PARCERIA ENTRE BRASIL E ARGENTINA AVANÇA NO SETOR NUCLEAR

Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) – 

LEONAM 3O Brasil ainda lidera a capacidade de geração nuclear entres os países vizinhos da América do Sul, com um domínio do ciclo do urânio avançado, mas a Argentina, o único dos países da região que também possui geração nuclear, também vem apresentando avanços no segmento. O Diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente da Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães, avalia que os dois países vêm traçando caminhos paralelos. Enquanto estamos à frente no quesito geração energética e no enriquecimento de urânio, a Argentina avança na parte de reatores de pesquisa, já sendo inclusive exportadora. O país vizinho também está perto de chegar à potência máxima da usina de Atucha II, que também teve as obras paradas por anos, assim como Angra III, e desenvolve um protótipo de reator modular para aumentar a capacidade de geração. Mesmo que o costume brasileiro seja o de rivalizar com os argentinos, na área nuclear a realidade é o oposto disso. Leonam conta que hoje a parceria entre os dois países só avança e tem detalhes, como a ABACC – Agência Brasileiro-Argentina de contabilidade e controle de materiais nucleares –, que poderiam servir de exemplo para o mundo.

O diretor vai falar sobre o programa nuclear brasileiro e sobre o diálogo com os países vizinhos em evento nesta quinta-feira (6), na PUC-Rio, organizado pela Carnegie Endowment for International Peace e pelo Instituto de Relações Internacionais da universidade carioca. O debate contará ainda com a participação de Eduardo Diez, coordenador do Comitê de Assuntos Nucleares do consulado argentino de Relações Internacionais, e a mediação do Dr. Togzhan Kassenova, especialista em Programas de Política Nuclear. Apesar das expectativas do setor nuclear com a aprovação de novos projetos, Leonam diz que ainda estão à espera do lançamento do Plano Nacional de Energia 2050, que deve trazer novidades. Enquanto isso, mesmo sem novas previsões para a construção de outras usinas no país, o executivo avalia que a participação privada no segmento pode ser um fator interessante no futuro. “A Eletronuclear acredita que há várias formas de ampliar a participação privada sem modificação da constituição. Ao menos num primeiro momento. Não quer dizer que não possa haver mudanças num segundo momento, se essa participação se mostrar muito ativa. O sucesso dessa ampliação pode instigar no futuro que haja interesse até nessa participação majoritária, mas isso tem que ser degrau por degrau”.

Como será sua apresentação no evento?

Vamos falar de Angra I, II e III, de novos projetos, da INB, do desenvolvimento de novas minas, do projeto do reator multipropósito brasileiro, e do programa do submarino nuclear que vem sendo conduzido pela Marinha. Pretendo fazer um panorama geral sobre estas vertentes.

Quais são os destaques na América Latina atualmente em termos de novos projetos nucleares?

Na Argentina, a usina de Atucha II entrou em operação há pouco tempo e já está quase na potência máxima. Na semana passada tinha chegado a 75% da capacidade e em breve deve chegar ao máximo. É um projeto que também ficou muito tempo parado, assim como Angra 3, foi retomado, e agora colocaram em operação. No mesmo local está sendo construído um protótipo chamado Caren, que é um protótipo de reator modular. Hoje são muito discutidos no mundo esses reatores modulares.

Outro país que tem uma indústria nuclear é o México, que tem duas usinas, e está analisando o projeto no sentido de que uma terceira comece a ser construída para entrar em operação em 2020. O Chile também está estudando e já recebemos inclusive comitivas deles. A Bolívia recentemente divulgou que o presidente Evo Morales estaria firmando um acordo com a Rússia para a instalação de uma usina. Ainda não se sabe se vai pra frente, mas foi noticiado. Enfim, há alguns interesses, mas podemos dizer que o Brasil, a Argentina e o México estão à frente, sem dúvida.

Como o Brasil está posicionado em relação aos países do entorno?

Temos uma indústria maior do que a da Argentina, mas eles também estão desenvolvendo. Estamos quase que com caminhos paralelos. Atucha II foi interrompido num estágio bem mais avançado que Angra 3, além de ser uma usina menor, com menos da metade da potência de Angra 3. Uma área em que eles são mais avançados que nós é em relação a reatores de pesquisa. Já são até exportadores. Venderam para o Peru no passado e mais recentemente para a Austrália. Nós somos mais avançados em potência de geração elétrica nuclear e no enriquecimento de urânio, mas caminhamos trilhas paralelas. São os dois países líderes nesse setor na América Latina.

Como tem sido o diálogo com os países vizinhos nesta questão?

Muito positivo. O Brasil e a Argentina são precursores a nível mundial neste quesito, em função de existir um acordo regional de salvaguardas nucleares, que garantem os usos de energia nuclear somente para fins pacíficos. Existe uma agência, a ABACC – Agência Brasileiro-Argentina de contabilidade e controle de materiais nucleares –, que inspeciona dos dois lados essa questão. É um caso único no mundo. Muitas vezes se discute a possiblidade de se estender esse modelo a outras regiões do planeta.

