SETOR DE COGERAÇÃO PEDE REGULAMENTAÇÃO DA LEI DO GÁS AINDA EM 2021 PARA BARATEAR A FONTE
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
Levando de baixo do braço a velha máxima de que “quem espera tempo bom é sertanejo”, o setor de cogeração engrossa a fila daqueles que estão pedindo uma célere regulamentação da Nova Lei do Gás. Na entrevista desta sexta-feira (16), o Petronotícias conversa com o presidente da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen), Newton Duarte. Ele considera que a regulamentação do novo marco legal deveria acontecer nos próximos meses, ainda dentro de 2021. O presidente da associação enumerou alguns pontos importantes que mereciam atenção dos órgãos reguladores, como a comercialização do gás no mercado livre, as regras de construção de gasodutos, as instalações de estocagem, entre outros pontos. “Tão logo exista a regulamentação, os potenciais e atuais usuários do gás vão se arvorar a desenvolver projetos adicionais”, projetou Duarte. Como já noticiamos, a Cogen prevê que o Brasil pode acrescentar até 7,2 GW em projetos de cogeração movidos a gás ao longo dos próximos anos. Hoje, esse número está em 3,1 GW. “O espaço que temos para acessar um gás mais competitivo é enorme. Eu vejo que tão logo tenhamos a regulamentação dessa lei em prática, vai existir uma corrida grande pelo gás”, avaliou. Para Duarte, a Nova Lei do Gás vai ajudar a reduzir o preço do energético no país, que está muito acima do que é praticado no mercado internacional, de acordo com levantamento feito pela própria Cogen.
Qual sua avaliação a respeito do que foi proposto na Nova Lei do Gás?
Todas as ações que a sociedade toma no sentido de valorizar o mundo concorrencial são muito positivas. Muitas pessoas inteligentes do setor energético brasileiro disseram que essa lei poderia ter sido melhor. Mas eu me lembro de uma frase do Ministro Bento Albuquerque, que frisou que estávamos discutindo essa lei desde 2013 no Congresso. Ou seja, já estava na hora de aprovar aquilo que seria possível de ser aprovado. No futuro, podemos nos debruçar em um processo de aperfeiçoamento dessa lei.
O mais importante é criar condições no Brasil para que tenhamos uma competição no mercado de gás natural. Eu acho que a lei dá um passo inicial importante nessa direção. É espetacular que essa nova lei foi sancionada sem qualquer veto. Agora, existe uma série de coisas que precisam ser feitas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
O que se espera por parte da ANP?
Existe agora uma regulamentação séria a ser feita. O primeiro ponto a destacar é sobre a comercialização do gás no mercado livre. Ainda faltam regras sobre a instalação de dutos dedicados ao uso específico do consumidor livre. Por exemplo: um consumidor livre tem uma indústria de fertilizantes e quer instalar um duto dedicado. Como fazer isso?
Nessa mesma direção, para atender um consumidor livre é preciso ter regulamentação na comercialização. Um determinado consumidor livre pode querer contratar o gás de um trader, por exemplo. A lei prevê que será a ANP que deixará clara toda a competência para essa comercialização. No caso do estado de São Paulo, muito provavelmente a ANP delegará à Arsesp [Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo] a condução da regulamentação do comercializador livre.
E como ficaria a regulamentação da parte do lei do gás que proíbe que uma empresa atue em várias etapas da cadeia?
A questão dessas restrições é um tema sério. A lei traz restrições para que um mesmo grupo econômico não tenha verticalização de todos os serviços e seja dono de toda a cadeia. Os grupos precisam ser separados. Por exemplo: uma empresa não pode ser dona, ao mesmo tempo, de um campo de gás no Recôncavo Baiano e de uma distribuidora de gás em Sergipe. Isso traz aquela questão de que é preciso harmonizar as regulamentações federais da ANP com as regulamentações estaduais. Mas esses pontos que citei até aqui são os mais simples de se resolver.
E quais seriam os pontos mais difíceis, ao seu ver, do ponto de vista de regulamentação?
