PRESIDENTE DA ELETRONUCLEAR DIZ QUE EPCISTA DE ANGRA 3 SERÁ CONHECIDO EM 2022 E APONTA POTENCIAL DO BRASIL NA ENERGIA NUCLEAR
Estamos trazendo hoje (1º) uma entrevista com o Presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães, que aborda uma série de esclarecimentos importantes e necessários para quem ainda precisa saber mais sobre a energia nuclear. Em alguns casos, até para superar preconceitos. Ele falou para a TV Senado, no Programa Alesfe Talks, comandado pelo jornalista Paulo Roberto Alonso Viera, Diretor de Comunicação e Marketing da Alesf e Consultor Legislativo do Senado Federal. O programa é um espaço para advogados e consultores do Senado Federal tirarem dúvidas de temas relevantes no Brasil. Uma ocasião oportuna para falar sobre a Medida Provisória 998/2020, que trata sobre mudanças estruturais no sistema de energia brasileiro, que agora tramita como Projeto de Lei, e voltará a ser debatida a partir de fevereiro no Senado. Os principais trechos dessa conversa, que interessa a todo setor de energia e engenharia, em especial ao da energia nuclear. Leonam esclareceu muitos pontos sobre a retomada das obras de Angra 3:
– A modelagem da retomada de Angra 3 é um tema que vem sendo estudado há muito tempo, ganhou impulso no final de 2017 e realmente começou a se sustentar já no atual governo. A usina de Angra 3 foi definida como projeto prioritário do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Para isso, foi criado um grupo de trabalho interministerial, que assessorava o atual comitê do PPI. Esse comitê determinou que contratássemos o BNDES para a estruturação do modelo de negócio.
Desde aquela época até a entrada do BNDES neste trabalho, nós considerávamos nos estudos internos a possibilidade da entrada de parceiros internacionais privados minoritários. Era o que pensávamos. Ao longo dos estudos do BNDES, foi demonstrado que essa alternativa que, em pese ser desejável e interessante, não é indispensável e necessária para a viabilidade econômico-financeira do empreendimento.
O BNDES vem trabalhando nessa modelagem e concluiu o seu relatório inicial. Hoje, o Conselho do PPI tomou a decisão de enviar esse estudo para o CNPE para o acompanhamento da implantação da usina de Angra 3. Esse trabalho continua sendo feito pelo BNDES, em sua segunda fase, com a expectativa que em 2022 seja feito o grande contrato de EPC para a conclusão da obra.
Hoje, os estudos do BNDES estão em andamento, com uma série de diligências necessárias para que seja feita esta licitação internacional para a contratação do epcista. O projeto entrou nos trilhos e está avançando. O nosso objetivo e o do planejamento do sistema elétrico é a entrada de Angra 3 ao final de 2026. Para garantir que isso aconteça, a Eletrobrás está dando suporte de investimento àquilo que nós chamamos de Programa de Aceleração do Caminho Crítico do empreendimento. Ou seja, o objetivo é a retomada do empreendimento naquelas partes que fazem parte do caminho crítico, de forma a garantir que a data de entrada em operação comercial da usina não seja comprometida. Esse plano de investimento da Eletrobrás em Angra 3 é o maior investimento da previsto dentro do seu plano diretor de negócios. As duas coisas estão acopladas, funcionando em paralelo e harmonicamente para efetivamente cumprir o planejamento de expansão da energia elétrica prevista.
O Presidente da Eletronuclear falou também sobre as observações do Tribunal de Contas da União (TCU):
– Existe uma grande preocupação no formato do ponto de vista jurídico e também do ponto de vista das orientações e determinações do TCU. Importante dizer também que todas as ações e atividades relacionadas aos investimentos da Eletrobrás em Angra 3 estão em andamento. Já foram alocados investimentos importantes em 2020. Para este ano, a ordem de grandeza desses investimentos é um pouco maior, o que permitirá dar início a várias frentes de trabalho importantes. O objetivo é não perder tempo até o momento da contratação do epecista – que é um trabalho relativamente longo -, garantindo que até o final de 2026 a usina esteja em operação.
