INDÚSTRIA NAVAL DIZ TER SUPERADO DESAFIOS DO CONTEÚDO LOCAL E AGORA BUSCA COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL
Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) –
Com a confirmação de que a Petrobrás irá explorar os volumes excedentes da Cessão Onerosa, no pré-sal da Bacia de Santos, a indústria naval poderá contar com um horizonte de encomendas ainda mais vasto, num cenário que já era de otimismo com as perspectivas geradas pelo leilão de Libra. O presidente de Associação Brasileira das Empresas de Construção Naval e Offshore (Abenav), Augusto Mendonça, diz que ainda não é possível fazer uma previsão detalhada, porque o cronograma de produção das áreas não foi divulgado, mas prevê que haja um potencial para a construção de 15 a 20 plataformas, provavelmente todas do tipo FPSO. No total, o volume de encomendas deve girar em torno de US$ 30 bilhões, segundo Mendonça, que estima ainda cerca de 50 barcos de apoio para atender às operações. Num momento em que muitos estaleiros estão no limite da capacidade, algumas fases da construção de plataformas têm sido feitas no exterior, o que gera no mercado dúvidas sobre os níveis de exigências nos quesitos de Saúde, Segurança e Meio Ambiente (QSMS) em relação aos estaleiros estrangeiros, mas Mendonça afirma que, mesmo que os princípios variem de país para país, o índice norteador é o número de horas paradas por acidentes de trabalho. Além disso, ele afirma que a parte feita no exterior é apenas a conversão dos cascos, não passando de 20% do total dos contratos. Segundo o executivo, o desafio de atingir os percentuais de conteúdo local já foi superado e agora a mira do setor está em outro ponto: “Nosso grande foco hoje é a competitividade”. Para isso, além de trabalhar o avanço tecnológico, a produtividade e a cadeia de fornecedores, estão criando um grupo de trabalho, junto com a Apex, para promover a construção offshore brasileira no mercado internacional a longo prazo.
Qual a expectativa de encomendas dos estaleiros brasileiros com os excedentes da Cessão Onerosa?
Hoje não existe um cronograma de exploração dessas áreas, então é um pouco difícil saber quando acontecerá. Mas, em termos de potencial de encomendas, pelo volume que se fala das reservas, deve ser algo em torno de 15 a 20 plataformas, na faixa de US$ 30 bilhões. Provavelmente todas do tipo FPSO. É uma coisa maior do que está se falando de Libra. Mas Libra tem um prazo definido. Se não produzirem lá mais de um milhão de barris por dia, vão acabar deixando óleo no campo.
E em relação a barcos de apoio?
Numa fronteira nova, para cada plataforma em operação, há a necessidade de três a quatro embarcações de apoio, principalmente na fase de implantação. Então seriam umas 50 embarcações de apoio, mais ou menos. Como não temos um plano definido, é uma conta média.
A indústria nacional terá capacidade de atender a mais essa demanda?
O que a gente vem trabalhando, inclusive junto ao governo, é no sentido de equalizar a demanda de plataformas com a oferta que os estaleiros conseguem produzir. Então existe um trabalho no sentido de dimensionar a capacidade de produção da indústria nos estaleiros, principalmente na área offshore, que é a parte mais pesada. E esse estudo mostra que existe um equilíbrio até 2020. A partir dai, haverá uma capacidade de produção muito elevada, porque há estaleiros novos, de ultima geração, em implantação. Então teremos uma capacidade de produzir 10 a 12 plataformas por ano no país.
Qual a capacidade de países como Coreia, Cingapura e China atualmente?
A China é difícil dizer, porque eles não participam disso ainda. Fazem conversões de cascos e algumas partes, mas não a plataforma completa. O benchmark internacional é Cingapura, que tem uma capacidade de produzir de três a quatro por ano. Na Coreia, juntando todos os estaleiros, o potencial é grande, de umas cinco ou seis por ano. Teremos a maior capacidade do mundo em termos de construção offshore. É a oportunidade que temos de levar a indústria para ser um benchmark mundial. Vamos ter mercado para isso, se os leilões de partilha continuarem acontecendo.
Quais são os maiores gargalos da indústria naval brasileira atualmente?
Continuamos ainda com uma necessidade importante de mão de obra. De formação técnica e de engenheiros. Melhorou, mas ainda não resolveu. Talvez seja resolvida em longo prazo, porque é uma formação demorada. Mas nosso grande foco hoje é a competitividade. Estamos trabalhando fortemente nisso. Não temos mais problemas de atingir conteúdo local, isso já foi superado, mas é importante que façamos isso com competitividade. Este ainda é um grande desafio.
Quais são os principais entraves à competitividade?