Vou começar citando as instalações de estocagem. O gás é um energético que pode ser estocado. Então, como os produtores ou comercializadores vão acessar às instalações de estoque do gás natural? O acesso às instalações de estocagem é algo que precisa ser regulamentado.
Saindo da questão do estoque, vamos falar agora das regras para construção de gasodutos. Um investidor que queira fazer um gasoduto para levar gás a uma planta de fertilizantes, por exemplo. Como será essa regulamentação? Será preciso ter uma autorização. Como solicitar? Tudo isso tem que ser regulamentado. Por fim, tem que haver ainda, por parte da ANP, uma definição sobre o que são gasodutos de transporte e os de distribuição. A lei não deixa isso muito claro.
Então, há uma série de questões que ainda necessitam ser regulamentadas. Eu espero que não seja preciso aguardar sete anos para isso. Que façamos isso em meses. É muito importante destacar que o setor aguarda uma regulamentação célere por parte dos órgãos de governo e das agências reguladoras, de tal forma que possamos, o quanto antes, fazer o uso dos benefícios do gás natural.
Qual o papel do gás na cogeração brasileira?
Nós temos 3.100 MW instalados de cogeração a gás natural no Brasil. A cogeração dá uma eficiência na molécula do gás natural de mais de 90%. Enquanto isso, os ciclos combinados mais avançados do mundo têm eficiência entre 62% e 63%. Além disso, a resiliência talvez seja um dos atributos mais importantes do gás natural.
Nos Estados Unidos, existem mais de 80 GW só de cogeração a gás natural. O tema resiliência é o maior predicativo que os americanos enxergam no gás. Eles conseguem garantir o fornecimento de eletricidade, água quente e água gelada para hospitais, por exemplo. Um hospital americano só é considerado seguro se tiver o CHP [Combined Heat and Power].
O gás tem um papel fantástico. Nós fizemos um estudo em 12 indústrias, incluindo papel e celulose, pneus, bebidas e alimentos, entre outras. Levantamos o potencial de instalação de cogeração em todas essas indústrias. Chegamos a duas conclusões: 7,2 GW de potencial elétrico e 17,9 GW de potencial térmico. Com a aprovação da lei, poderemos dar um grande passo para expandir os sistemas de uso dessa fonte.
A Congen fez uma comparação entre o custo de gás no Brasil e no exterior [destacado na imagem ao lado]. O preço no Brasil chega a ser, em alguns casos, até quatro vezes mais caro do que o preço internacional. Isso sem considerar os 39% de reajuste anunciados recentemente pela Petrobrás. Com esse novo aumento, vamos entrar em uma disparidade muito maior.
Nós temos que ter o direito de ter um preço mais aderente ao preço internacional. O Brasil tem muito gás na Bacia de Santos, na Bacia de Campos e no Recôncavo Baiano. Por que nosso gás custa quatro ou cinco vezes mais? Não tem cabimento. Temos um campo grande para evoluir no sentido de acessar o gás mais competitivo. Esses 3,1 GW de cogeração a gás natural tem um campo enorme para crescer em até 7,2 GW adicionalmente.
Ao seu ver, quando podemos ver os efeitos benéficos da Lei do Gás no setor?
Acho que tão logo tenhamos a regulamentação dessas questões abordadas na Nova Lei do Gás. Tão logo exista a regulamentação, os potenciais e os atuais usuários do gás vão se arvorar a desenvolver projetos adicionais. Será possível comprar um gás com bases mais competitivas e fazer uso das instalações de infraestrutura de armazenamento, tratamento, transporte e distribuição de gás.
O espaço que temos para acessar um gás mais competitivo é enorme. Eu vejo que tão logo tenhamos a regulamentação dessa lei em prática, vai existir uma corrida grande pelo gás. Quando isso vai ocorrer? Quando a ANP e as entidades estaduais, como a Arsesp, fizerem essa regulamentação. Esperamos que isso possa ocorrer em meses. Acho que devemos fazer isso ainda em 2021.
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