A retomada da obra já está em andamento. Ela vai se convergir justamente com o trabalho que o BNDES está fazendo. Lembrando sempre também que esse tema ocorre em paralelo com o processo da capitalização da Eletrobrás. Essas atividades se juntam para uma solução que atenda a todos esses aspectos complexos envolvidos.
Para alguns críticos da geração nuclear de energia, o valor de R$ 480,00 por MW/hora é muito alto e prejudicaria o consumidor. Mas isto foi desmistificado por Leonam Guimarães, que deu uma explicação definitiva sobre esta questão:
– Essa visão de que o consumidor será prejudicado é bastante equivocada. Ela parte do princípio de que a eletricidade é uma commodity, o que não condiz com a realidade. Na realidade, o valor da eletricidade depende da característica da fonte, do local e da hora em que é produzida.
Por exemplo, no sistema elétrico existem fontes que geram energia de base, que geram energia durante todo o tempo. Há também fontes de natureza intermitente, como a energia eólica e solar. E ainda existem fontes com uma sazonalidade de prazos mais longos, como é o caso da hidroeletricidade. Por fim, você tem as fontes de energia térmica convencional, geradas por energia fóssil, que são extremamente sensíveis à volatilidade dos preços desses combustíveis.
Então, na realidade, não se pode fazer comparações diretas por preço unitário das fontes. O que importa para o consumidor é o custo total do sistema, valor que será rateado por todos eles. No sistema das bandeiras, as condições hídricas fazem com que seja aumentado o despacho térmico, usando fontes mais caras. Se fizéssemos uma simulação com Angra 3 operando no Brasil a R$ 480 por MWh nos últimos anos, o custo total do sistema se reduziria e não aumentaria. Em que pese esse número (R$ 480/MWh), isoladamente, seja superior ao custo do Kilowatt/hora gerado pela energia solar.
A diferença está é que as bandeiras vão despachando energia térmica cada vez mais cara, bem superior ao valor de R$ 480 de Angra 3. Isso significa que o impacto de Angra 3 é deixar de ser necessário o despacho de energias térmicas mais caras do que R$ 480 ao longo de um ano. Então, a análise do que está sendo repassado para o consumidor não pode ser o valor unitário do preço de produção de uma fonte. O que deve ser avaliado é o custo do sistema como um todo – com e sem Angra 3. Em uma simulação recente feita pelo Operador Nacional do Sistema (ONS), a pedido do Ministério de Minas e Energia e apresentada em audiência pública a pedido do IBAMA, ficou claro que, em 2020, o custo do sistema iria cair se Angra 3 estivesse operando. Então, na realidade, você não está passando custo para o consumidor, mas sim reduzindo o custo total do sistema e, portanto, reduzindo o custo individual de cada consumidor.
A dificuldade na questão foi financiamento da Usina Nuclear Angra 3, foi outro tema abordado na entrevista:
– O marco zero da construção da usina é junho de 2009. O marco zero da construção de uma usina nuclear é sempre a primeira concretagem da laje do prédio do reator. Os trabalhos feitos anteriormente não caracterizam o início da construção. O grande calcanhar de Aquiles da energia nuclear é que o custo capital é muito elevado. É um investimento de grande volume de recursos, com um prazo muito longo de maturação para dar o retorno esperado. Isso envolve riscos elevados, o que acaba elevando o custo do capital nesses empreendimentos. A interrupção das obras de Angra 3, depois de seu início formal, aconteceu em virtude da falta de recursos próprios para dar a contrapartida aos financiamentos feitos ao BNDES. Essa foi a primeira razão para a interrupção das obras.
