FABRICANTES DA CADEIA DE PETRÓLEO CRITICAM MUDANÇAS NO CONTEÚDO LOCAL E DEFENDEM MAIORES INCENTIVOS À INDÚSTRIA

José Velloso - AbimaqNovas promessas, pouca melhora efetiva. Assim foram recebidas pelo setor de máquinas e equipamentos as novas mudanças para medição de conteúdo local na indústria brasileira, anunciadas nesta semana por meio de um decreto do governo federal. O Programa de Estímulo à Competitividade da Cadeia Produtiva, ao Desenvolvimento e ao Aprimoramento de Fornecedores do Setor de Petróleo e Gás Natural (Pedefor), que estabelece um sistema de compensação às operadoras por meio de Unidades de Conteúdo Local – UCLs, não altera fatores fundamentais para a indústria, que continua a sofrer com preços pouco competitivos diante do mercado internacional. É o que afirma o presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, que defende maiores incentivos aos fabricantes nacionais, com o objetivo de equiparar os preços de produtos brasileiros e ampliar demandas. Segundo Velloso, devido à carência de isenção fiscal para o terceiro elo da indústria, as fábricas nacionais contam hoje com até 60% de ociosidade para projetos da cadeia de óleo e gás. O programa do governo, dessa forma, deverá servir apenas como bonificação às dívidas acumuladas por operadoras em decorrência do não cumprimento de conteúdo local, que podem chegar até R$ 10 bilhões. “Quem está com dificuldade de participar do mercado são os fabricantes de máquinas, mas no fim das contas o governo vai dar uma bonificação para quem está comprando fora.”

O Petronotícias convidou representantes do mercado para apresentarem suas visões quanto ao novo decreto do governo e as mudanças na medição de conteúdo local. Apesar das críticas feitas ao lançamento das propostas de incentivo, a mudança do sistema é um marco positivo e deve trazer importantes mudanças para o setor, de acordo com o secretário executivo do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), Antonio Guimarães. A postura do governo aponta caminho para práticas que prezam mais pelo incentivo do que pela penalização de operadores de petróleo, segundo o executivo, o que pode consolidar importantes investimentos para a cadeia nacional.

A medida é um bom sinal para o mercado, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido para estimular a competitividade na indústria brasileira, de acordo com o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi), Antonio Muller. O setor depende de novas políticas industriais que abranjam os fabricantes e permitam que os investimentos fomentados pelo Pedefor sejam direcionados ao mercado nacional. Segundo Muller, a mudança precisa incentivar operadoras a criarem projetos com empresas brasileiras, principalmente na área de engenharia.

José Velloso – presidente executivo da Abimaq:

O Brasil tem o Repetro, que beneficia apenas os dois primeiros elos da cadeia, ou seja, as companhias de petróleo e os epecistas. Nós, da indústria de máquinas e equipamentos, estamos no terceiro elo, mas não somos contemplados. Esse é um dos principais fatores que levou os fabricantes de bens de capital a não terem sucesso no setor de óleo e gás nos últimos 13 anos. Nossas vendas não decolaram e ficamos de fora de todo o boom que aconteceu.

Para se ter ideia, a Petrobrás investiu uma média de US$ 20 bilhões a US$ 25 bilhões por ano até 2014, mas nossas vendas totais para o setor ficaram em cerca de R$ 3 bilhões. Além disso, metade desse total é relativo a operação e manutenção, então apenas R$ 1,5 bilhão por ano foram provenientes dos novos investimentos, de modo que nunca chegamos a ter mais de 10% dos recursos aplicados. Ou seja, a grande maioria de bens de capital é importada. Só que, na hora da medição, isso não ficava claro. E quando ficava, gerava um grande volume de multas, muitas ainda a serem apuradas.

Então o potencial de aumento de multas é muito grande, porque a aferição ainda estava nas rodadas mais antigas. As companhias perceberam isso e estão querendo cauterizar essas perdas, por isso vieram com esse programa. Nós escutamos nos corredores que essas multas poderiam chegar R$ 10 bilhões. No entanto, agora as empresas que descumpriram as obrigações vão ganhar bonificações.

Não acho justa essa decisão. Muitas empresas vieram para o Brasil, investiram em fábricas aqui, assim como muitas daqui investiram em ampliações, mas não receberam o retorno. A demanda não acompanhou a expectativa, por conta da falta de uma política industrial. O Prominp, que teria esse propósito, ficou focado apenas na formação de mão de obra, mas agora essa mão de obra ficou ociosa. A única coisa feita para aumentar o conteúdo local foi a criação das multas nos leilões da ANP, mas não criaram ações para aumentar a competitividade local.

