PESQUISADOR DA UFRJ DEFENDE RETOMADA DE ANGRA 3 E INVESTIMENTOS NO DESENVOLVIMENTO DE REATORES MODULARES

Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –

Não apenas os membros do mercado de energia, de uma maneira geral, defendem a conclusão das obras da usina nuclear de Angra 3. No meio acadêmico também existem vozes que sustentam argumentos favoráveis ao término da planta. Para o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nivalde de Castro, uma das principais vantagens será a substituição de fontes mais poluidoras e caras – as termelétricas. “A usina de Angra 3 vai subir a pilha de usinas que o Brasil possui e, consequentemente, substituirá as usinas termelétricas por uma fonte mais limpa e mais barata. Na nossa avaliação, do ponto de vista de operação do sistema e de segurança energética, Angra 3 faz todo o sentido”, afirmou o pesquisador. Castro defende que as unidades nucleares passem a constar também nos Planos Decenais de Energia (PDE). “Assim, será possível criar um processo para construção de usinas nucleares dentro de um projeto estratégico, associadas a um programa de Estado”, explicou.  O professor ainda fala que o Brasil deve investir em reatores modulares (SMRs) pelo fato de já ter algumas vantagens competitivas, como o domínio do ciclo de enriquecimento e grandes reservas de urânio. “Esta é uma rota tecnológica a qual todos os países desenvolvidos estão investindo. É o caso da China, da Rússia e dos Estados Unidos. O Brasil deve investir nisso também”, concluiu.

Qual a importância da conclusão de Angra 3 para a segurança energética do Brasil?

Não faz o menor sentido não continuar a obra, especificamente em função das características técnicas que a energia nuclear tem. Porque em função da matriz elétrica brasileira, a fonte nuclear acaba substituindo as fontes mais poluidoras e mais caras, que são as termelétricas. A usina de Angra 3 vai subir a pilha de usinas que o Brasil possui e, consequentemente, substituirá as usinas termelétricas por uma fonte mais limpa e mais barata. Na nossa avaliação, do ponto de vista de operação do sistema e de segurança energética, Angra 3 faz todo o sentido.

Do ponto de vista comercial, já há um preço definido para a usina. E é um preço que dá viabilidade econômica para os investimentos que ainda faltam. Agora, precisa ser feita uma licitação bastante transparente e competitiva para que tenhamos o menor custo para a construção. E o que temos a garantir é o contrato de longo prazo que Angra 3 terá com o sistema para operar 11 meses por ano.

O governo já sinalizou a intenção de incluir novas usinas nucleares no Plano Nacional de Energia 2050. Como avalia isso?

Um ponto importante desse plano é que, tudo indica, a política energética brasileira vai incorporar a construção de usinas nucleares como um programa de Estado. E não apenas como algo de um determinado governo. É semelhante ao Programa de Desenvolvimento de Submarino com Propulsão Nuclear. É o tipo de coisa que não fica pronto “amanhã” e sim no longo prazo. 

A tecnologia nuclear vai evoluir. Mais cedo ou mais tarde terá uma importância maior. Porque chegará a um ponto em que não terá mais como explorar o sol e o vento [como fontes geradoras de energia]. Já chegamos a um ponto onde não há mais como explorar usinas hidrelétricas. Se você olhar a longo prazo, verá que a energia nuclear entrará na matriz [com mais força]. É importante para um país com dimensões territorial, econômica, demográfica e política, como é o caso do Brasil, investir em uma tecnologia do futuro. Ou seja, efetivamente incorporar a nuclear no Plano Nacional de Energia 2050 é importante. Mas, na nossa avaliação, acima de tudo, incorporar isso também nos Planos Decenais de Energia. Não que você vá fazer a usina em 10 anos, mas fazer um PDE todos os anos, plantando a semente. 

Poderia detalhar mais essa sugestão?

Por exemplo: em um próximo PDE, determinar o estudo do planejamento energético, considerando a variável energia nuclear, ou então determinar a análise de onde estão os sítios para construção de novas usinas. Tudo isso pode ser colocado no PDE. E, acima de tudo, considerar que a usina nuclear é um projeto estratégico e deve ser analisada diferente de outras fontes. Elas podem ser incluídas nos PDEs, com o cronograma de tudo o que será feito. Assim, será possível criar um processo para construção de usinas nucleares dentro de um projeto estratégico, associadas a um programa de Estado. 

O Ministério de Minas e Energia chegou a cogitar a ideia de ampliar o prazo de vigência do PDE para 15 anos…

O nosso argumento é que não é preciso mudar a maneira como o planejamento é feito só por causa da nuclear. Eu posso usar a metodologia e os modelos de planejamento que o Brasil tem hoje – que foram construídos a duras penas pela EPE – para colocar as usinas nucleares dentro do planejamento.

A EPE já declarou que considera que reatores modulares podem se tornar alternativas a partir de 2030. Gostaria que o senhor falasse sobre esta tecnologia.

Esta é uma rota tecnológica a qual todos os países desenvolvidos estão investindo. É o caso da China, da Rússia e dos Estados Unidos. O Brasil deve investir nisso também. Porque isso, no futuro, vai virar cadeia produtiva e haverá uma competição de mercado. O país tem uma reserva de urânio, metodologia de enriquecimento de urânio e o programa de submarino nuclear. São algumas vantagens competitivas. E vale a pena pegar essa rota [dos reatores modulares].

Se percebe ainda um certo preconceito, até mesmo em partes de órgãos de imprensa, em relação à fonte nuclear. Ao que se deve isso?

Somos uma sociedade democrática e é ótimo ter críticas. Como se diz, as forças das visões antagônicas se chocando te dá vetores de direções mais eficientes. Achamos isso ótimo. Eles estão analisando sob uma visão de curto prazo, alegando que a fonte solar é a mais barata hoje. Mas uma matriz diversificada garante mais segurança energética. Além de estimular uma cadeia produtiva com uma densidade econômica e tecnológica que a fonte solar não tem. O país, com a dimensão do Brasil, não pode viver só em uma perspectiva de visão de curto prazo. Por isso, que o PDE e o PNE são importantes para estabelecer esses parâmetros de desenvolvimento tecnológico do país, para que possamos ter um setor elétrico mais eficiente.

Hoje, o Brasil tem várias iniciativas em relação a nuclear. Além das usinas de Angra dos Reis, temos a Eletronuclear, a INB, a CNEN e uma cadeia produtiva. Na realidade, dado que se irá estabelecer um programa de Estado de longo prazo para a energia nuclear, será importante ter um ordenamento destas instituições e agentes numa estrutura mais densa e organizada. Hoje, não temos isso. Agora que o país está tomando a decisão de priorizar a energia nuclear, a nossa avaliação é que o momento para se discutir é este. 

Por quê?

Em função da discussão sobre a privatização da Eletrobrás. Ao que tudo indica, a privatização da empresa será movida sob a égide do Ministério da Economia, no sentido de gerar receitas extra-orçamentárias para reduzir o endividamento público. Mas a Eletronuclear não pode ser vendida, de acordo com a Constituição.

Então, nos parece que nessa discussão da privatização da Eletronuclear será importante debater o modelo de estruturação do setor nuclear, onde a Eletronuclear terá um papel decisivo. Será ela quem vai ordenar os novos investimentos e operar as novas usinas. A empresa precisa se preparar para isso. 

Para que o programa de Estado da energia nuclear seja factível, o setor de energia precisa ter uma estrutura que ainda não tem. Como a Eletrobrás será privatizada e a Eletronuclear não, nos parece que o elemento catalisador desse processo será a Eletronuclear.

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