Depois veio a Lava Jato, que inviabilizou uma solução para uma nova equação financeira para o empreendimento. Nesse valor, determinado pelo CNPE, com base no estudo da EPE, ele elimina os custos da ineficiência. Ou seja, todos os custos não produtivos que ocorreram ao longo desse período. Esse valor é compatível e menor do que o de usinas que estão sendo construídas atualmente em estágio avançado, como a Usina de Hinkley Point B, no Reino Unido, e Akkuyu, na Turquia. Uma é um pouco mais potente do que Angra 3 e a outra um pouco menos menos. Mas são bastantes similares ao preço de R$ 480, de acordo com a taxa de câmbio da época. Quando foi feita esta avaliação, era bastante compatível, com Angra 3 sendo inferior a essas duas usinas.
Na realidade, esse preço foi expurgado. Inclusive foi dada baixa contábil desses valores de perdas, estimadas pela empresa que foi contratada pela Eletrobrás para investigar eventuais desvios e irregularidades cometidas por gestores da empresa. Ou seja, nesse valor não está embutido esses aspectos improdutivos. Esse preço de referência de R$ 480 não foi estabelecido pela Eletronuclear, mas pelo CNPE através do estudo da EPE.
E aí chegamos na MP 998 que, em um de seus artigos, diz que quem estabelece os preços de venda de energia seria o BNDES. A MP também estabelece, em critérios bem claros, como esse preço é calculado e o que deve ser levado em consideração pelo BNDES e os critérios. Isso dá uma importante segurança jurídica para que haja o investimento no empreendimento. A Eletrobrás está fazendo investimento e precisa ter segurança de que o valor de energia seja compatível com investimento a ser feito.
Leonam Guimarães falou também sobre os entraves ao crescimento do uso da energia nuclear no Brasil e a grande possibilidade de expansão deste setor:
– O maior problema enfrentado pela cadeia produtiva da energia nuclear tem a ver com o combustível nuclear. O combustível nuclear responde hoje, na situação brasileira, por 18% do custo de operação de uma usina, considerando também a remuneração do capital. Como nós temos um parque muito pequeno de produção, a escala de produção do combustível é muito baixa. E em escala baixa, os custos acabam sendo mais altos. A Eletronuclear, que é propriedade da Eletrobrás, é uma empresa independente do Tesouro Nacional. Dessa forma ela tem acesso ao mercado de capitais e a financiamentos. Já a INB, que tem o monopólio de materiais radioativos, é uma empresa dependente do Tesouro. Por sua vez, não tem acesso ao mercado de capitais, financiamentos, e tem muita dificuldade de expandir sua produção. Para viabilizar a produção de combustível nuclear de uma forma econômica, é necessário ganhar escala. Para isso, tem que produzir mais e se introduzir no mercado internacional, passando a ser um ator no mercado internacional de combustível nuclear.
O Brasil tem grandes reservas de urânio e o domínio tecnológico de todas as etapas de seu processamento. Ou seja, o país reúne todas as condições para ser efetivamente um importante player no mercado internacional de combustível nuclear. Lembrando que a estabilidade, do ponto de vista político, é um fator muito importante. Hoje, vários players do mercado internacional de combustível vêm de países onde há uma certa instabilidade política e econômica. O Brasil agregaria segurança de abastecimento ao mercado internacional. Lembrando que a energia nuclear gera 10% da energia elétrica do mundo e existem 442 usinas em operação no planeta. Ou seja, o aumento de escala de produção de combustível nuclear, via participação no mercado internacional, é um elemento que reforçaria essa cadeia produtiva aqui no Brasil.
Depois, tem a fabricação de componentes. Há um parque industrial importante adaptado a fabricação de grandes componentes, que é a Nuclep. A empresa também está envolvida com a Marinha na fabricação dos submarinos. A Nuclep tem todas as condições de participar desse mercado internacional de componentes. A Nuclep também é dependente do Tesouro e não tem acesso a financiamentos.
Como essas duas empresas continuarão sob o guarda chuva do Estado, não teria uma solução rápida. Teria que ser escalonada. É preciso fazer uma independência paulatina, especialmente da INB, mas também da Nuclep. Já foi dado um grande passo na INB, destacado pelo Presidente da República, porque o Brasil voltou a produzir concentrado de urânio. O país passou vários anos sem produção por razões de natureza técnica e econômica. A produção foi retomada e espera-se com, grande expectativa, o início da produção da Mina de Santa Quitéria, no Ceará, que é uma mina de fosfato, cujo sub produto é o urânio.
