MUDANÇAS NOS IMPOSTOS DO RIO NÃO AUMENTAM ARRECADAÇÃO DO ESTADO E IMPACTAM PLANOS DA INDÚSTRIA LOCAL

Por Daniel Fraiha (daniel@petronoticias.com.br) – 

Julio Cepeda KPMGA tentativa de solucionar o buraco sem fundo das contas do estado do Rio de Janeiro por meio de mudanças nos impostos do setor de óleo e gás parece ter sido um tiro no pé e nos que estavam tentando superar a crise nacional. É a impressão que fica quando se avalia a leitura crítica feita por Júlio Cepêda, sócio da área de tributos em óleo e gás da KPMG, que traça um panorama da pouca efetividade das ações tomadas pelo governo do Rio. Com a criação de uma nova taxa e a suspensão dos incentivos estaduais do Repetro, tentando aumentar a arrecadação, a única coisa que o estado conseguiu foi fazer a indústria sofrer mais, num momento já de grande dificuldade, gerando inúmeros processos judiciais. Os problemas principais da estratégia se dão em duas frentes. No caso da suspensão do incentivo em relação ao ICMS, as petroleiras já se beneficiam de um entendimento do STF que garante a isenção do imposto para as plataformas, então o efeito será nulo, segundo Cepêda, enquanto que, no caso do fim da isenção para as exportações, terá um forte impacto nos fornecedores locais, o que deverá inclusive diminuir a arrecadação do estado, já que eles deixarão de vender para fora.

O executivo, no entanto, reconhece que a situação do Rio é complicada e que hoje as regras tributárias nacionais são prejudiciais aos estados produtores, que acabam ficando sem o ICMS do petróleo vendido para outros estados, mas avalia que o caminho tomado pelo governo deveria ser o de renegociar o pacto federativo em relação a estes impostos, ao invés de entrar numa guerra contra a indústria.

Qual o impacto em termos financeiros em reais na indústria com a aprovação da nova tributação criada pelo Rio de Janeiro e com o fim das isenções estaduais do Repetro no Rio?

Não tenho uma estatística exata sobre o assunto, mas tem dois pontos importantes. Saiu uma reportagem na época da discussão do cancelamento, dizendo que o Rio de Janeiro teria aberto mão de R$ 4,6 bilhões em receitas em função do Repetro.

Quando estamos falando de Repetro, do ponto de vista do estado e não da esfera federal, estamos falando dos dois incentivos mais importantes. O primeiro deles é a redução ou suspensão do ICMS da importação de um bem destinado à indústria de petróleo. Com o cancelamento, deixaria de ter essa redução/suspensão, então quando importasse determinada máquina, equipamento, teria que recolher o ICMS.

Só que existe um entendimento do STF que abrange qualquer importação em que não exista transferência de propriedade, isentando de ICMS nestes casos. Se eu trago uma plataforma para usar aqui, entra na modalidade de aluguel ou afretamento, então o proprietário continua sendo do exterior. O STF já decidiu que quando não há essa mudança de propriedade, o ICMS não deveria incidir sobre as operações.  E essa discussão se aplica muito bem ao Repetro. A maioria das empresas já não vinha pagando o ICMS por conta dessa questão.

Então o efeito prático vai ser muito pequeno, porque cancelou um imposto que já não vinha sendo pago.

Os fornecedores de máquina e equipamentos reclamam que o Repetro não chega ao terceiro e ao quarto elo da cadeia, o que os prejudica, favorecendo apenas os epecistas e as grandes empresas. Como vê a questão?

O Repetro realmente só atinge até determinado nível da cadeia. Acho que, no momento atual, exatamente de cancelamento do incentivo, é um ambiente de pouca margem para conseguir avançar nesse benefício às empresas.

Também foi suspenso um item do Repetro que suspendia o ICMS para exportação fixa, que foi criado como contrapeso para incentivar a exportação de bens produzidos aqui.

