TRANSPETRO SE CALA DIANTE DE DENÚNCIA DE ROUBO DE TECNOLOGIA
2ª PARTE (Final)- Acusada de usurpar a tecnologia do engenheiro Leo Maniero para substituição do isolamento térmico degradado de dutos enterrados que transportam líquidos aquecidos sem interrupção operacional, a Transpetro enfrenta processos que correm na Justiça Federal de São Paulo e do Rio de Janeiro. Depois de mais de sete anos na tentativa de um acordo amigável em várias instâncias da estatal, o presidente da Codrasa decidiu ingressar na justiça contra a estatal exigindo uma indenização bilionária. Ninguém na Transpetro quer falar. Sequer a Ouvidoria da empresa, que está com o caso há 37 dias, emite qualquer informação. Nem mesmo o acusador foi convidado para confirmar as suas informações e dar início ao processo de apuração dos fatos.
“Foi o último recurso. Sofri um autêntico e programado estelionato em nome da Petrobrás. Lutar contra o peso político e econômico da maior empresa da América Latina é extremamente desgastante e desigual. A Petrobrás sabe fazer da vida de empresas e de empresários um paraíso para os privilegiados e um inferno para aqueles que se atrevem a participar de suas licitações sem pertencer ao oligopólio das empresas que dominam a estatal. Basta você perguntar às empresas que, sem estarem conchavadas, ousam penetrar em suas obras ”, diz Maniero.
Esse caso envolve contradições dentro da própria Transpetro. Em documentos oficiais, a estatal admite que criou um grupo de trabalho especial para procurar em todo universo petrolífero uma tecnologia para substituição do isolamento térmico degradado dos dutos termicamente isolados, sem paralisar sua operação. Admite também que a Engenharia da Petrobras acompanhou os testes executados pela Codrasa para testar uma tecnologia brasileira que ela, a própria estatal, encontrou e aprovou. A tecnologia foi apresentada em feiras internacionais, com apoio da Transpetro. Com base na mesma tecnologia, foram montadas as Especificações Técnicas, seguindo as informações da patente do empresário. Depois disso, ao que consta, durante sete anos e meio a estatal vem usando a mesma tecnologia sem autorização e simultaneamente tenta derrubar na justiça a propriedade do seu inventor.
Nesta tentativa de desconstrução, até mesmo o CENPES – o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento da Petrobrás, foi usado com este propósito, segundo Maniero. Em maio de 2006, o CENPES apresentou ao INPI argumentos para que não fosse concedida a patente da Codrasa, mas teve seu objetivo negado. O documento do CENPES foi elaborado pela engenheira Leila Borges, revela Maniero.
Na afirmação do empresário, esta ação junto ao CENPES só foi tomada pelo então Gerente Geral de Dutos da Transpetro, Marcelino Guedes, depois de as empresas GDK, IMC Saste e Pollydutos terem sido contratadas para aplicarem o invento da Codrasa em vários dutos escuros. Essas empresas foram comunicadas formalmente por um escritório de advocacia de que estavam cometendo crime por usarem sem autorização uma tecnologia protegida por lei. As empresas foram alertadas pelo menos três vezes, conforme documentação enviada e protocolada no final de 2006 e início de 2007.
No dia 20 de junho de 2013, tão logo teve acesso a estas informações, o Petronotícias procurou a presidência da Petrobrás, através de sua assessora, Miriam Guaraciaba. No mesmo dia, o Petronotícias falou com Marcelino Guedes, que, segundo Maniero, foi um dos principais responsáveis pela decisão de assumir a sua patente como se fosse da Transpetro e contratar as empresas para aplicá-la na substituição dos dutos comprometidos pela corrosão. A Pollydutos, uma empresa então com apenas quatro anos de existência, assim como a GDK e a IMC Saste, não tinham qualquer experiência para fazer o trabalho. Mesmo assim foram escolhidas e contratadas. Marcelino Guedes era o principal executivo de dutos e terminais da Transpetro e por ele passavam todas as decisões.
Hoje, Marcelino Guedes responde pela presidência da RNEST – Refinaria Abreu e Lima – em Pernambuco, que enfrenta diversos problemas em sua construção. É uma das obras de maior preocupação da presidente Graça Foster, atualmente com um preço quase nove vezes maior que o orçamento inicial. Pelo telefone, Guedes foi solicito:
“Eu poderia falar – disse ele – mas vi que vocês já mandaram esta informação como denúncia para a presidente Graça Foster. Vamos esperar para ver como ela se posiciona. Se ela não se opuser, posso falar”.
A posição da presidente da Petrobrás foi encaminhar imediatamente a grave denúncia para a Ouvidoria da empresa, que recebeu o protocolo Nº 00912/2013. A Ouvidoria da Petrobrás enviou as denúncias à Ouvidoria da Transpetro, que recebeu o protocolo Nº 04024/2013, no dia 26 de junho. Mas, quase 40 dias depois, nenhuma providência foi tomada. Pelo menos não informada nas três vezes em que o Petronotícias pediu para saber o andamento das apurações. Sequer o autor da denúncia, Leo Maniero, foi chamado para confirmar as suas graves acusações até esta data.