Além disso, existe o Repetro, como já falei, que tira nossa competividade. Tudo o que for comprado para ser instalado numa plataforma, numa embarcação de apoio ou para qualquer investimento no offshore, pode ser incluído no Repetro. Ele permite a suspensão do imposto de importação, do IPI, do Pis/Cofins e do ICMS para os dois primeiros elos da cadeia, mas não estende isso aos fabricantes de bens de capital. Então é uma importação totalmente desonerada. Isso cria um viés importador. A outra coisa que tirava nossa competividade era o câmbio. Só que, quando o câmbio mudou, em meados do ano retrasado, os projetos pararam. De 2014 para cá, nós só tivemos cancelamentos de pedidos ou postergação de obras. Não tivemos pedidos novos.

Os projetos de engenharia foram feitos na maioria das vezes no exterior e as empresas listavam seus próprios fornecedores nos projetos. O Pedefor não garante que essa situação vai mudar. Não tem nada escrito nele que deixa claro o que vai acontecer para melhorar a competitividade da indústria nacional. E já foi dito que o governo não vai mexer no Repetro, então continuaremos com o mesmo problema.

Nós não somos contra o Repetro. Nós advogamos para que ele seja estendido ao terceiro elo da cadeia, para realmente contemplar o conteúdo local. Hoje, as fábricas de máquinas e equipamentos estão com uma ociosidade média de 50% a 60% no setor de óleo e gás. Não é preciso trazer novos fornecedores, como diz um dos itens do programa. O que é preciso é ocupar as fábricas que estão vazias, que estão paradas. Temos aqui grandes empresas como Siemens, Confab, GE e WEG, por exemplo, que não precisam de novas tecnologias agora. Elas precisam de encomendas.

Então, quem está com dificuldade de participar do mercado são os fabricantes de máquinas, mas no fim das contas o governo vai dar uma bonificação para quem está comprando fora. Se o governo está interessado em incentivar a competitividade, acho que nós deveríamos ter sido consultados, ao menos para opinar, mas não fomos chamados.

Antonio Muller – presidente da Abemi:

muller

Foi positivo, um avanço, mas temos que avançar muito mais. Não é só a política de conteúdo local que vai resolver tudo. Precisamos de uma política industrial. Então não resolve os problemas de competitividade, porém, pelas novas regras, há um bônus importante para incentivar os investimentos dos operadores, tanto de desenvolvimento de campos quanto para exportar bens produzidos aqui. É mais positivo ter bônus do que penalização, além de dar mais opções às empresas para administrar o cumprimento do conteúdo local.

No lado dos fornecedores, os fabricantes também precisam de uma política industrial. Eles estão num momento de pouco mercado. Uma política industrial resolve esse problema. Já a indústria de serviços tem uma grande vantagem, porque se essas empresas derem os projetos para companhias sediadas aqui, pode ser um avanço interessante. E elas precisam focar muito nisso, na engenharia, que aumenta o conteúdo local de uma maneira geral.

Antônio Guimarães, secretário executivo de Exploração e Produção do IBP. Foto: Rafael Godinho/PetronotíciasAntônio Guimarães- secretário executivo do IBP:

Na nossa avaliação, é um primeiro passo muito importante. Nós começamos a nos mover para uma política de conteúdo local muito mais voltada ao incentivo do que à penalização, além de incentivar o crescimento da cadeia de fornecedores. É um sinal importante. No momento, temos um conceito, mas precisamos ainda ver como será aplicado. Esperamos que o IBP seja chamado para participar da regulamentação desse decreto. Ela dá diretrizes positivas, muito importantes, e veremos como funciona na prática.

Aquilo que puder ser considerado investimento, vai ser bonificado como Unidade de Conteúdo Local (UCL), mas é preciso avaliar em que projeto e em que formato isso vai ser feito. O mais importante desse novo decreto é que ele tenha foco. É preciso ver como pode se estimular o mercado e os compradores, então é necessário que venha acompanhado de uma política industrial. Achamos que tem um potencial muito grande de sucesso.

Nenhum país consegue fornecer tudo de forma competitiva. No Brasil, há muitos segmentos da indústria que estão competitivos; não são todos que têm grande discrepância de preços. Vários fabricantes de equipamentos têm Repetro, mas o terceiro e o quarto elo da cadeia representam muito pouco de investimento, percentualmente.

O programa é um incentivo para tentar estimular investimentos, ele não muda a realidade do que é possível fazer de conteúdo local no Brasil. O impacto na mudança vai ser marginal. Não é o intuito do decreto e nem das operadoras que isso se torne uma panaceia. Com a mudança, começamos a ver uma luz, em um modelo que tem sucesso em vários lugares do mundo. 

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