Então o efeito prático será muito pequeno na parte da importação, porque as empresas já não vinham pagando o ICMS baseadas no entendimento do STF – já que o Repetro não zerava, mas apenas reduzia o custo. Então elas optaram por questionar e não pagar nem a alíquota reduzida, de modo que essa medida não vai adiantar nada nesta parte. Já em relação aos exportadores, vai haver um impacto forte. Porque eles terão mais dificuldade para exportar, prejudicando a indústria local e reduzindo consequentemente a arrecadação. Então os produtores locais estão muito preocupados, porque foram muito prejudicados.

E a nova tributação criada pelo estado?

Foi a Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização Ambiental das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Produção de Petróleo e Gás (TFPG).

Quando se tira o petróleo da cabeça do poço, há uma incidência de ICMS, porque ele só gera arrecadação para o estado produtor se for vendido dentro do próprio estado, o que não é comum, então o tributo fica com o estado de destino. Isso prejudica bastante os estados produtores, e desde 2002 os estados começaram a criar novas leis para tentar conseguir uma arrecadação dessa produção também. Naquele momento, houve a lei Valentim, que tinha um caráter muito parecido com a de agora.

Essas tributações inviabilizariam a indústria. Uma taxação de 20% de tudo que compõe uma plataforma, no caso do ICMS, levando-se em conta os valores em questão, deixaria o setor inviável economicamente.

Em que passo está essa discussão na esfera judicial?

Nos dois casos houve recursos na justiça. Mas em todos os casos estão em processo inicial de discussão. Muito em questão de liminar conseguidas por associações de classe, mas a chance de vingar é muito pequena. Porque em nada tem de diferente do que já foi considerado inconstitucional no início dos anos 2000.

Existe algum caminho que pudesse atender à indústria sem deixar o estado na posição de perdedor dessa disputa?

Acho que é uma discussão ruim para o estado. A saída para a situação do estado deveria ser uma discussão mais federativa, como a redistribuição do ICMS, que atualmente prejudica os estados produtores, mas isso é complicado. E, além disso, está em discussão judicial a questão dos royalties, que tenta repartir com o Brasil inteiro esses recursos, o que colocaria o Rio em uma situação muito ruim, assim como os outros produtores, porque já não recebe o ICMS do que vai para outros estados e perde também esses recursos. Então acho que a grande briga dos estados produtores deveria ser na federação e não com a indústria.

Mas não podemos ser ingênuos de achar que seria uma briga fácil. Não será. Mas realmente a situação dos estados produtores é muito ruim em função de como as regras se aplicam.

Qual o risco em menor e maior grau para o setor de óleo e gás brasileiro dessas medidas avançarem?

O pior cenário é a indústria ficar convivendo com essas brigas, porque do ponto de vista jurídico é muito pouco provável que isso vá a frente. Até porque o que temos ouvido é que o movimento do estado de Rio vai no sentido contrário da posição federal. O Repetro federal, de isenção dos outros impostos, vai até 2020, e o governo federal tem sinalizado que haverá a prorrogação desse regime. Porque não prorrogar seria o pior dos cenários, mas não parece muito provável que isso aconteça.

Então, no curto prazo é ruim, porque traz uma insegurança jurídica para o setor que trava os investimentos, mas acho que no longo prazo o grande malefício seria se isso não fosse prorrogado.

Além destas questões, quais são os outros principais desafios nas esferas jurídica e tributária do setor de óleo e gás brasileiro?

Do ponto de vista tributário, tem sempre algumas discussões, mas essa questão do Repetro é a mais importante. Um ponto bastante relevante para o setor também, saindo um pouco do tributário, é a flexibilização da participação da Petrobrás nos blocos do pré-sal. Esse foi um entrave que saiu da frente e deve gerar novos investimentos no setor daqui para frente.

Quais seriam as suas sugestões para uma melhor estrutura jurídica e tributária nacional para esta indústria?

Uma coisa que pode ser um entrave são as especificidades do setor, com longo prazo, e não temos regras específicas para ele, de modo que a indústria em determinadas situações precisa se encaixar em determinações tributárias genéricas, feitas pensando em outras empresas. Então talvez uma discussão importante seria criar um arcabouço tributário específico para o setor. Uma regulamentação federal, estadual e eventualmente municipal, levando em conta todas essas situações, que nem sempre são fáceis de enquadrar na regulamentação geral.

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