A AMPLIAÇÃO DO USO DOS RECURSOS DA ENERGIA NUCLEAR ABRE OPORTUNIDADES NO MUNDO E POSSIBILIDADES INFINITAS PARA O BRASIL
Nos últimos seis meses, a agenda internacional de energia foi palco de grandes eventos: World Nuclear Exhibition (Paris), COP 28 (Abu Dhabi), Reunião Ministerial da Agência Internacional de Energia – AIE (Paris), primeiro Nuclear Energy Summit (Bruxelas) e XIV ATOMEXPO (Sochi). Em todos esses encontros, houve a presença de inúmeros chefes de estado e governo, ministros, autoridades dos diversos segmentos da sociedade civil e representantes dos setores de energia, clima, indústria etc. E, agora, na próxima segunda-feira (8), começa aqui no Brasil, no Rio de Janeiro, o Nuclear Summit 2024, organizado pela Associação Brasileira de Desenvolvimento das Atividades Nucleares (ABDAN), um dos mais importantes eventos já realizados no país envolvendo o setor nuclear, com a participação do Diretor Geral da Agência Internacional de Energia Atômica, Rafael Grossi, e outras importantes personalidades do setor de energia nacional e mundial.
Observa-se, assim, que a energia nuclear e as suas diversas aplicações, geração de energia, medicina nuclear, agricultura, indústria, produção de hidrogênio, entre outros, estão entre os principais temas em debate pela comunidade internacional. A energia nuclear assume papel importante para a descarbornização da economia do planeta, para a segurança energética e como suporte fundamental para o processo de transição energética. Por isso, convidamos o ex-ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque (foto principal), para conversar com os leitores do Petronotícias abordando esses temas, já que ele esteve em todos esses encontros internacionais e estará também em destaque no evento da ABDAN, a partir do início da próxima semana.
– O senhor diz que o mundo passa por uma quarta transição energética. Por que o senhor considera assim?
– É importante ressaltar que me refiro a esta transição na forma com a qual nos relacionamos com energia. Veja só: a primeira transição energética se deu com a Revolução Industrial – madeira para o carvão – (1760 até meados de 1850); a segunda transição energética veio com o crescimento do uso do petróleo (1850 a meados de 1945); a terceira transição energética, com o crescimento do uso do gás natural, energia hidráulica e nuclear (meados de 1950 até 2015 – Acordo de Paris); e a quarta transição energética, com o crescimento das energias renováveis e sustentáveis (2015/16 até hoje) e com o crescimento de energias limpas.
– E como o senhor vê o Brasil em todas estas camadas do tempo?
– O Brasil, com sua imensa dimensão territorial e abundância de recursos naturais e minerais, de certa forma, participou e participa de todos esses processos, com intensos programas e políticas públicas de geração hidráulica, biocombustíveis, nuclear, produção de petróleo e de gás natural, e, mais recentemente, com a utilização importante da energia eólica e fotovoltaica. A principal pauta global está em justamente discutir as oportunidades dos países para tornar suas matrizes energéticas mais limpas e mais seguras, alcançar as metas do Acordo de Paris e definir os desafios e as políticas públicas adequadas para o correto ambiente de negócios nesse processo de transformação.
– Os países estão acompanhando este movimento?
– Essa nova visão tem levado diversos países a repensar o papel das suas matrizes energéticas considerando os atributos das fontes energéticas, suas disponibilidades e a sustentabilidade da atividade econômica. Nesse contexto surge a fonte nuclear como alternativa viável, de alta relevância e complementar as demais fontes. Nesse cenário, mais de 30 países se comprometeram a triplicar a geração nuclear até 2050, há mais de 60 usinas nucleares em construção em todos os continentes e mais de uma centena de projetos se encontram em desenvolvimento. O Brasil, com sua vasta experiência e recursos energéticos, está, assim, em uma posição privilegiada para capitalizar oportunidades e desempenhar um papel de destaque na arena mundial.
– E como Brasil deve se comportar com estas alternativas?
– Para aproveitar plenamente essas oportunidades, é fundamental que o País continue aprimorando seus marcos legais e regulatórios relacionados à energia, em particular a nuclear. O aperfeiçoamento de um ambiente regulatório claro e estável é essencial para atrair investimentos, promover a inovação e garantir a segurança e a sustentabilidade do setor. Ao mesmo tempo, é crucial dar continuidade aos investimentos em pesquisa e desenvolvimento para impulsionar a tecnologia nuclear nacional e garantir sua competitividade no mercado global. Isso inclui o desenvolvimento de novas técnicas de geração de energia, fabricação de radioisótopos e radiofármacos e aplicações nucleares na agricultura e medicina, bem como soluções para o gerenciamento seguro e eficiente de resíduos nucleares.