Como Marcelino Guedes se dispusera a falar se a presidência da Petrobrás não se opusesse, fizemos a consulta à assessora Miriam Guaraciaba, que foi bastante clara na mensagem à nossa redação no dia 26 de junho: “A Petrobrás não está impedindo Marcelino Guedes de falar”. Mas, apesar da promessa da entrevista, Guedes recuou:
“Agora o caso virou um inquérito na Petrobrás. – disse ele – Vamos ter que esperar os fatos. Não posso mais falar.”
Não seria um comportamento novo na Transpetro. O presidente da companhia, Sergio Machado, há 10 anos no cargo, indicado por seu amigo pessoal e presidente do Senado, Renan Calheiros – segundo informação publicada no jornal O Globo –, não respondeu a uma carta denunciando a apropriação de sua patente, protocolada por Maniero, em 2005. E teve o mesmo comportamento depois que recebeu as mesmas denúncias oito anos depois, através de sua assessoria no Rio de Janeiro. Somente 22 dias depois a assessoria de imprensa enviou uma resposta às solicitações feitas. Para o leitor atento, neste caso, bastante esclarecedora:
“A Transpetro não vai comentar este assunto”.
O coordenador do grupo de trabalho, João Hipólito de Lima Oliver, então Gerente de Integridade de Dutos e o apresentador da tecnologia da Codrasa na Rio Pipeline 2005, poderia ter dado uma grande contribuição para esclarecer o caso. Afinal, foi ele quem coordenou durante mais de dois anos e meio o programa de qualificação da tecnologia de Maniero, além de ser um dos principais incentivadores para que essa tecnologia fosse mostrada ao mundo. Mas, preferiu não se comprometer quando foi ouvido pelo Petronotícias, no dia 6 de julho:
“Não posso falar nada. Esse assunto está sendo cuidado internamente”, afirmou.
Neste caso, João Hipólito tinha razão, porque o escritório de advocacia Dannemann Siemsen, representando a Transpetro, tentou invalidar a patente de Maniero no INPI e recorreu à Justiça Federal. O escritório alegou que a manutenção da patente poderia “causar lesão grave e de difícil reparação, uma vez que impedirá de fazer a manutenção adequada de seus oleodutos, prejudicando o fornecimento de óleo à população e agravando ainda mais o risco de dano irreparável”.
Nas duas vezes em que tentaram invalidar a patente de Maniero, não obtiveram êxito. O Desembargador Antônio Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, não deixou margem para dúvida em seu despacho em 28 maio deste ano, ao lembrar que a própria Transpetro reconheceu o caráter inédito do processo inventivo registrado na Patente do INPI, e ressaltou que a estatal contratou a Codrasa por inexigibilidade e, em decorrência, negou o pedido de descaracterização da autoria da patente.
As outras empresas envolvidas – GDK, Pollydutos e IMC Saste – também foram ouvidas pelo Petronotícias. O presidente da GDK, César Oliveira, às voltas com o problema que a empresa cruza com o recente pedido de recuperação judicial, não se opôs a falar e pediu que todas as perguntas e dúvidas fossem mandadas por escrito via internet, o que foi feito no dia 26 de junho. Mas, até hoje, apesar das diversas tentativas, o silêncio foi a resposta escolhida. O contrato assinado entre a GDK e a Transpetro para a reabilitação de dutos da região São Paulo/OSBRA foi de 114 milhões de reais para substituir 530 juntas de campo e 1.370 metros de tubos.
A IMC Saste, no dia 11 de julho, através do presidente da empresa, engenheiro Sergio Salomão, enviou um breve comunicado à nossa solicitação:
“A IMC Saste esclarece que todas as suas normas internas de conduta, bem como as relações com clientes e fornecedores são estritamente pautadas pela legalidade. A questão da titularidade dos direitos à patente, vindicada pela Codrasa e seus sócios, está pendente de exame do Poder Judiciário, a quem competirá resolver a questão.”
O presidente da Pollydutos, Marcos Alécio, também foi procurado. Pelo telefone, ele admitiu que a Pollydutos usou a tecnologia da Codrasa:
“Nós usamos a tecnologia, mas com um método construtivo diferente”.
Ao ser perguntado se este método estava previsto nas normas especificadas e se a fiscalização da Transpetro havia permitido que esse método construtivo diferente fosse usado, preferiu conversar pessoalmente sobre este assunto numa entrevista prometida em 8 de julho, mas jamais realizada até hoje.
O caso prossegue na justiça. A farta documentação e o posicionamento do desembargador federal Antônio Ivan Athié parecem bastante favoráveis ao empresário paulista. O processo envolve multa de 50 mil reais por dia e outros tipos de reparação que aumentam em muito este valor, podendo chegar facilmente a bilhões de reais de indenização. A situação é preocupante para os acionistas da Transpetro, porque o prejuízo poderá comprometer seriamente a estatal, que em 2012 faturou 5,5 bilhões de reais, segundo a edição 2013 da revista Exame Melhores&Maiores. As empresas privadas acusadas por Maniero de usar a tecnologia patenteada sem autorização também poderão sofrer grandes prejuízos. Quanto mais o tempo passa, pior a conta fica. Como o empresário já tem 82 anos, a justiça pode conceder prioridade ao processo, o que é uma má notícia para as empresas acusadas. Notícia pior ainda para o próprio país. Com a formação de uma aura de instabilidade, a confirmação da denúncia da apropriação de ideias protegidas por lei e pela Constituição pode gerar um sentimento de insegurança profundo nas empresas que investem na criação de patentes. É tudo o que um país em desenvolvimento não precisa.
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