MUDANÇAS NO MERCADO DE GÁS ATRAEM SETOR ELÉTRICO E PODEM FOMENTAR CONSUMO LIVRE NA INDÚSTRIA

Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) – 

Reginaldo Medeiros_presidente-executivoO mercado de gás natural brasileiro está em vias de passar por mudanças significativas e o tema tem atraído diversas entidades de classe e representantes da indústria nacional, como a Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), que se reuniu com o ministério de minas e energia em Brasília essa semana para tratar do assunto. O presidente da Abraceel, Reginaldo Medeiros, levou um documento com uma série de pontos a serem avaliados pelo governo para o redesenho do setor de gás natural no Brasil e saiu animado do encontro, acreditando que o ministério deve apresentar formulações positivas para a abertura do mercado, com a previsão de lançamento de um documento com este foco no final de setembro.

Segundo Medeiros, algumas questões como alterações tributárias, ampliação da malha, separação entre produção e transporte, além da criação de um operador nacional do sistema de gás, são fundamentais para este avanço, assim como medidas específicas para o mercado livre, similares às já aplicadas no setor elétrico, com o intuito de fomentar novos consumidores e ampliar a competitividade da indústria nacional.

Uma dessas bandeiras defendidas pela associação é a busca por um equilíbrio entre os limites mínimos de demanda para permitir o consumo no mercado livre de gás, que hoje encontra muitas discrepâncias entre os estados. Para se ter ideia, enquanto em São Paulo e Minas Gerais basta uma demanda de 10 mil m³/dia para obter essa autorização, no Mato Grosso o mínimo permitido é de 1 milhão de m³/dia. Esta definição é uma atribuição dos estados, mas evidentemente que o governo central pode, em harmonia com eles, trabalhar para ter uma racionalidade nisso”, afirma Medeiros.

Como foi a reunião no Ministério de Minas e Energia?

A reunião foi extremamente positiva e produtiva. O ministério está ouvindo diversos segmentos interessados no mercado brasileiro de gás e pretende lançar um documento até dia 30 de setembro contendo as diretrizes para um novo mercado de gás no Brasil. Vão procurar o máximo de convergência entre os agentes do setor, depois será colocado em consulta pública e por fim vão trabalhar firmemente nas diretrizes que serão fundamentais para organizar o mercado.

Qual a postura do governo em relação às questões levadas pela Abraceel?

Os nossos pontos levados foram muito bem recebidos. A princípio houve uma convergência de visões na discussão. Eles estão analisando os nossos pleitos e ouvindo os de outros agentes, mas muitos são bastante convergentes com o Fórum do Gás, formado por diversas associações, com uma agenda bastante forte de abertura do setor de gás. Vemos muita perspectiva de ampliação e diversificação da oferta de gás.

Qual seria a melhor maneira de fazer a abertura do mercado de gás natural no País na visão da Abraceel?

Um dos pontos centrais é a questão da tributação. Hoje, a incidência é na origem da produção e da importação, e precisamos trabalhar para verificar um regime de desvinculação da cobrança do fluxo físico, para preservar a incidência do imposto na origem comercial. Se não, é difícil fazer o mercado funcionar.

Outro ponto que é bastante próprio a nós comercializadores é o estabelecimento de limites estaduais realistas para o mercado livre de gás. No setor elétrico, por exemplo, o consumidor, para ser livre, tem que ter uma demanda mínima de 500 quilowatts. Ainda assim, só pode comprar de fontes renováveis. A partir de 3 mil quilowatts de demanda já pode comprar de qualquer fonte. Queremos a mesma coisa no setor de gás. Já existe essa possibilidade em alguns estados, que já estabeleceram limites, mas é preciso ter racionalidade. Em São Paulo, por exemplo, o limite da demanda é de pelo menos 10 mil metros cúbicos de gás por dia. Em Minas Gerais também. No Rio, é de 25 mil m³/dia. No Mato Grosso, é de 1 milhão de m³ de gás/dia. Ou seja, isso é um limite não realista, porque pouquíssimos consumidores poderiam ser livres desta maneira.

Quanto seria um limite apropriado para a Abraceel?

Acreditamos que o limite de 10 mil m³ por dia é razoável, como já se faz em São Paulo e em Minas. Esta definição é uma atribuição dos estados, mas evidentemente que o governo central pode, em harmonia com eles, trabalhar para ter uma racionalidade nisso. Embora muitas vezes a politica seja estadual, o governo nacional tem como trabalhar com os estados para encontrar esse equilíbrio. No caso de Mato Grosso, por exemplo, há um impedimento de a indústria ter consumidores livres. E esse mercado livre é importante para que haja alternativas de compra, que muitas vezes barateia o custo e pode garantir mais competitividade à indústria.