É imperativo que se adote uma abordagem responsável e transparente, levando em consideração não apenas os aspectos econômicos, mas também os sociais, ambientais e de segurança. A educação e o engajamento público são fundamentais para construir uma base de apoio sólida e promover um diálogo construtivo sobre os benefícios e os desafios associados à energia nuclear.
– E como o senhor vê a participação do Brasil neste cenário internacional?
– A luz das discussões em curso nos diversos fóruns internacionais, é evidente que o Brasil tem um papel importante a desempenhar no futuro da energia nuclear global. Ao aproveitar suas potencialidades naturais e aprimorar seus marcos legais e regulatórios, o país pode não apenas fortalecer sua segurança e independência energética, mas também contribuir de forma significativa para a mitigação das mudanças climáticas e o desenvolvimento sustentável.
A conjuntura geoenergética mundial, de ressurgimento da energia nuclear integrada as energias renováveis na transição energética, oferece ao país oportunidades inusitadas de negócios, que não podem, de forma alguma, serem desperdiçadas, considerando que, entre outras potencialidades, o Brasil detém a sexta maior reserva de urânio do mundo, tendo prospectado apenas menos de 25% de seu território.
– Neste aspecto, o Urânio é realmente fundamental. A própria recente visita do Presidente francês ao Brasil, Emmanuel Macron, mostrou isso. Como o Brasil deve se posicionar tendo esta carta na manga?
– Dentro desse processo de retomada mundial do uso da energia nuclear e, consequentemente, do aumento pela demanda de combustível e da alta do preço do urânio, é premente que o país participe, com suas imensas reservas, exportando seus excedentes de produção, seja na versão de concentrado de urânio, seja em formas mais industrializadas desse produto, como o hexafluoreto de urânio natural ou enriquecido, ou ainda como óxido de urânio ou mesmo de urânio metálico. É preciso nos voltarmos ao mercado mineral mundial de exportação, aproveitando nossas reservas e o fato de determos toda a tecnologia do ciclo do combustível nuclear.
Exportações de urânio poderão ter efeitos extremamente positivos na balança comercial brasileira e no incentivo a pesquisas geológicas mais abrangentes, com técnicas modernas de prospecção, na busca de mais reservas desse mineral estratégico na transição energética. Nesse particular, vale notar que apenas três países no mundo (EUA, Rússia e Brasil) possuem grandes reservas de urânio, domínio tecnológico do processo de fabricação de combustível e experiência na construção e operação de usinas nucleares – requisitos necessários para atingir-se a plena autossuficiência e independência energética. Entretanto, a capacidade de produção do Brasil ainda é insuficiente e requer investimentos em sua expansão para atender plenamente a demanda e gerar excedentes exportáveis. Com isso, abre-se um cenário de exportação de urânio que, aos preços internacionais de mercado, pode beneficiar, não só o Programa Nuclear Brasileiro, mas também outras atividades do país, carentes de recursos para o seu desenvolvimento.
– O Brasil parece muito bem posicionado neste aspecto ou não?
– O Brasil tem um Programa Nuclear único, com características particulares que o colocam em situação nacional e internacional privilegiadas: operamos usinas nucleares de grande porte e reatores de pesquisa em nosso território há mais de 60 anos; dominamos a tecnologia de todo o ciclo do combustível nuclear, incluindo etapas estratégicas como o enriquecimento de urânio; desenvolvemos tecnologia própria de enriquecimento isotópico do urânio; produzimos radioisótopos e radiofármacos, oferecendo exames e tratamento para milhões de brasileiros; temos universidades com cursos de graduação e pós-graduação nas mais variadas ciências nucleares e, com isso, formamos centenas de profissionais que produzem trabalhos científicos de padrão internacional; construímos e operamos depósitos de rejeitos radioativos.
Além disso, estamos construindo um reator de pesquisas (RMB), que deverá ser o equipamento principal de um grande centro de desenvolvimento nuclear. Erigimos e operamos instalações industriais para a construção, em curso, de nosso primeiro Submarino Convencional com Propulsão Nuclear (SCPN), que permitirá ao País proteger uma área marítima equivalente à da Região Amazônica – a Amazônia Azul. Operamos uma das maiores caldeirarias pesadas da América Latina, a qual produz equipamentos de extrema complexidade para os setores nuclear, petroleiro, de energia elétrica, entre outros. Temos a nossa própria agência internacional de salvaguardas, em colaboração com a Argentina, garantindo que todas atividades nucleares sejam realizadas unicamente para fins pacíficos.
Portanto, o que determinará nossa posição na transição energética mundial, voltada para matrizes energéticas limpas, onde a energia nuclear se destaca como fonte crucial, será a adoção de uma abordagem proativa e estratégica, com políticas públicas adequadas, que permitam a participação do estado e da iniciativa privada num mercado de crescimento indiscutivelmente promissor, o que permitirá ao País capitalizar as oportunidades e garantir um futuro energético mais seguro e sustentável.
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