Do lado de dentro dos estaleiros, temos que buscar sempre a inovação, o desenvolvimento de tecnologias. A área de soldas, por exemplo, é extremamente importante, então temos que ter pesquisa permanente, para aumentar a produtividade dentro dos estaleiros. O segundo ponto é dentro da cadeia produtiva, que necessita de fornecedores competitivos. Quando falamos de conteúdo local acima de 60%, temos muitas coisas competitivas, que inclusive exportam, mas ainda tem muitas coisas que estão longe dessa competitividade.
Pode dar exemplos?
É difícil falar disso, porque não dá pra citar coisas específicas. Eu estaria trazendo a público discussões que estão sendo feitas no âmbito privado. Estamos tratando disso diretamente com a indústria.
De que maneira?
Em termos gerais, o que temos feito é conversar com as associações e entidades ligadas às áreas. Elas então trabalham este tema junto às empresas, porque envolvem outras questões, como infraestrutura do país, importações de materiais e equipamentos, a questão tributária, diversos fatores. Outra coisa que buscamos é a atração de empresas estrangeiras que têm tecnologias avançadas para se aliarem a empresas daqui.
Por que os estaleiros da China têm sido procurados para agilizar a produção de plataformas brasileiras?
O que está sendo feito lá fora são conversões de casco. Quando você vai fazer a conversão de um casco, existe um trabalho importante de dique seco, e não existe muita disponibilidade de dique seco no Brasil. A conversão tem um peso de mais ou menos 20% da plataforma inteira, então é um grande trabalho em termos de tempo, mas não de valor. É basicamente troca de chapas de aço.
Não compromete o conteúdo local?
É um gargalo de baixo valor agregado, então, se fizer fora, vai ter uma diferença pequena de conteúdo local, mas em termos de prazo vai ter uma diferença grande. Não compromete seriamente o conteúdo local. A Ásia de modo geral atende a isso. Não só a China, mas também Filipinas, Vietnã, vários países com uma qualificação menor que a nossa. Para se ter uma deia, hoje Cingapura manda fazer boa parte desse trabalho fora do país também.
As exigências em relação a QSMS e direitos trabalhistas lá são as mesmas que aqui?
Em geral são as mesmas. Mas isso é uma reclamação um pouco difícil de termos acesso. Esses trabalhos são realizados fora do Brasil e gerenciados por empresas brasileiras aqui, então é difícil saber como é o QSMS lá, mas em princípio deve ser algo bem controlado.
Quais as diferenças nos critérios de fiscalização das empresas aqui e lá? Quais as sanções previstas para as empresas estrangeiras caso elas não cumpram essas exigências?
As exigências técnicas, sem dúvida, são as mesmas. Não tem como não cumprir. Se você tem um trabalho sendo realizado, ele tem que atender as exigências técnicas de qualquer forma, senão não é liberado. Precisam de uma certificação dada por uma classificadora independente, como DNV, ABS e BV. Em termos de QSMS, em cada país existe uma legislação própria, mas o principal, que todo mundo mede, é a quantidade de horas perdidas por acidente de trabalho. Então esse índice, muito provavelmente, deve fazer parte do contrato principal.
Na Ásia esse índice está equiparado à média brasileira?
Não sei dizer. Alguns países têm exigências muito baixas, mas não significa que tenham um número maior de acidentes. Tem países com uma indústria muito desenvolvida, como na Europa, onde as exigências são baixas e os níveis de acidentes também são muito baixos, porque já há uma preparação para o trabalho, uma experiência. Ao mesmo tempo há países em que a mão de obra não está tão preparada e podem ter um número de acidentes maior.
Qual é o quadro na Ásia?
Visitei muitos estaleiros em Cingapura, e vi que as exigências são bem elevadas. Na Coreia, no Japão e na China, a mesma coisa, mas é difícil generalizar. Visitei dois estaleiros na China, de 50 ao todo. Tive uma percepção, mas não tenho dados estatísticos.
Como a Abenav vê essa questão? Quais são as estratégias da associação para defender os estaleiros nacionais?
O mais importante de tudo é que sejam cumpridos os índices mínimos de conteúdo local. Até porque são exigências contratuais. Em segundo lugar, tem que ser cada vez com mais competitividade. Nós estamos em contato com a Apex para que a Abenav seja coordenadora de um grupo, apoiado pelo governo, para incentivar as exportações brasileiras de construção offshore. Na medida em que estivermos exportando, estaremos com a qualidade e o preço internacional, que é onde devemos chegar. Além de abrir outras oportunidades de mercado para os estaleiros brasileiros.
Como deve funcionar esse grupo?
Ele vai identificar onde o Brasil teria melhores oportunidades de participar e quais seriam as ações necessárias para termos chance de ganhar contratos, com competividade. Imaginamos que esse grupo deve se implantar a partir do ano que vem, com ações de longo prazo, para identificar mercado, aproximar as empresas, envolver as entidades importantes no processo, o governo, as associações, e em muitos casos talvez a Petrobrás.
Deixe seu comentário