NOVOS INVESTIMENTOS NA TECNOLOGIA NUCLEAR AUXILIARÃO A AGRICULTURA BRASILEIRA E O COMBATE A DOENÇAS

Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –

29543821370_6ef759fe4e_bO tema saúde está mais do que em evidência durante esses tempos de pandemia. Enquanto a Ciência busca a saída para vencer a Covid-19, pesquisadores trabalham com novas técnicas para frear outras enfermidades igualmente perigosas. Em ambos os cenários, a tecnologia nuclear ganha especial relevância. Para tratar desse assunto, conversaremos hoje (4) com a futura nova integrante do Conselho Curador da Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares (Abdan), Patricia Wieland. Ela apontou que um novo programa da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) irá trazer inovações em técnicas nucleares, além de ajudar a prevenir possíveis novas pandemias. Wieland, que também é consultora da World Nuclear University (WNU), afirma ainda que estão sendo feitas pesquisas muito promissoras com o desenvolvimento de novos radiofármacos emissores alfa para o tratamento de câncer. Pensando além da questão da saúde, as aplicações da tecnologia nuclear também podem trazer benefícios econômicos – especialmente para o Brasil. “O  que me vem à cabeça, de imediato, como grande potencial de desenvolvimento econômico, é a irradiação de alimentos, que iria por exemplo, impulsionar a exportação de frutas do Nordeste”, afirmou. A posse de Wieland como conselheira da Abdan está marcada para a próxima quinta-feira (5). 

A pandemia de Covid-19 evidenciou o uso das tecnologias nucleares na medicina por conta do teste de diagnóstico RT-PCR. Poderia falar também sobre o avanço do uso de técnicas similares no futuro?

Com a pandemia, veio um conhecimento maior por parte da população sobre essas técnicas. O PCR já era usado para outros outbreaks. Agora ficou mais famoso, inclusive sendo usado em aeroportos e em muitos outros lugares. Ainda em relação à Covid-19, a tomografia computadorizada também se mostrou uma técnica fundamental para acompanhamento da evolução da doença.

A Agência Internacional de Energia Atômica, junto com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e a World Organization for Animal Health, tomou a iniciativa de estabelecer o programa ZODIAC (Zoonotic Disease Integrated Action). O objetivo é prevenir pandemias causadas por bactérias, parasitas, fungos ou vírus de origem animal que podem ser transmitidas ao homem, como por exemplo o vírus da Zika, coronavírus e vírus da gripe aviária.

Esse programa para pesquisas coordenadas visa a monitoração de patógenos e diagnóstico de doenças, além do auxílio para tomada de decisão de governantes a tempo hábil para evitar um novo surto. Irá trazer inovações em técnicas nucleares, isotópicas, moleculares e imunológicas.

Essa colaboração entre diferentes organizações na prevenção de novos surtos pode trazer que tipo de resultados?

teste-novo-coronavirus-1583536024256_v2_450x337Eu sinto que essa nova gestão da AIEA, sob a liderança do argentino Rafael Grossi, se envolverá muito mais na parte de inovação e colaboração internacional. Sempre existiu uma colaboração com a FAO. Agora, com esse novo programa ZODIAC, também estão incluídas outras organizações. Além disso, estamos vendo a AIEA mencionando em seus webinars a colaboração não em relação às pandemias, mas também com outras áreas. É muito interessante fazer com que os órgãos das Nações Unidas e outras organizações trabalhem em consonância. Isso só tende a trazer benefícios.

Poderia nos contar sobre pesquisas e estudos em andamento pelo mundo sobre possíveis novas aplicações da tecnologia nuclear na saúde?

Existem pesquisas muito promissoras com o desenvolvimento de novos radiofármacos emissores alfa (por exemplo, o Ac-225) para a tratamento de câncer localizado, pois reduz a dose de radiação em tecidos normais. Um emissor alfa tem um alcance muito curto, enquanto que os emissores beta atinge muito mais tecidos. Então, imagine que uma pessoa receba um radiofármaco dentro do seu corpo para chegar a determinado órgão. No caso de um emissor beta, ele irá irradiar o órgão e um pouco além do tecido que precisa de tratamento. Já o emissor alfa é muito mais localizado e a radiação não atinge outros tecidos.