Como o governo se coloca em relação à proposta de criação de um operador nacional do sistema de gás?

Um operador independente é outro ponto central. Defendemos a criação desse órgão, com atribuições referentes ao despacho físico da molécula, semelhante ao Operador Nacional do Sistema (ONS) de energia elétrica. Temos que trabalhar bastante nessa questão, que é defendida pelos setores produtivos desde a lei do gás, de 2009, mas acabou ficando de lado de lá para cá.

E qual a visão do ministério a partir da reunião?

A nossa percepção é de que o governo é favorável a essa tese, mas para isso são necessárias mudanças legais. E o governo em transição está priorizando outros pontos que não gerem polêmica. Já existe um projeto de lei que chamou essa figura de Ongás, que está tramitando na Câmara dos Deputados, mas está parado por enquanto. O ministério agora está analisando os pontos levados por todos os representantes do mercado e posteriormente, quando divulgarem o documento no final de setembro, é que saberemos o encaminhamento disso.

Em relação ao transporte do gás, qual a bandeira da Abraceel?

A gente defende o modelo de entrada e saída, muito semelhante ao modelo utilizado no mercado europeu e também similar ao do setor elétrico brasileiro. Dessa maneira, o acessante paga uma tarifa por ponto de acesso dos gasodutos de transporte. Mas para isso precisaria do operador independente para otimizar a utilização da malha.

De que maneira a Abraceel sugere que o gás do pré-sal possa ter um papel importante na reformulação do mercado?

A parte que seria relativa à PPSA é um gás da união e o governo poderia fazer leilões para colocar parte desse gás no mercado. Ele faria um leilão dessa venda de gás e diversos agentes, todos interessados no mercado, comprariam esse fornecimento.

E como seria o escoamento desse gás?

É importante a separação desse escoamento. Precisa de uma regulamentação para a cobrança do uso do gasoduto, que seria de livre acesso. Se não viabilizar o compartilhamento, não viabiliza o transporte de gás. Se precisa passar num trecho e não houver essa possibilidade, inviabiliza. Além disso, é possível aprimorar a legislação sobre os gasodutos de escoamento, de modo a incentivar o compartilhamento dos dutos entre produtores, que muitas vezes não possuem escala de produção suficiente para viabilizar os investimentos.

Mas um problema neste quesito não seria justamente a malha ser muito limitada e a Petrobrás já utilizar todos os gasodutos?

Esse é o problema do Pemat (Plano de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário). Ele precisa ser aprimorado, para considerar adequadamente a expansão da malha. É preciso que ela exista e que ela seja construída nos pontos de consumo e nos pontos de produção. O Pemat, quando saiu, veio com um único projeto. Ele precisa ser mais profundo e ir onde estão os gargalos, para atender verdadeiramente ao mercado.

E quais são esses gargalos hoje?

Ainda não mapeamos. Teríamos que fazer uma análise mais profunda. Mas certamente, se houver separação da molécula em relação ao transporte, isso ficará claro e haverá interesse de investidores.

Recentemente, em entrevista ao Petronotícias, a diretora da ANP, Magda Chambriard, afirmou que bastava às empresas interessadas irem buscar a agência que eles poderiam autorizar a construção de novos gasodutos, mas ela disse que não existia de fato esse movimento. Como vê essa questão?

Até então, ninguém acreditava de verdade num mercado de gás no Brasil. Mas com a mudança na equipe econômica do governo, essa questão passou a ser vista de forma diferente. Agora começou a mudar a figura, as empresas estão começando a acreditar na possibilidade desse mercado. O que acontecia na prática era um mercado monopolista. No momento em que separa o transporte da molécula, se tiver um gargalo, ele será atacado, porque aí se terá o produto disponível.

A expectativa é positiva então?

Acho que vamos avançar. Saímos com uma visão muito positiva da reunião com o ministério. Acho que há novas visões em andamento. O fórum do gás teve uma reunião com o Pedro Parente interessante esta semana, que indica isso.

Como foi essa reunião?

Eu não pude estar presente, mas ele disse que estão ouvindo os agentes e que a Petrobrás vai rever seu planejamento estratégico com uma visão nova, com o foco num mercado de gás mais aberto. Essa parece ser a intenção. É uma nova postura da Petrobrás, impensável há um tempo atrás.

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