ORGANIZAÇÃO AMERICANA PROPÕE FORMAS PARA AMPLIAR INSTALAÇÕES DE NOVAS USINAS NUCLEARES PELO MUNDO
Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
O executivo Carlos Leipner é o primeiro brasileiro a ingressar como diretor nuclear da organização não governamental americana Clean Air Task Force (CATF). A entidade tem 25 anos de existência e trabalha fazendo propostas de ideias focadas na descarbonização da matriz energética global. Leipner se juntou ao time da CATF para contribuir com sua experiência no setor nuclear, já que a fonte é apontada por especialistas como uma das saídas para o mundo alcançar suas metas de redução de emissões. Em entrevista ao Petronotícias, o novo diretor da ONG lembra que atualmente o mundo acrescenta entre 10 GW e 15 GW por ano de novas plantas nucleares. Para atingir a ambição de emissão zero até 2050, Leipner e a CATF sugerem a instalação de até 100 GW por ano. A organização está estudando e sugerindo alguns caminhos para que o mundo consiga alcançar esse considerável aumento na capacidade de construção de plantas nucleares. Entre as propostas, estão meios para reduzir os custos de construção, padronização de requisitos para licenciamento ambiental, substituição de usinas a carvão por plantas nucleares e uso da fonte nuclear para produção de hidrogênio. “A nuclear pode fazer parte desta cadeia de hidrogênio, que é um elemento muito versátil. Podemos utilizá-lo não só como combustível em si para gerar eletricidade, mas também para estocar energia e produzir combustíveis sintéticos. Por isso que a CATF pensa em como podemos viabilizar a entrada da fonte nuclear neste tipo de mercado”, apontou.
Para começar nossa entrevista, pediria ao senhor que explique aos nossos leitores como se dá a atuação da Clean Air Task Force.
A Clean Air Task Force é uma organização não governamental que foi estabelecida nos Estados Unidos em 1996. Em sua criação, sete profissionais preocupados com a situação do meio ambiente dos Estados Unidos se juntaram para trabalhar, visando reduzir as emissões de carbono oriundas das centrais elétricas no país. A matriz elétrica dos EUA, embora diversificada, ainda depende muito do carvão. Embora o país já tenha melhorado muito nessa parte, com a vinda das renováveis e do parque nuclear, a questão de emissões de carbono ainda permanece um tema importante.
Logo em seguida, houve o primeiro sucesso da ONG, que trabalhou com o governo americano, implementando novos padrões de qualidade de ar e trazendo um impacto muito positivo na matriz energética dos Estados Unidos.
Desde então, a CATF se dedica à questão do meio ambiente, especificamente às emissões de carbono pela matriz energética. Hoje, o CATF expandiu seu objetivo para além das centrais elétricas, abraçando todo o setor energético, olhando para os segmentos de transporte, industrial e elétrico. Ou seja, o trabalho da ONG se concentra em formas para reduzir o impacto de emissões, especialmente de gases do efeito estufa na atmosfera.
Hoje, o CATF conta com aproximadamente 40 pessoas dentro da organização que olham para tecnologias e políticas públicas necessárias para atingirmos o objetivo global de emissão zero de carbono até 2050.
O senhor foi o primeiro brasileiro a ingressar na CATF? E qual será o seu papel dentro da organização?
Eu sou o primeiro brasileiro a entrar nessa ONG. Existem também outras pessoas de fora dos Estados Unidos, com origem da Europa e da Ásia. É um grupo muito internacional. Comecei a conversar com eles há algum tempo a respeito de estratégias e das atividades da ONG relacionadas ao setor nuclear. Houve uma sinergia e eles se interessaram pelo meu trabalho. Então, no começo desse ano, tive o prazer de ser contratado por eles.
Pode nos contar um pouco da visão da Clean Air Task Force sobre o papel da energia nuclear em temas como descarbonização e meio ambiente?
