INDÚSTRIA ENERGÉTICA DEFENDE NOVAS REGULAÇÕES E MAIOR PARTICIPAÇÃO DA INICIATIVA PRIVADA NA MALHA BRASILEIRA DE GASODUTOS

Por Luigi Mazza (luigi@petronoticias.com.br) –

Joisa DutraEm tempos de mudanças políticas, o setor energético começa a traçar novas diretrizes no Brasil. Ao passo que hoje a ampliação das parcerias público-privadas está em pauta no governo, o momento é de retomar projetos e consolidar reformas que permitam o desenvolvimento do mercado nacional para os próximos anos. Com esse foco, representantes e executivos do segmento se reúnem nesta segunda-feira (23) para avaliar as novas perspectivas da indústria no seminário “Desafios para a Regulação de Energia e Transportes”, promovido pela FGV, que deverá trazer para o centro do debate a adaptação da infraestrutura brasileira ao atual cenário de mercado. A expectativa do setor é de que, no rastro da crise, as regulações da indústria nacional passem por uma revisão e voltem a atrair tanto o interesse quanto a confiança de investidores. De acordo com a diretora do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV, Joísa Dutra, um dos principais desafios a ser vencido hoje é a redução da participação da Petrobrás na rede de transporte e distribuição de gás natural, medida que pode garantir uma ampliação da malha de gasodutos no país e uma maior oferta do insumo nos mercados regionais. Diante do plano de desinvestimentos da estatal, que já fechou a venda de 49% dos ativos da Gaspetro e avança hoje nas negociações para a venda dos gasodutos do Sudeste, o setor espera que o governo estabeleça novas políticas que orientem a entrada da iniciativa privada nesses projetos. Segundo Dutra, que também defende a adaptação das regras para microgeração distribuída, o planejamento da Petrobrás pode servir de gatilho para mudanças necessárias na indústria brasileira. “A política de desinvestimentos é uma oportunidade para equacionar o desenvolvimento desse mercado, com agentes entrando para ampliar a malha e otimizar o volume de recursos e de gás transportado.”

Que prioridades que devem ser adotadas no setor de energia pelo novo governo?

O setor ficou muito impressionado com o novo ministro e a disposição dele para que o segmento funcione melhor e tenha um desenvolvimento mais harmônico. Um dos grandes problemas enfrentados hoje é a sobrecontratação, o que evidencia a dificuldade colocada pelo atual modelo. Isso coloca uma oportunidade de revisitarmos essa estrutura, talvez respeitando seus pilares.  A partir dessa análise, poderíamos inclusive criar condições para uma maior disseminação do recurso distribuído de energia, que pode ser para micro/mini geração ou para armazenamento elétrico. São recursos que já estão aqui, têm possibilidade de crescimento e já estão causando um reposicionamento estratégico de várias empresas do setor. A direção da regulação é no sentido de incentivar esses recursos, mas precisamos que ela também seja capaz de permitir a geração de valor em toda a cadeia. É preciso garantir equilíbrio econômico.

Como seria essa mudança na regulação de energias renováveis?

Precisamos valorar os serviços que a rede oferta. Mais de 95% dos consumidores que começam a colocar instalações para geração de energia continuam conectados à rede, e, se estão conectados, a rede presta um serviço de confiabilidade de suprimento. Se a pessoa tiver um painel solar e passar uma nuvem, ela vai usar a rede. Se ela gera em um horário diferente do que consome, ela está usando a rede. Isso tem um valor e precisa ser compensado.

Isso vem aumentando com o crescimento da microgeração?

Ela tem uma derivada positiva, mas ainda é pequena, não tem um crescimento tão dramático. O que você tem é uma taxa de crescimento elevada porque a base era pequena. Este é o momento de fazer reflexões que adaptem a regulação nas leis, não apenas na agência, para refletir as condições adequadas. O setor hoje não causa problema porque representa uma parcela muito pequena, mas vemos que nos países onde há um crescimento grande estão começando a passar por problemas de subcompensação. Isso então causa um efeito perverso, porque os que ficam na rede acabam compensando os que saem, e sempre sai quem pode mais.

