SERGIO GABRIELLI CRITICA NOVA LEI DO GÁS E SUGERE POLÍTICA PARA INCENTIVAR EXPANSÃO DA MALHA DE GASODUTOS

Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –

gabrielliO gás natural dominou a pauta da semana da indústria petrolífera. O aumento do preço do combustível em 39% anunciado pela Petrobrás e as falas duras de ontem (7) do presidente Jair Bolsonaro, criticando os reajustes, foram os principais episódios dos últimos dias. Nestes tempos em que o futuro do mercado de gás está em evidência, o Petronotícias começa o noticiário desta quinta-feira (8) entrevistando um personagem que conhece de perto o setor: o ex-presidente da Petrobrás, José Sergio Gabrielli. Atualmente atuando como pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Gabrielli não anda otimista com a aprovação da Nova Lei do Gás. O entrevistado diz que não acredita em “uma mudança substantiva naquilo que é fundamental no Brasil, que é a necessidade de diversificar a malha de gasodutos para fazer uma interiorização do mercado de gás no país”. Para ele, o novo marco legal não fará grandes alterações estruturais no segmento e tampouco ajudará na questão do preço. “Há uma crença de que ao simplesmente abrir o mercado e reduzir o papel dos grandes players, você vai provocar uma queda de preço. Não é assim que funciona no mercado de uma indústria de rede, como é a do gás natural”, opinou. “Então, eu não acho que essa lei seja suficiente para garantir a queda de preço”, cravou. Para o ex-presidente da Petrobrás, a melhor alternativa para o Brasil é aumentar a oferta de gás e estimular a entrada de novos produtores. Ele também defende a expansão da malha de gasodutos: “Eu acho que o mercado de gás natural precisa de uma política de longo prazo. E, essencialmente, tem que ser condicionada pela política de expansão da rede de gasodutos. Ou seja, um programa nacional de rede de gasodutos, que deve orientar a definição da precificação do gás”, sustentou.

Para começar nossa conversa, gostaria de ouvir sua opinião sobre o reajuste anunciado nesta semana no preço do gás natural.

petrobrasExistem várias formas de precificação do gás no mercado do Brasil e do exterior. Uma delas é dada pela construção dos gasodutos. Nessa construção de gasodutos, no sistema como um todo, existem contratos de longo prazo, vinculando o preço do gás ao preço do petróleo. O que a Petrobrás fez foi reajustar os preços contratados com as distribuidoras aos novos níveis de preço de petróleo. Evidentemente, isso tem certa defasagem. Ao que parece, esses 39% correspondem aos reajustes que ocorreram no trimestre anterior. Portanto, eu acho que esse aumento reflete uma parte do custo do gás natural.

A outra parte é o custo de produção do gás natural doméstico, que tem outro tipo de estruturação. O gás natural doméstico, em geral, é produzido associado ao petróleo. Geralmente, há dois usos para esse gás: reinjeção para aumentar produção do petróleo ou venda do petróleo a um preço que depende essencialmente das condições de mercado. O custo de produção desse gás está diluído no custo do petróleo.

E ainda há um terceiro tipo de preço do gás natural, que é o preço do gás importado como GNL. Isso vai depender muito, principalmente, dos preços na Ásia, que permitem aos navios gaseiros calcularem o custo de transporte até o Brasil.

Existem vários tipos de precificação do gás. O que foi aumentado foi, basicamente, o gás que provavelmente veio da Bolívia e que tem ligações diretas com o preço do óleo combustível.

Na sua visão, qual será o impacto do novo marco legal do gás no preço deste combustível?

gas-naturalO setor de gás natural é uma indústria de rede. Não podemos analisar essa indústria sem avaliar a produção do gás, o transporte via gasoduto e o mercado comercializador. O Brasil fez uma decisão equivocada [se referindo ao marco do gás], porque não reflete o grau de maturidade dessa indústria de rede no Brasil.

A indústria de rede tem que se desenvolver como um todo. É preciso estimular novos produtores e investidores na área de gás. Na parte de gasodutos, em uma fase inicial, deveríamos ter um ente investidor principal. Os gasodutos envolvem um risco de longo prazo que o investidor privado, em geral, não quer assumir.

Seria preciso também rediscutir o papel dos grandes consumidores e dos consumidores pequenos. No mercado de gás brasileiro, nós temos hoje uma disputa do gás termelétrico e do gás industrial, que são os dois grandes consumos no país. Já o gás canalizado e o gás natural veicular são mercados relativamente pequenos no caso brasileiro.