Além disso, a cooperação entre Brasil e Argentina é muito próxima. Atualmente, por exemplo, esse projeto do reator multipropósito é feito em parceria com a Argentina. Duas instalações serão feitas, uma aqui e outra na Argentina, garantindo o suprimento dos radioisótopos e em especial os utilizados na medicina nuclear. No Brasil vai ficar em Iperó (SP), ao lado das instalações da Marinha. Já teve a licença prévia do Ibama e da CNEN.

A Eletronuclear recebe demonstrações de interesses desses países em relação ao programa nuclear brasileiro? De que tipo?

Chegamos a receber mais de uma vez delegações do Chile. Já há alguns anos também recebemos de outros países, como do Quênia, que tem estudado seriamente a entrada no setor nuclear, e da Nigéria também.

Que oportunidades existem hoje em termos de parcerias e cooperações com outros países?

Essa da Argentina tende a se estender e se ampliar sempre, dentro do interesse dos países. Se outros países, como o Chile ou a Bolívia, se interessarem, abrem perspectivas de cooperação. Nesse caso, poderíamos dar assessoria e passar um pouco da nossa experiência operacional.

Há alguma novidade no andamento do programa nuclear brasileiro? O Governo deu alguma sinalização de quando deve aprovar as novas usinas?

Ainda não deu tempo [rs]. Vamos esperar o ano que vem. A grande expectativa é o lançamento do Plano Nacional de Energia 2050. Acredito que saia agora, nesse próximo ano, ainda no primeiro semestre. Seria um movimento balizador das ações do governo ao longo dos próximos anos.

A Eletronuclear trabalha com que cenário atualmente?

Trabalhamos com o cenário do plano de 2030, lançado em 2007, que prevê 4 mil MW adicionais no horizonte 2030, sendo 2 mil MW no Nordeste e 2 mil MW no Sudeste.

Isso não ficou defasado? Não seria necessário um programa um pouco mais amplo?

Vamos ver as conclusões do 2050. Mas o próprio 2030 traça outros cenários. Existem cenários com 6 mil MW e com 8 mil MW.

Qual seria o melhor cenário para o país?

No horizonte de 2030, seria muito difícil chegar muito além disso, desses cenários (de 4 mil a 8 mil MW), pelo tempo que temos. Não tem nem tempo hábil para se conseguir fazer mais que isso. Acredito que essas estimativas do plano nacional 2030 são factíveis, mas, muito mais do que 6 mil MW, por exemplo, começo a achar que não temos fôlego para isso nesse prazo. O plano 2050 vai contemplar uma expansão bem maior, tendo em vista que até o final da década de 2020 o potencial hidrelétrico estará esgotado.

E para 2050?

O papel da nuclear, a partir da segunda metade da década de 2020, vai crescer muito. O papel de cada uma das fontes de geração de base – gás, carvão e nuclear – será definido pela conjuntura. Se o gás do pré-sal for em grande quantidade e barato, ele cresce e a nuclear diminui um pouco. Se as tecnologias de redução das emissões e captura de carbono do carvão se mostrarem muito eficazes, ele também cresce. Então no plano de 2050 os três vão ter que crescer. Certamente os três vão ter um papel importante depois de 2030, porque o potencial hidrelétrico vai estar esgotado e o país vai continuar precisando crescer a capacidade de geração. Para se ter uma ideia, hoje o consumo per capita de eletricidade no Brasil é metade do de Portugal. Em relação a outros países mais desenvolvidos a discrepância é muito maior. Para a Espanha, é mais de quatro, para a França, são seis vezes. Nos EUA o consumo é mais de 10 vezes o nosso per capita.

Como estão se preparando para garantir a mão de obra qualificada quando os projetos forem aprovados?

Hoje temos uma realidade de renovação que é a entrada de Angra 3. Então isso já vem sendo feito há um tempo. E, em tendo uma definição mais firme do governo em relação a novos projetos, esse processo vai se acelerar.

Como vê a participação privada no setor nuclear? Houve alguma mudança na visão da Eletronuclear em relação a isso?

A participação privada já existe, na medida em que a Eletronuclear é uma empresa estatal, mas que o dono é a Eletrobrás, que é uma empresa com ações até na bolsa de Nova York. Outra coisa é o controle acionário, que é uma coisa que a constituição não permite. Existe uma discussão de mudança, mas a Eletronuclear acredita que há várias outras formas de ampliar a participação privada sem modificação da constituição. Ao menos num primeiro momento. Não quer dizer que não possa haver mudanças num segundo momento, se essa participação se mostrar muito ativa. O sucesso dessa ampliação pode instigar no futuro que haja interesse até nessa participação majoritária, mas isso tem que ser degrau por degrau.

Deixe seu comentário

avatar
  Subscribe  
Notify of