Com essa produção, poderíamos começar a pensar em atender 100% à demanda interna, mas também participar do mercado internacional, como a via para fugir da dependência do Tesouro. Sem dúvida, transformar a INB e Nuclep em empresa pública é o primeiro degrau para tirar os sócios minoritários e, com maior autonomia, proporcionar uma tomada de decisões para esses passos seguintes. Angra 3 é uma grande alavanca para se aumentar a escala de produção.
– Sobre a pressão de ambientalistas, em geral sem conhecimento técnico, que só repetem chavões e usam dos benefícios da energia nuclear e nem sabem, os esclarecimentos do Presidente da Eletronuclear são definitivos, principalmente quando se refere a acidentes nucleares e aos rejeitos nucleares:
– É curioso chamar o acidente nos Estados Unidos, de Three Miles Island, como um acidente de grandes proporções. Que acidente é esse que não causou nenhuma vítima e nenhum dano ao meio ambiente? Foi uma perda de grandes proporções sim, mas para o proprietário da usina, porque ela se tornou inoperante. Mas sem vítimas e zero dano ao meio ambiente.
O acidente de Chernobyl foi um acidente que não teve a natureza tecnológica, mas cultural da antiga União Soviética. A cultura que existia até então permitiu colocar a produtividade à frente da segurança. O chefe da usina decidiu tomar uma decisão contrária ao manual de operação da usina. A partir daí, cada vez mais, nasceu o conceito maior de segurança. Ou seja, Chernobyl não foi um problema tecnológico, mas de cultura de quem operava a usina. A realidade hoje é completamente diferente. Isso foi há 30 anos. Hoje, a realidade da Rússia é muito diferente.
O acidente de Fukushima foi causado por um fenômeno natural, com a previsibilidade muito baixa. Não era esperado acontecer. Foi um terremoto que a usina resistiu perfeitamente, seguido de um tsunami com uma altura na qual a usina não estava projetada. Volto a dizer: quantas vítimas da radiação foram causadas por Fukushima? Nenhuma. As vítimas do incidente foram em virtude de uma evacuação precipitada e sem planejamento. Hoje, aliás, esse é um tema que se discute bastante.
Em relação ao que se diz sobre o chamado lixo nuclear, ainda se fala como se fosse lixo o elemento de combustível usado. Do ponto de vista legal, nem no Brasil e em muitos países do mundo, o combustível nuclear usado é lixo. Por uma razão muito simples: existe um enorme potencial energético ainda no combustível usado, que poderá ser aproveitado pelas gerações futuras, porque é um legado positivo. A viabilidade econômica e financeira de aproveitamento desse potencial é limitado, porque custa muito caro. Chamar o combustível nuclear usado de lixo é uma decisão estritamente política, porque os rejeitos de alta atividade respondem de 5 a 10% da massa total desse combustível. O restante da quantidade da massa desse combustível pode ser reciclado e já o é em vários locais do mundo. Não só na França e na Rússia, mas também no Reino Unido e Japão.
A responsabilidade do operador é manter o combustível usado e em condições seguras de armazenagem de longo prazo. E nós estamos em processo de licenciamento de uma instalação deste tipo. Essa instalação é rigorosamente idêntica a mais de duzentas instalações iguais que existem em todo mundo. Em especial nos Estados Unidos, que tem quase um quarto do parque internacional da indústria nuclear. Estamos fazendo rigorosamente a mesma coisa do que é feito na América, na Europa Ocidental e no Japão. Questionar a segurança dessa armazenagem chega a ser uma coisa muito estranha. Aliás, a ganhadora da licitação que abrimos para construção dessa armazenagem é uma empresa americana que já instalou mais de 70 unidades desse tipo em todo o mundo. Não há nenhuma razão para se questionar uma instalação desse tipo. Basta olhar em volta, olhar o que é feito no mundo e quem está fazendo esta instalação.
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