A nova lei do gás se concentrou basicamente no transporte e está longe de criar força para viabilizar um planejamento centralizado e um papel dos grandes investidores na construção da infraestrutura logística. Nós caminhamos para uma precoce diversificação de atores na área de logística, tirando a Petrobrás desse papel. Existe a esperança que o setor privado vai fazer esse investimento. Mas não é isso que a história e a experiência internacional nos dizem.

E como estimular a entrada de novos produtores?

gasodutosFalando objetivamente, a Petrobrás é uma grande produtora. Ela produz 6,5 vezes a mais do que o segundo maior produtor no país, que é a Shell. A tendência é que a Petrobrás aumente essa produção, porque as áreas concedidas e as áreas já em operação na Bacia de Santos, no pré-sal, vão produzir mais gás natural. Portanto, a proposta do [Novo] Mercado de Gás não muda esse quadro.

Para mudar esse quadro, você teria que estimular investimentos em áreas de fronteira e incentivar a utilização de outros tipos de intervenção na importação de GNL. Apesar de ter alguma coisa que induz a importação de GNL, a lei não é focada nisso. O texto se concentra em tirar a Petrobrás do centro da logística do gás.

Qual será consequência de tirar a Petrobrás desse papel central?

Terminal de Regaseificação de GNL da BahiaBasicamente, temos três situações diferentes. No “filé mignon” do mercado, que é o entorno do Gasbol [Gasoduto Brasil-Bolívia], entre a costa brasileira e a produção da Bolívia, que envolve basicamente São Paulo, Goiás e Mato Grosso. Esse mercado, que é mais maduro, terá alguns novos investimentos. Eu acho que alguns investimentos chegarão também ao Rio de Janeiro, que tem uma área relativamente densa de gasodutos.

Agora, no Sul e no Nordeste, teremos uma situação completamente diferente. No Nordeste é possível que você tenha alguns investimentos utilizando novos modais para transporte de curta distância de gás. A Golar Energy tem alguns projetos que viabilizam a utilização de produção pequena monta, com um certo grau de condensação do volume, e transporte para poucos mercados. Mas acho que não haverá uma mudança substantiva naquilo que é fundamental no Brasil, que é a necessidade de diversificar a malha de gasodutos para fazer uma interiorização do mercado de gás no país. Ou seja, não há mudança estrutural no mercado de gás.

O senhor acredita que a expansão da malha e trazer o gás do pré-sal é um caminho para diminuir os preços?

rota3

Rotas submarinas do Brasil

Evidentemente, é preciso fazer uma opção econômica entre reinjetar e viabilizar no médio prazo uma maior recuperação dos reservatórios; ou utilizar o gás – que exige investimento para retirar o gás da boca do poço.

A Rota 3, por exemplo, levará o gás da Bacia de Santos para o antigo Comperj [atual Polo Gaslub Itaboraí], que agora vai se transformar em uma unidade de processamento de gás de grande porte. Isso vai criar uma condição de ter um gás especificado na entrada do mercado principal do Brasil, que é o Sudeste. Eu não sei se será suficiente para o volume de gás que será produzido. Vai continuar havendo certa reinjeção de gás no Brasil. É claro que esse é um mecanismo importante para “nacionalizar” o preço do gás.

Um outro mecanismo é estimular os terminais de regaseificação, trazendo o GNL para cá. Essa outra alternativa internacionaliza o preço do gás, porque o combustível virá com o preço da Ásia, acrescido do custo de transporte. Haverá uma paridade de preço de importação. O sonho de alguns é que o preço internacional seguirá o preço do gás americano. Assim, esse mecanismo seria uma alternativa. Mas acho que essa não será a tendência.

A tendência é que o mercado de gás na Ásia se torne mais competitivo, onde a demanda crescerá muito por causa da China e da Índia. Essa demanda desses dois países vai fazer com que o mercado asiático seja de grande densidade. Portanto, a perspectiva do preço do GNL é de subida e não de descida. Por isso, a alternativa de importação de gás não é a melhor. O ideal é aumentar a oferta de gás no Brasil, estimulando a produção de novos produtores.

O ministro da economia, Paulo Guedes, prometeu em 2019 um choque de energia barata, com redução do preço do gás pela metade. Dadas as circunstâncias atuais da economia e do país, é possível atingir essa meta?

paulo-guedes-comissao-financas-2019Essa leitura de mercado é mitológica e ideológica. Há uma crença de que ao simplesmente abrir o mercado e reduzir o papel dos grandes players, você vai provocar uma queda de preço. Não é assim que funciona no mercado de uma indústria de rede, como é a do gás natural. Eu não acho que essa lei seja suficiente para garantir a queda de preço. É apenas uma formulação ideológica de que é contra o Estado e a presença de grandes players no mercado que possuem um monopólio natural.