Já se sabia há muito tempo sobre o uso dos emissores alfa para medicina nuclear. Mas não é fácil produzi-los. O Ac-225, por exemplo, precisa de uma tecnologia mais avançada. Então, hoje em dia, a pesquisa e o desenvolvimento estão focados em como conseguir quantidades que sejam escalonáveis de Ac-225 para o tratamento em várias partes do mundo.

Além disso, a aplicação da Inteligência Artificial nas tecnologias nucleares vai disparar nos próximos anos. Isso por conta da capacidade de analisar grandes quantidades de dados e imagens, auxiliando a tomada de decisão.

Quais são as principais potencialidades do Brasil com a ampliação do uso da radiação nuclear?

O Brasil tem capacidade de ampliar o uso da irradiação para diversas finalidades. Recentemente, o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) recebeu obras de arte africanas para tratamento com radiação. Existe o reconhecimento internacional da capacidade técnica [brasileira]. Mas não tem escala. Os poucos irradiadores de grande porte estão localizados apenas no Sudeste.

O  que me vem à cabeça, de imediato, como grande potencial de desenvolvimento econômico, é a irradiação de alimentos, que iria por exemplo, impulsionar a exportação de frutas do Nordeste.

A nossa formação atual de profissionais é suficiente para dar conta de uma provável expansão do uso da tecnologia nuclear no país?

A formação de profissionais para a área nuclear demanda longo tempo e, ao meu ver, é fundamental a existência de centros de pesquisa no país que sejam voltados à inovação. Isso manteria acesa a chama de interesse, a atualização tecnológica e o reconhecimento do Brasil como ponta em pesquisa e desenvolvimento na área nuclear, o que apoia o circuito para atrair novos talentos.

Você acredita que o mercado de trabalho do setor tende a crescer, visto a tendência de aumento do uso das tecnologias nucleares?

photo-chemical-purification-and-catalysts-agricultureVemos nos últimos dois anos que está em uma constância de crescimento [o uso das tecnologias nucleares]. Isso, claro, é muito importante para atrair estudantes. Não pode existir incerteza de emprego.

O Brasil é muito bom em termos de centros de pesquisas. Isso é muito importante para manter a atualização tecnológica, mesmo das pessoas que já terminaram seus estudos e ainda não foram para a indústria. Essa relação entre centro de pesquisa e indústria é muito importante. De um lado, a indústria tem que dizer para os centros de pesquisa quais são as suas necessidades. Os centros de pesquisa, por sua vez, precisam se manter sempre atualizados, com inovação e formando profissionais.

Não é só a parte tecnológica que é importante para atender a expansão do programa nuclear no país. Eu acredito que é importante ter também pessoas com habilidades para gerenciar projetos longos e complexos. Acho que, talvez, essa área de formação de liderança de projetos de longo prazo poderia ser um pouco mais desenvolvida no Brasil e receber mais de atenção. Com a ampliação prevista do programa nuclear para o Nordeste, precisaremos de muitos gerentes. Eles têm que ser preparados.

Ao seu ver, quais usos da tecnologia nuclear poderiam ser mais explorados pelo Brasil?

Sou fã da Agenda 2030 das Nações Unidas e os goals do desenvolvimento sustentável. A AIEA aponta que a área nuclear pode contribuir para os goals: fome zero e agricultura sustentável, saúde e bem-estar, água limpa e saneamento, energia limpa e acessível, ação contra a mudança global do clima, inovação em infraestrutura, vida na água, vida terrestre e parcerias e meios de implementação. 

O desenvolvimento de novos materiais (por exemplo, embalagens degradáveis) que atendam à economia circular, atende vários goals, como vida na terra, na água e desenvolvimento industrial. A preservação de alimentos com radiação, evitando o desperdício, atende claramente o goal 2 – Fome zero. O Brasil pode contribuir muitíssimo nesse aspecto.

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