa”, e cita o exemplo do Plano Decenal de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário (Pemat), que foi aguardado por quatro anos, mas praticamente não trouxe novidades, somente um gasoduto de 11 quilômetros, para atender exclusivamente à necessidade da Petrobrás. Outro ponto defendido por Balthazar é a possibilidade de o País investir em pequenos terminais de Gás Natural Liquefeito (GNL), como é feito no Japão, para o escoamento por meio de navegação de cabotagem. “Cerca de 80% da produção e do consumo do Brasil estão nas regiões Sul-Sudeste. A grande âncora de consumo é o mercado industrial, que está mais concentrado nessas regiões, focado mais ainda no litoral. Então acho que este seria o modelo ideal para o Brasil, dadas as dimensões do País”, diz.
Como foi a criação da Nat Gas?
Comecei na Petrobrás em 1974, passei por diversas áreas, pela Petrofértil, virei gerente de desenvolvimento de negócios e me aposentei em 2008. Depois fui para a El Paso, ajudei em alguns projetos deles, e, quando saí, em 2010, fui chamado pela Supergabras para ajudá-los a entender como funcionava o segmento de gás natural, principalmente na parte de distribuição a granel, em que eles poderiam entrar. Então me contrataram e fiquei um ano e pouco lá. Depois criei a Nat Gas, tendo a Supergasbras como cliente.
O foco da consultoria é na área de gás?
Gás e óleo. Depois disso, participei do desenvolvimento de alguns novos campos, da viabilização comercial deles. O grande problema no Brasil hoje para quem está trabalhando offshore é como vai escoar o gás, e eu atuo com esse foco. Já existem muitas grandes ideias, mas de concreto é a canalização para terra, tratar e colocar para distribuição.
Sabemos que o volume de gás produzido no pré-sal está crescendo muito e que o Rota 3 não será suficiente para esse escoamento nos próximos anos. Como você vê isso e o que acha que seria a melhor solução?
O que a Petrobrás fala sempre que esse assunto é abordado é que primeiro eles não têm assim tanto gás, e o gás que têm, ou eles queimam na plataforma ou reinjetam no próprio campo. Nunca dão números mais precisos quando se pergunta sobre volumes. Mas não tenho dúvida de que vai ser necessário um sistema de dutos para escoar esse gás. Acho que alternativas como GNL embarcado, geração elétrica em plataforma e transmissão submarina não são as ideais para nós no horizonte que temos agora no Brasil. Mas uma boa ideia pode ser a criação de pequenos terminais de GNL pelo litoral do país, para o transporte por meio de cabotagem.
Como funcionaria isso?
Cerca de 80% da produção e do consumo do Brasil estão nas regiões Sul-Sudeste. A grande âncora de consumo é o mercado industrial, que está mais concentrado nessas regiões, focado mais ainda no litoral. Então acho que o modelo ideal para o Brasil, dadas as dimensões do País, seriam pequenos terminais de liquefação. É um conceito que vem se expandindo lá fora, à medida que já se consegue um sistema de movimentação criogênica de GNL em pequena escala. Então você tem movimentações menores. Um exemplo disso é o Japão, onde todo o GNL é importado e, quando ele chega à costa, é transportado por meio de cabotagem para pequenos terminais, que são muito mais baratos. No Brasil seria interessante começar a fazer isso para auxiliar o sistema, antes de entrar na expansão da malha de transporte.
Mas isso seria mais para importação, não?
Não. Digamos que tenha um grande fluxo em um ponto, como o pré-sal. Coloca-se um grande terminal de liquefação ali, e dali vai transportando para outras localidades ou até exportando. Acho que isso é uma possibilidade.
E com a chegada do gás à costa, como você acha que deve se configurar o mercado de downstream?
Uma alternativa que eu venho defendendo é que, além de ter que eliminar as barreiras de acesso, todas as UPGNs (Unidades de Processamento de Gás Natural) têm que fazer parte do sistema de transporte, porque afinal de contas você tem que especificar o gás para ele poder ter acesso ao gasoduto de transporte. Então a atividade de tratamento de gás é muito menos uma atividade industrial, de refino e processamento, e muito mais ligada ao próprio transporte. Mas o passo fundamental é acabar com as barreiras de acesso.
Como elas funcionam no sistema atual?
A Petrobrás controla 100% do sistema de transporte no Brasil e alguns gasodutos são sujeitos a regimes de exclusividade. Tem que acabar isso, mudar a lei para isso. O que não é possível é ter – e a Petrobrás tem – sócios no sistema que precisam escoar o gás para terra e ter uma barreira de acesso. Exemplo: eu sou sócio da Petrobrás num campo, mas na hora de escoar minha parcela de produção de gás vou ter que vender para ela, porque não consigo ter acesso à rede. Não consigo comercializar meu gás no sistema. Isso tem que acabar.
Mesmo que a lei permita isso, enquanto a Petrobrás for a dona dos gasodutos, na prática vai continuar acontecendo o mesmo, não?