Essa mudança regulatória se adapta ao atual momento do setor no Brasil?

A regulação já tem o direcionamento do incentivo, então só dizemos que é preciso pensar o outro lado da regulação. Não basta gerar o incentivo e ir em uma direção, é preciso analisar os efeitos de incentivar e buscar os mecanismos, como estabelecer tarifas. Tudo vai depender de um conjunto de tarifas e isso precisa ser medido, porque a energia tem valor diferente em tempos e espaços.

Qual é hoje o maior desafio para a retomada do setor brasileiro de energia?

Um desafio importante que temos é avaliar o papel da Petrobrás no mercado. Ela é um player muito importante no setor de energia elétrica, e precisamos ter condições para um desenvolvimento mais harmônico de gás natural. Levando em conta inclusive os desinvestimentos, deve ser adotada uma visão de país para avaliar essa política, para que ela gere benefícios não só pra companhia, mas para o setor de energia como um todo. Então precisamos reavaliar a participação da Petrobrás nas redes de transporte e distribuição de gás natural.

Isso envolve a abertura à iniciativa privada?

É fundamental que sim, porque o gás natural tem um papel muito relevante no setor de energia elétrica neste novo momento. Ele tem uma série de benefícios para ajudar em uma inserção sustentável dos recursos renováveis intermitentes.

Que benefícios são esses?

O gás pode conferir o que chamamos de flexibilidade. A geração de renováveis intermitentes tem uma flexibilidade muito grande, mas as pessoas querem suprimento, então é preciso acomodar isso. Eu penso que uma avaliação adequada do desenvolvimento do setor energético deve atentar para este papel do gás natural na nova arquitetura do setor.

O que deve nortear as novas políticas para o setor de gás natural?

Até agora só sabemos que existe uma prática de desinvestimento, mas não sabemos que política vai orientar isso. É necessário permitir que tenhamos um mercado, com novos agentes responsáveis pelas redes de transporte e distribuição. Tendo um agente concentrado nessa atividade, ele vai querer que mais gás seja distribuído, e com isso teremos mais gás chegando ao mercado com custos menores para todos os usos.

Quais são as principais dificuldades impostas pela atual malha?

Existe definitivamente um desenvolvimento muito insipiente dessa malha. As pessoas costumam avaliar fatores como “não tem gás porque não tem rede, não tem rede porque não tem gás”, mas não é assim. Existe gás associado da Petrobrás, GNL, gás em terra e múltiplas possibilidades para disponibilidade de gás.

Como essa pauta vem sendo encarada desde a Lei do Gás?

É uma pauta antiga, mas se torna cada vez mais necessária porque não podemos contar com o desenvolvimento do setor elétrico, com as hidrelétricas. As renováveis estão crescendo, então o gás natural assume maior relevância. A política de desinvestimentos da Petrobrás é uma oportunidade para equacionar o desenvolvimento desse mercado, com agentes entrando para ampliar a malha e otimizar o volume de recursos e de gás transportado.

Como seria a participação desses agentes privados?

É possível que tenhamos um potencial de produção a partir de outras empresas até no pré-sal, então podemos ter um aumento na disponibilidade de gás, e esse gás precisa chegar ao mercado. Teremos condições de estimular a participação no segmento de produção, e conhecemos pouco do nosso potencial de gás em terra.

Nesse sentido, os desinvestimentos da Petrobrás vêm sendo positivos?

Acho que é cedo para sabermos, ainda há uma estrada longa a ser percorrida. Precisamos saber que estrutura vai resultar do ponto de vista político, regulatório e quais as condições para a atratividade do setor.

Qual seria o modelo para a entrada da iniciativa privada? A Petrobrás se manteria como operadora da malha de gasodutos?

Isso precisa ser pensado, mas a tendência é de que haja um operador independente, com a Petrobrás se desfazendo de participação nas redes. É preciso garantir neutralidade no acesso às redes de escoamento de gás natural.

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