Nos combustíveis, o governo está estudando uma forma de suavizar os repasses da Petrobrás para os consumidores. Isso seria possível também no caso do gás natural?

combustivelA situação do gás natural é um pouco mais complexa em relação aos combustíveis líquidos. O armazenamento do gás natural é mais difícil. Não há como ter uma política de armazenamento de gás natural, a não ser que você cresça muito aquilo que se chama “quimificação”, que é  transformar o gás em ureia e amônia. Mas isso é muito complexo de ser realizado quando existem muitos atores.

Eu acho que o mercado de gás natural precisa de uma política de longo prazo. E, essencialmente, tem que ser condicionada pela política de expansão da rede de gasodutos. Ou seja, um programa nacional de rede de gasodutos, que deve orientar a definição da precificação do gás. E aí está o papel da regulação, que é muito importante.

Não há mercado livre competitivo, como se fosse uma feira livre, para definir o mercado de gás natural. Este setor é regulado no mundo inteiro. Portanto, só com a maturidade da rede, a diversidade da integração de vários gasodutos e a presença de muitos atores, você pode provocar algum tipo de competição. Fora disso, é definição de regulação. Cada estado tem que definir sua política de gás e sua política de expansão de gasodutos.

Por outro lado, haverá um problema que vai ser dado pela própria lei do gás. A Constituição Brasileira diz que a distribuição de gás natural é monopólio dos estados. E a Constituição não foi mudada. A Lei do Gás, no entanto, aumenta a responsabilidade da ANP, que é uma agência federal, para regular o gás. Provavelmente haverá conflitos e disputas com as agências estaduais.

E como deveria ser essa política de longo prazo que o senhor defende?

gas naturalVamos pensar nas diversas experiências espalhadas pelo mundo. Vamos começar pelo mercado mais antigo: o europeu ocidental. Este é um mercado fortemente influenciado pela oferta das estatais da Rússia, que responde por dois terços do gás ofertado para a Europa.

O mercado consumidor europeu tem uma crescente desregulamentação tanto no que se refere ao uso elétrico quanto no uso industrial. No caso do uso elétrico, há política de estímulo para o uso do gás elétrico, em função da política europeia de redução do carvão e estímulo do gás como combustível de transição para baixo carbono. Esse modelo da Europa deixa algumas lições, mas não pode ser aplicado ao caso brasileiro, porque nosso país não tem a maturidade das redes de gasoduto e nem a diversidade das produtoras de energia elétrica daquele continente.

Vejamos agora o caso dos Estados Unidos. Lá, a situação é diferente. A partir de 2008, cresceu enormemente a produção de gás, que é uma expansão que só pode ter ocorrido porque os reservatórios existentes estavam localizados exatamente nas regiões onde existam gasodutos preexistentes com capacidade ociosa. E também tinha uma indústria de perfuração e fornecimento de insumos para produção de óleo e gás muito flexível.

Isso permitiu um mercado muito mais competitivo nos Estados Unidos. Isso ocorreu ao mesmo tempo em que os americanos deixaram de utilizar o carvão como combustível para energia elétrica. Esse quadro também é impossível de ser reproduzido no Brasil. Porque no caso brasileiro não temos a viabilidade do shale gas nas mesmas regiões que tenham gasodutos e nem a indústria de perfuração e completação de poços que os Estados Unidos possuem.

gasPor fim, vejamos o caso da China. Eles criaram recentemente uma empresa estatal chamada Pipe China, que vai administrar a expansão dos gasodutos no país. Eles estão fazendo enormes gasodutos para viabilizar novas fontes de suprimento de gás. A China criou uma rede de terminais de regaseificação para importar gás natural da Austrália, da Indonésia, de Mianmar e do Catar. Ou seja, estão diversificando a oferta, mantendo o controle dos preços para o consumidor final e mantendo o controle do preço para produção de fertilizantes. Eles fazem uma política que chamam de controlar o meio e diversificar as pontas. 

Esse modelo, talvez, seja o mais adaptável ao caso brasileiro, porque temos poucos gasodutos e não temos um setor competitivo na ponta. Nossa eletricidade é fortemente hidrelétrica e, portanto, não temos um competidor de custo variável alto para fixar preços para o gás natural na ponta. E nós temos uma Petrobrás muito forte na produção.

Para mudar esse quadro, é preciso crescer [o número de] gasodutos. Então, a política tem que ser nesse nível. Ela não pode ser uma política de curto prazo. Ela precisa ser de longo prazo para estimular a entrada de novos atores, mas sem desmontar o mercado.

Deixe seu comentário

avatar
  Subscribe  
Notify of