Não necessariamente. Tendo livre acesso, é uma questão de se pagar a tarifa. Outro ponto é esse. A Petrobrás ser dona de 100% dos gasodutos é uma coisa que não se justifica. O core business, a essência, de uma empresa de petróleo é exploração e produção. Todo o resto é atividade meio. Até o refino. Ela não precisa controlar todo o sistema de transporte para escoar o seu gás. O sistema de transporte é como se fosse uma estrada, uma rodovia. A Petrobrás não precisa ser dona de todas elas para levar seu gás.
O gasoduto Itaboraí-Guapimirim não é um primeiro passo nessa mudança?
São 11 quilômetros só. É um gasoduto muito pequeno e que só atende à própria Petrobrás nesse caso.
Quais devem ser as mudanças na lei, na sua opinião?
A lei do Gás não responde à maior parte dessas questões. Ela ainda tem reserva de mercado, tem regimes de exclusividade. Primeiro tem que acabar com regimes de exclusividade. Tem que ter acesso livre para qualquer eventual carregador.
Mas a Petrobrás investiu em todos esses gasodutos, seguindo a lei antiga. Essa mudança, se fosse retroagir aos gasodutos já existentes, não deveria gerar uma indenização à Petrobrás?
Não, não. Ela vai receber tarifa como proprietária – uma tarifa justa pelo serviço –, e não precisa ser indenizada. Agora, ela só seria obrigada a dar acesso se o sistema tivesse capacidade para isso. Se ela tem um contrato para um gasoduto de transporte, ele vai continuar em vigor. No mundo, um carregador se apresenta para o regulador e demonstra que quer fazer uma movimentação. Então alguma coisa tem que ser feita. Se o transportador não fizer, abre-se uma licitação para outro transportador. O fato de abrir acesso não vai tirar o direito da Petrobrás de transportar o seu gás.
Além disso, não adianta ter alguns gasodutos liberados e outros não. Porque se, por exemplo, uma empresa precisa levar uma carga do Rio ao Paraná, mas tem acesso somente até São Paulo, o transporte é inviabilizado.
Qual sua sugestão além do fim dessas barreiras de acesso?
A Petrobrás poderia adotar em seu sistema de transporte o mesmo modelo que usa na TBG – responsável pelo Gasoduto Bolívia-Brasil –, em que ela tem 51% de participação no Brasil. Se considerar o trecho da Bolívia, ela tem menos de 50%. Então qual o problema de adotar esse modelo? Acho que seria bom para a empresa e para o País se ela desinvestisse em ativos de transporte. Ela participa de quase todas as distribuidoras de gás do Brasil, a não ser da CEG e de duas de São Paulo. Por quê? Ela não tem vantagem nisso.
Por que você acha que isso vem sendo mantido?
Por uma questão histórica, talvez. A Petrobrás entrou no processo das distribuidoras como forma de constituir essas distribuidoras para que elas tivessem seus contratos com o gás boliviano. Ela participa de todas, mas, do ponto de vista regulatório, não há nada que justifique um produtor de gás participar do sistema de distribuição. Ele não tem nenhum benefício por ser acionista. A Petrobrás é uma das empresas de petróleo mais verticalizadas no mundo.
Qual a solução que você acredita para isso? A privatização dessa área da Petrobrás?
Acho que temos que falar de alternativas viáveis, até do ponto de vista político. Então ela não precisa privatizar a área de downstream. Se ela admitir entrar no processo de avaliação de ativos e admitir sócios, por exemplo, numa TAG, que controla todos os ativos de gás natural, ela vai ficar mais leve. Vai funcionar mais leve, com um processo de governança corporativa mais transparente. Isso pode ser feito inclusive sem que ela abra mão do controle, mas de 49%, por exemplo. Ela iria se capitalizar com um volume que poderia financiar outras atividades e melhoraria sua situação.
Acredita que haveria investidores interessados?
Sem dúvida. O que o Brasil precisa é de seriedade nos contratos. Investidores privados para esses ativos não faltariam. Um negócio em que se tem a Petrobrás e outros produtores garantindo a demanda, não vai faltar dinheiro de investidores interessados.
Como vê o planejamento energético e da malha de dutos no Brasil?
Esse País não tem planejamento energético. A gente vê uma EPE (Empresa de Pesquisa Energética) apenas reativa. O Pemat (Plano Decenal de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário), que era tão esperado – foi aguardado por quatro anos –, quando saiu, veio um calhamaço de 280 páginas, com apenas um gasoduto de 11 quilômetros. Falaram de quilombola, de um monte de coisas, e a única recomendação foi o gasoduto Itaboraí-Guapimirim, de 11 quilômetros. É brincadeira. E esse é um dos maiores problemas: a absoluta falta de planejamento.
É preciso um planejamento de 10 anos, bem desenvolvido, do ponto de vista ambiental, econômico, de demanda da Petrobrás, de regularidade das rodadas de petróleo. Isso é fundamental. Não podemos ficar simplesmente reagindo às circunstâncias, ao invés de ter uma postura ativa.
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