O que me atraiu para trabalhar com a CATF foi o pensamento da organização sobre a tecnologia nuclear. Hoje, como se sabe, temos um parque de reatores em operação no mundo com cerca de 450 unidades. Isso representa algo entre 10% e 11% da matriz energética do mundo. A cada ano, o mundo acrescenta entre 10 GW e 15 GW de novos reatores. Ao mesmo tempo, alguns outros reatores antigos são fechados.
Já estamos em 2021 e para chegar ao modelo de emissão zero até 2050 precisamos pensar em algo mais transformador no setor nuclear. O objetivo da CATF é analisar e propor como podemos transformar essa paradigma do setor nuclear de implementar 10 GW a 15 GW ao ano e transformar isso para, talvez, 100 GW por ano. Dessa forma, o setor nuclear poderá contribuir de uma maneira significativa e impactante para a descarbonização do setor energético do mundo.
Quais são as propostas para tentar acelerar a instalação de usinas nucleares pelo mundo?
Não estamos falando somente da aplicação da tecnologia nuclear no setor elétrico. Queremos continuar nessa direção, mas também expandir para outras áreas. Por exemplo: como podemos implementar a tecnologia nuclear para produção de hidrogênio? A eletricidade corresponde, basicamente, a 20% da matriz energética em geral. Mas nada ainda foi feito para descarbonizar os outros 80%. Então, como podemos fazer algum impacto com a energia nuclear nesses 80%? Para isso, pensamos em usar a geração de hidrogênio para substituir as fontes fósseis.
A nuclear pode fazer parte dessa cadeia de hidrogênio, que é um elemento muito versátil. Podemos utilizá-lo não só como combustível em si para gerar eletricidade, mas também para estocar energia e produzir combustíveis sintéticos. Por isso que a CATF pensa em como podemos viabilizar a entrada da fonte nuclear neste tipo de mercado.
Outro segmento que temos olhado com bastante atenção é o de centrais elétricas geradas a carvão. Então, o foco nas centrais de carvão é importante porque essas plantas representam uma capacidade de quase 2 TW de potência em todo o mundo. Isso equivale a quase 15 bilhões de toneladas de CO2 emitidas por ano. Temos que pensar em uma maneira de atacar esse problema de emissões oriundas das centrais de carvão.
Em várias partes dos Estados Unidos, da China e da Polônia, várias centrais antigas de carvão estão sendo fechadas ou sendo consideradas para ser coal replacement. Isto é, ao invés de descomissionar a unidade, toda a infraestrutura de carvão é retirada para se colocar uma usina nuclear, por exemplo, aproveitando a turbina geradora e a infraestrutura de transmissão. A CATF está envolvida nisso. A parte de coal replacement é muito importante para nós.
Que outros temas relacionados à energia nuclear estão sendo analisados pela organização?
Em relação à parte de custos, não podemos nos esquecer que esta é uma das razões pelas quais a nuclear não está se expandindo na escala desejada. A CATF está estudando como reduzir esse custo para menos de 2 mil dólares por KW instalado. Hoje esse número está entre 5 mil e 10 mil dólares por KW instalado em projetos nos Estados Unidos, Ásia, Europa e Oriente Médio.
Para atingir isso, nós podemos falar em diversos fatores. Um deles é a construção das plantas nucleares, que hoje leva de oito a dez anos. Estamos focando em várias áreas e uma delas é a fabricação avançada. Existem vários projetos com base em construção modular atualmente, o que é ótimo. Nós estamos pensando em como otimizar ainda mais esses processos, para poder reduzir não só o tempo de construção, mas também o tempo de fabricação dos módulos.
Outro ponto é a questão do licenciamento. Sabemos que cada país tem seu órgão regulatório que rege as regras do setor nuclear. Mas para realmente expandir a energia nuclear na escala que pretendemos, é preciso convergir para um padrão de requisitos globais de licenciamento. Um exemplo disso é o que estamos vendo agora na área de SMR [pequenos reatores modulares]. Temos um fórum internacional que encontra os diversos órgãos regulatórios para determinar pontos comuns em termos de regras e pontos regulatórios. Isso facilitaria muito a implementação de projetos. A CATF está envolvida nisso.
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